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reportagem cultural

- Publicada em 23 de Maio de 2019 às 22:09

Clube Cultura retoma atividades com agenda que inclui show do cantor Nei Lisboa

Plateia lotada no Auditório Henrique Scliar, do Clube de Cultura, em 1959

Plateia lotada no Auditório Henrique Scliar, do Clube de Cultura, em 1959


ACERVO CLUBE DE CULTURA/DIVULGAÇÃO/JC
Quando Nei Lisboa começar a cantar no Clube de Cultura, na noite do próximo dia 31 de maio, haverá muito o que comemorar. O show fecha a programação de aniversário do espaço da rua Ramiro Barcelos, que construiu, ao longo dos últimos 69 anos, uma rica história de arte, utopia e resistência no coração do Bom Fim. Como se fosse pouco, a apresentação marca também os 40 anos da estreia no palco do cantor e compositor de Telhados de Paris e Cena Beatnik, que se deu com o espetáculo Lado a lado, com Gelson Oliveira, em junho de 1979, exatamente no Clube de Cultura.
Quando Nei Lisboa começar a cantar no Clube de Cultura, na noite do próximo dia 31 de maio, haverá muito o que comemorar. O show fecha a programação de aniversário do espaço da rua Ramiro Barcelos, que construiu, ao longo dos últimos 69 anos, uma rica história de arte, utopia e resistência no coração do Bom Fim. Como se fosse pouco, a apresentação marca também os 40 anos da estreia no palco do cantor e compositor de Telhados de Paris e Cena Beatnik, que se deu com o espetáculo Lado a lado, com Gelson Oliveira, em junho de 1979, exatamente no Clube de Cultura.
Fundado por intelectuais judeus de esquerda, o Clube viveu em quase sete décadas períodos de altos e baixos. No momento, volta a agitar a agenda cultural de Porto Alegre com shows, palestras e debates, além de exposições na Galeria André Paulo Franck, reaberta em outubro de 2018 - com horário das 18h às 22h, é uma das raras galerias da cidade com atividades à noite.
"A geração de fundadores envelheceu, esgotou sua capacidade de doação. Mas, nesses últimos anos, o Clube de Cultura está de novo na cabeça dos porto-alegrenses", diz Carol Baumann, da nova geração de gestores. Ela é filha de Hans Baumann (falecido em 2016, aos 88 anos), eletrotécnico cuja vida se confunde com a história da entidade, que presidiu por vários anos.
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Uma parceria com o Museu da Ufrgs está viabilizando a organização e a higienização de documentos para que seja possível elaborar uma cronologia de fatos históricos a fim de disponibilizá-la ao público. Para 2020, a ideia é comemorar os 70 anos com o lançamento de um documentário com depoimentos que já estão sendo gravados. Fora isso, o arquiteto e músico Cesar Dorfman, que frequenta o local desde os nove anos de idade, planeja lançar um livro com suas impressões e memórias do Clube, tombado, em 2011, como patrimônio cultural de Porto Alegre.
Por fim, uma campanha de financiamento coletivo foi aberta para a restauração do auditório Henrique Scliar, que concentrou as principais atividades culturais e políticas do Clube, e hoje está fechado à espera de reforma - atualmente, os shows acontecem no Troupe Bar, inaugurado em 10 de maio, com apresentação de Nelson Coelho de Castro. "Estou certa que, até pela simbologia que representa, a reforma do auditório vai desencadear todas as demais melhorias de que o Clube necessita", diz Carol.
Certamente, as lembranças da estreia com espontaneidade e improvisos 40 anos atrás estarão presentes no show de voz e violão de Nei no dia 31. Para se ter ideia das dificuldades de produção na época, a iluminação de Samuel Betts foi montada com latas de leite em pó no lugar de spots. "Ele retirou o fundo e colou papel colorido e translúcido", comenta Nei. Dois anos depois, Betts se mudaria para o Rio de Janeiro para se transformar em um dos mais requisitados iluminadores do País, trabalhando com artistas como Marisa Monte, Djavan e Lulu Santos.
Para o espetáculo Lado a lado, como não havia assessoria de imprensa, para alcançar boa divulgação, Nei contou com ajuda de amigos jornalistas, como o guitarrista Augustinho Licks, que, aliás, deu uma canja no show. Funcionou: o auditório lotou durante as três noites de apresentações. Já naquele tempo, o Clube abria espaço para nomes desconhecidos, contribuindo para renovar a cena cultural da cidade: "Éramos dois novatos em busca de um local que topasse nos receber", conta Gelson.
Para Nei, será um show emotivo não só por ter marcado a estreia, mas também por ser "uma oportunidade de contribuir para que o Clube de Cultura recupere a representatividade que teve em outros momentos". Não fosse por outro motivo, é um dos poucos locais de médio porte para espetáculos no Bom Fim, ideal para produções que não exijam grandes recursos.
"O bairro pede um teatro com esse perfil", acentua Nei. Uma coisa é certa: o Clube continuará abrindo espaço para artistas que ainda não tenham onde mostrar seus trabalhos, como o Nei Lisboa de 1979. "Está em nosso DNA", afirma o atual presidente, Mozart Dutra.

