Adam McKay já vem dirigindo comédias em longa-metragem desde a metade da década passada. A mais conhecida delas, O âncora (2004), consta em seu currículo ao lado de besteiróis como Quase irmãos (2008) e Os outros caras (2010). Desde 2016, entretanto, o status do realizador em Hollywood é outro. Naquele ano, A grande aposta, inspirado em uma história real ligada à bolha imobiliária de 2008, concorreu ao Oscar em cinco categorias - e levou o prêmio de roteiro adaptado. Com estreia nesta quinta-feira no circuito brasileiro, o novo filme do diretor, Vice, repete a mesma fórmula: fazer graça a partir de um episódio da história norte-americana. Como resultado, a produção disputa oito estatuetas da Academia no fim de fevereiro.
O longa-metragem acompanha a trajetória de Dick Cheney na política - de Chefe de Gabinete da Casa Branca a Secretário de Defesa, até, enfim, a vice-presidência na gestão George W. Bush (2001-2009). Conforme a visão de McKay, o mundo poderia ser um tanto diferente se não fosse por algumas das intervenções do republicano.
Parceiro do cineasta em A grande aposta, Christian Bale é responsável pelo papel principal. Em seu discurso no Globo de Ouro, evento no qual venceu o prêmio de melhor ator em comédia, o artista brincou que devia a satã a inspiração para a construção do seu personagem - o que já denuncia o tratamento dado a Cheney na narrativa. Mais uma vez fisicamente transformado, Bale vive um homem fascinado pelo poder e esperto o suficiente para absorver todo tipo de informações a seu redor. O intuito é usá-las a seu favor, claro, como todo bom oportunista.
Sem entrar em pormenores, o contexto de Vice envolve a guerra ao terrorismo e uma teoria da lei constitucional norte-americana sobre o controle do Poder Executivo, entre outros temas. Assim como em seu longa-metragem anterior, o cineasta brinca com recursos diversos para tornar a história mais palatável e didática. É aí que entra o humor, embora nem sempre com sucesso. Há um final falso - a cena mais espirituosa do filme - para ilustrar uma possibilidade, e um diálogo shakespereano de ideia bem melhor do que sua execução, por exemplo. Em mais de um momento, fica a nítida sensação de que McKay abasteceu seu roteiro a partir de inspiração em memes e outras formas de fazer graça na internet.
Comédia à parte, se o objetivo era apresentar um panorama sobre a vida do retratado - embora sob um viés ideológico escrachadamente definido -, o longa-metragem o atinge. No entanto, somente a partir do recorte em questão é difícil afirmar muito sobre Dick Cheney. Em certa cena, quando o protagonista ainda está em início de carreira, crenças políticas são representadas como uma piada - algo que jamais volta à pauta. Pode-se justificar a lacuna através da visão do narrador misterioso, que enxerga o vice-presidente como a personificação dos políticos movidos apenas por interesses próprios. Mesmo assim, fica um certo vazio que torna o biografado menos interessante e complexo do que seu papel na história.
Com boas chances de ganhar seu segundo Oscar, Christian Bale consegue até humanizar o protagonista, indo do cinismo à leveza - aspecto explorado sobretudo quando relações familiares estão em jogo. Já o elenco de apoio conta com outros nomes de peso. Steve Carell interpreta o político Donald Rumsfeld, retratado como uma espécie de mentor de Cheney; Sam Rockwell está ótimo, embora pouco aproveitado, no papel de um Bush bastante condescendente; e Amy Adams faz Linney Cheney, a objetiva esposa do protagonista. Os dois últimos também concorrem ao Oscar - enquanto ele levou o prêmio de coadjuvante no ano passado, por Três anúncios para um crime, a intérprete está em sua sexta indicação, mas nunca conquistou um destaque da Academia.
O longa disputa também as estatuetas de melhor filme, direção, roteiro, montagem e maquiagem.