Um telefone em troca de patrocínio

Filho de um dos fundadores do clube, Cesar Dorfman lembra de uma novata Elis Regina

Filho de um dos fundadores do clube, Cesar Dorfman lembra de uma novata Elis Regina


MARCELO G. RIBEIRO/JC
A participação de Nei Lisboa e Nelson Coelho de Castro nas comemorações de aniversário do Clube de Cultura não é aleatória - a ligação com a cena musical é antiga. Em 1961, ali se apresentou uma jovem cantora de 16 anos, que despontava no cenário local: Elis Regina. "Era uma guria, mas já cantava muito bem e dava para ver que iria longe", diz Cesar Dorfman, filho de um dos fundadores do Clube, David Dorfmann, que usava o pseudônimo de Paulo Villa como ator do Teatro de Equipe, no qual contracenou com José Lewgoy e Walmor Chagas. Por causa da militância do pai no Partido Comunista, Cesar se habituou a conviver com figuras como Luiz Carlos Prestes, João Amazonas e Pedro Pomar em reuniões clandestinas na casa da família, na rua São Manoel.
Além disso, o Clube de Cultura abrigou, em 1968, a Frente Gaúcha de Música Popular (FGMP), que reunia artistas como Raul Ellwanger, Sérgio Napp, Mauro Kwitko e Paulinho do Pinho, além do próprio Dorfman. Segundo Ellwanger, a FGMP iniciou como movimento espontâneo de principiantes, que se encontravam para mostrar uns para os outros as canções que faziam. "Não eram espetáculos, e sim reuniões abertas a quem quisesse acompanhar." Com o tempo, a FGMP ganharia protagonismo em festivais universitários e shows no Teatro Leopoldina e no Grêmio Náutico Gaúcho.
Mais para cá, Nelson Coelho de Castro tomou posse, em 1987, como primeiro presidente da Coompor (Cooperativa Mista dos Músicos de Porto Alegre) em uma sala do segundo andar do espaço da Ramiro Barcelos, com adesão de cerca de 200 artistas, como Bebeto Alves, Neusa Ávila, Nanci Araújo e Pery Souza. Na época, o Clube - "útero de ideias, local de fruição cultural", segundo Nelson - enfrentava dificuldades prosaicas, como a falta de um telefone, ferramenta essencial para agendamento de shows.
Então os músicos recorreram à velha prática do escambo, oferecendo à CRT (estatal que detinha o monopólio da telefonia) patrocínio do espetáculo Coompor canta Lupi, em troca de uma linha telefônica, que custava a bagatela de US$ 7 mil. Com 27 apresentações na Capital e no Interior, o show (registrado em disco em 1989) foi um sucesso. "Além de viabilizar o telefone, mostrou para uma nova geração uma releitura respeitosa da obra de Lupicínio Rodrigues", salienta Nelson.

Quando a vida (quase) imita o teatro

Garra da censura alcançou a peça Patética, de Dilmar Messias, em 1978

Garra da censura alcançou a peça Patética, de Dilmar Messias, em 1978


ARQUIVO PESSOAL DILMAR MESSIAS/DIVULGAÇÃO/JC
Na década de 1970, o Clube de Cultura representava para os estudantes do DAD (Departamento de Arte Dramática da Ufrgs) a ponta de um eixo que se esticava até a escola de teatro, situada na subida da avenida Salgado Filho. O ângulo de intersecção dessa linha imaginária era o bar Alaska, na Esquina Maldita (Osvaldo Aranha com Sarmento Leite), gueto boêmio da juventude rebelde dos anos 1970. Tão sagrado era o território que Dilmar Messias, hoje diretor artístico do Theatro São Pedro, se casou, em 1974, com a atriz Lurdes Eloy em um cartório ao lado do Alaska e, depois, reuniu os amigos em um almoço festivo no Clube de Cultura.
No fim daquele ano, o casal foi convidado a administrar o bar do Clube. Dilmar aproveitou para montar peças como Ópera dos três vinténs, de Brecht, e A tragicomédia de Don Cristovão e da Senhorita Rosita, de García Lorca. Além disso, como curador da programação artística, acatou a sugestão de José Vicente Brizola (filho do ex-governador Leonel Brizola, bastante enturmado na cena roqueira), de promover shows de bandas de rock como a lendária Bixo da Seda, de Fughetti Luz. Como era previsível, a falta de proteção acústica fazia com que a vizinhança ficasse em polvorosa com os solos estridentes da guitarra de Mimi Lessa. Sem contar que a direção do Clube, fiel à cartilha do Partido Comunista, tinha ojeriza ao rock and roll, que entendia como expressão cultural do colonialismo.
Menos mal que Dilmar havia angariado prestígio junto aos diretores do Clube ao encenar Brecht e Lorca, dramaturgos apreciados pela esquerda. "Tudo foi resolvido com doses de tolerância de parte a parte, incluindo os vizinhos", sintetiza o antigo ecônomo. Uma porção bem menor de tolerância registrou Dilmar ao promover, em 1979, a leitura dramática da peça A patética, de João Ribeiro Neto, que havia sido proibida pela censura - o enredo narra o assassinato do jornalista Wladimir Herzog no cárcere da ditadura. Intimado a depor após a sessão, o diretor foi detido e passou a noite dando explicações na Polícia Federal (PF). Amigos e artistas fizeram vigília em frente à sede da PF até Dilmar ser liberado, temerosos de que se repetisse com ele o destino de Herzog que fora descrito na peça teatral.
Nas artes cênicas, aliás, o Clube de Cultura esteve sempre na vanguarda. Foi pioneiro ao encenar os textos de Qorpo Santo, precursor do teatro do absurdo, em 1966 (mais de 80 anos depois da morte do dramaturgo), com direção de Antonio Carlos Sena. Entre 1996, abriu espaço para que Zé Adão Barbosa fundasse, com Daniela Carmona, o Tepa (Teatro Escola de Porto Alegre).

Latas de filme embaixo da cama

Filmagens de Vento Norte, com o paredão de Torres ao fundo

Filmagens de Vento Norte, com o paredão de Torres ao fundo


CINEMATECA BRASILEIRA/DIVULGAÇÃO/JC
Há também conexões do Clube de Cultura com a sétima arte. Consta que, nas dependências do local, foi planejado o primeiro longa-metragem do Rio Grande do Sul, Vento norte, de 1951, com roteiro do escritor Josué Guimarães e direção de Salomão Scliar. Ali também funcionou o Clube de Cinema, primeiro cineclube de Porto Alegre, fundado por P. F. Gastal e Jacob Koutzii (pai do ex-deputado Flávio Koutzii, que usava o pseudônimo Plínio Moraes nas críticas cinematográficas).
Igualmente, o Grupo Humberto Mauro, primeiro cineclube do País a exibir só filmes brasileiros, teve o Clube de Cultura como sede de 1976 a 1980. A produtora e diretora Rosângela Meletti recorda de ter atendido a um anúncio de Rogério Ruschel na Folha da Manhã chamando interessados na criação do grupo. "Lá, eu conheci Jacqueline Vallandro, Manuel Antonio da Costa Jr., Sérgio Lerrer, Álvaro Luiz Teixeira e Nelson Nadotti", conta Rosângela, citando nomes que estão nas origens do cinema gaúcho contemporâneo.
Os cineclubistas promoviam sessões no Cine Bristol aos sábados graças à amizade de Jaime Charak, que administrava a sala de exibição, com o pai de Rosângela, o radialista Osmar Meletti, apresentador do programa Discorama, na rádio Guaíba. "Projetávamos filmes do Cinema Novo que eu tinha achado em bobinas empoeiradas nos escombros da Distribuidora Difilm, no Alto da Bronze. Guardávamos as cópias em latas embaixo da cama", conta Rosângela, radicada, desde os anos 1980, em Paris. "Éramos um grupo apaixonado por cinema, que realizava seus primeiros filmes em super 8. Uma verdadeira tribo, que se encontrava no Bom Fim, onde tudo rolava", complementa.
Essa sintonia do Clube de Cultura com os produtores ganhou ainda mais destaque em 1981, na estreia de Deu pra ti, anos 70, de Nelson Nadotti e Giba Assis Brasil, primeiro longa-metragem em super 8 do RS, que cumpriu temporada de quatro semanas provocando longas filas na calçada da Ramiro Barcelos.

Judeus da 'pá virada'

O Clube de Cultura foi criado por judeus da "pá virada", como eram chamados os intelectuais de esquerda dentro da comunidade judaica, relata Airan Milititsky Aguiar na dissertação Saudações para um mundo novo: o Clube de Cultura e o progressismo judaico em Porto Alegre (1950-1970), produzida em 2009 para o mestrado em História da Pucrs. Aguiar sustenta que o núcleo já estava organizado desde 1922 como Liga Cultural Israelita Porto Alegrense, com sede na biblioteca da Sinagoga Centro Israelita, na rua Henrique Dias. Na época, havia ligas de judeus progressistas também em Buenos Aires, no Rio de Janeiro e em São Paulo.
Na sinagoga do Bom Fim, o grupo promovia palestras e círculos de leitura até o dia em que encontrou a porta da biblioteca trancada a cadeado, provavelmente por desavenças ideológicas com os rabinos. "Então o pessoal ficou sem ter onde se reunir e resolveu fundar o Clube de Cultura", escreve Aguiar, que presidiu o Clube de 2010 a 2016. O personagem central dessa história é Henrique Scliar, imigrante da Bessarábia, que sugeriu realizar um jantar na casa do sobrinho, Maurício Kotlhar, para fundar uma sociedade cultural que promovesse o desenvolvimento das letras, do teatro, da música, da dança e da pintura.
Anarquista e erudito autodidata, para o qual "nada que era humano era indiferente", segundo relatos colhidos por Aguiar, Henrique também era tio do escritor Moacyr Scliar. Mais que isso, teria inspirado o personagem Capitão Birobidjan, espécie de Don Quixote do Bom Fim, protagonista do romance O exército de um homem só, publicado pelo sobrinho em 1973.
Na vida real, Henrique havia feito fortuna com um bilhete de loteria, o que lhe rendeu propriedade no local hoje denominado Vila Cecília (nome de sua esposa), em Viamão, onde recebia amigos como Jorge Amado e Zélia Gattai. O sítio é citado por Zélia no livro Um chapéu para viagem, de 1982. A amizade fez com que o escritor baiano realizasse palestras no Clube de Cultura, a exemplo de outros intelectuais de destaque, como o romancista Graciliano Ramos e o jornalista e humorista Aparício Torelly, o Barão de Itararé, autor de frases que surpreendem até hoje pela atualidade ("Este mundo é redondo, mas está ficando chato" é um exemplo).
Como primeira sede do Clube, foi alugada "uma casa meio caída na Ramiro Barcelos na qual foi dada uma arrumadinha", conta Cesar Dorfman, que estudou em uma escola de arte para crianças montada nos fundos do pátio. Em 1953, um dos fundadores do Clube, o engenheiro Marcos Kruter sugeriu a compra do terreno para que se erguesse um edifício residencial no qual a entidade ocuparia o andar térreo. Na época, os sócios se reuniam frequentemente para jogar cartas. Foi durante um jogo de pife que Kruter - mais tarde, um dos idealizadores do bairro IAPI - propôs que os associados adquirissem os apartamentos em prestações para financiar a construção.
Em 14 de novembro de 1957, foi inaugurada a nova sede com uma apresentação da Ospa. Estava programada também uma palestra de Erico Verissimo, cancelada à última hora já que o escritor não conseguiu se desamarrar de tarefas relacionadas à elaboração de O arquipélago, terceiro volume da trilogia O tempo e o vento, que só viria a ser publicado em 1962.
Com as novas instalações, o Clube de Cultura ganhou visibilidade. Cesar repara que, ao final dos anos 1950, "a cidade era outra" - com cerca de 500 mil habitantes, poucas pessoas tinham aparelho de televisão e era possível perambular pelas ruas de madrugada sem sustos. "Existia uma vida social impensável para quem nasceu nas últimas décadas." Além da programação política e cultural, o Clube oferecia uma atração irresistível: o bar dirigido por dois ecônomos italianos, exímios cozinheiros e doceiros. "Em qualquer noite que a pessoa viesse, ia encontrar as mais diversas personalidades de literatura, pintura, música e teatro. O Clube fervia", relembra Cesar.
Henrique Scliar tinha relações com alfaiates anarquistas da Argentina, os quais haviam ajudado a organizar companhias de teatro em Buenos Aires. Essas relações permitiram a criação do Grupo de Teatro do Clube de Cultura, dirigido pelo argentino Mario Frankel, que estreou em maio de 1958 com a peça A farsa do juiz corregedor, de Alejandro Cassona. Por essa época, foi montado um coral pela cantora lírica Helena Wainberg, amiga do maestro Pablo Komlós, fundador da Ospa. Outra iniciativa foi a realização de palestras sobre psicanálise, tema pouco digerido na ocasião, com escritores/médicos, como Dyonélio Machado e Cyro Martins. 

O baque de 1964

Com o golpe de 1964, a efervescência política e cultural sofreu um baque. "A censura não atingiu só a produção cultural. Os locais de sociabilidade da juventude e da intelectualidade engajada passaram a ser cerceados, a exemplo do Clube de Cultura", diz Cesar Dorfman. Hans Baumann deu sumiço em mais de 3 mil exemplares da biblioteca e também nas atas originais das reuniões de diretoria, substituídas por outras de conteúdos puramente burocráticos. Conforme a dissertação de Aguiar, no livro de atas até a palavra "prostituta" foi suprimida do título da peça de Jean Paul Sartre encenada em 1965 - no registro, ficou transcrito A... respeitosa. As medidas se revelaram ajuizadas quando a polícia realizou três batidas na sede do Clube em busca de documentos comprometedores.
Em abril de 1967, em plena ditadura, Vinicius de Moraes veio a Porto Alegre para um espetáculo musical e recebeu convite para palestrar no Clube de Cultura. Diplomata cassado, o poeta estava receoso de se manifestar. "Fala o que achar que pode, faz autocensura", recomendou Baumann. "Mas vai ter gente para assistir?", indagou Vinicius. "Fica tranquilo, a estudantada te conhece", confiou o diretor do Clube. Dito e feito: com a divulgação que incluiu a colocação de faixas na Ufrgs e no Colégio Júlio de Castilhos, o auditório lotou. Em meio à palestra, da plateia, Cesar Dorfman percebeu movimentação incomum no palco. Vinicius cochichava com uma pessoa, que deixou o recinto apressadamente para retornar com uma garrafa de uísque, esvaziada de pronto pelo poeta ao longo da conversa com os estudantes.

Cronologia pioneira

  • 1950 - Fundação do Clube de Cultura
  • 1957 - Inauguração da nova sede
  • 1959 - Criação do Grupo de Teatro do Clube de Cultura
  • 1961 - Um dos primeiros shows de Elis Regina
  • 1966 - Primeira montagem de texto de Qorpo Santo
  • 1968 - Constituição da Frente Gaúcha de Música Popular
  • 1976 - Criação do Grupo de Cinema Humberto Mauro
  • 1979 - Primeiro show profissional de Nei Lisboa
  • 1981 - Estreia de Deu pra ti, anos 70, primeiro longa gaúcho em super 8
  • 1987 - Criação da Coompor (Cooperativa Mista dos Músicos de Porto Alegre)

Paulo César Teixeira é jornalista. Escreveu os livros Esquina maldita e Darcy Alves - A vida nas cordas do violão, entre outros, além de editar o portal Rua da Margem www.ruadamargem.com).
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