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reportagem cultural

- Publicada em 25 de Janeiro de 2019 às 01:00

Del Mese, fotógrafo e desbravador do mundo

Aos 85 anos, Del Mese celebra trajetória marcante

Aos 85 anos, Del Mese celebra trajetória marcante


MARCELO G. RIBEIRO/JC
Fotógrafo. É assim que o empresário, viajante profissional, piloto de provas, mecânico de automóveis, proprietário de um bem-sucedido estúdio de projeção de slides nos anos 1970, dono de uma pousada em Flores da Cunha, cozinheiro amador, blogueiro e - também - fotógrafo se apresenta quando, por exemplo, preenche ficha num entre os milhares de hotéis onde já se hospedou pelo mundo. Flavio Del Mese, 85 anos no próximo dia 27 de fevereiro, gaúcho de Muçum (porém, desde sempre vinculado a Caxias do Sul) é um dos mais famosos viajantes de Porto Alegre, embora agora se aventure por caminhos mais tranquilos. Nada de "indiadas", como as viagens estruturadas em cima de improvisações que hoje não mais se permite.
Fotógrafo. É assim que o empresário, viajante profissional, piloto de provas, mecânico de automóveis, proprietário de um bem-sucedido estúdio de projeção de slides nos anos 1970, dono de uma pousada em Flores da Cunha, cozinheiro amador, blogueiro e - também - fotógrafo se apresenta quando, por exemplo, preenche ficha num entre os milhares de hotéis onde já se hospedou pelo mundo. Flavio Del Mese, 85 anos no próximo dia 27 de fevereiro, gaúcho de Muçum (porém, desde sempre vinculado a Caxias do Sul) é um dos mais famosos viajantes de Porto Alegre, embora agora se aventure por caminhos mais tranquilos. Nada de "indiadas", como as viagens estruturadas em cima de improvisações que hoje não mais se permite.
"Envelhecer é uma merda", disse ele numa de nossas conversas, sendo, logo depois, obrigado a concordar comigo quando argumentei que a outra opção era muito pior. Assim, Del Mese vai levando. Dos problemas da velhice, nenhum lhe causa mais embaraço do que a surdez. Ela veio se aproximando - com trocadilho, por favor - silenciosamente. Mas até mesmo a deficiência auditiva, às vezes, pode ser libertadora. Del Mese consegue ver o lado bom de não ter que prestar atenção em conversas chatas e de não ficar em contato com os ruídos que cada vez mais tomam conta do planeta. "O mundo está barulhento e a tendência é piorar", avalia.
E de boa conversa Del Mese entende - como protagonista ou como ouvinte. A mania por grupos e confrarias sempre existiu. Houve a turma do colégio, depois a da Rua da Praia - "um local que a hora que você fosse encontrava alguém", lembra -, a do Clube do Comércio, a dos pilotos, a dos viajantes e amantes do turismo que se reuniam em torno do Studio ("saíamos de lá, entrávamos num bar e continuávamos falando sobre as viagens") e, ainda, a do Pagoda, um dos primeiros restaurantes especializados em culinária chinesa na Capital. Ali Del Mese se encontrava com uma turma da qual faziam parte os jornalistas Luis Fernando Verissimo, Ruy Carlos Ostermann e José Onofre. Hoje, ele integra pelo menos quatro confrarias, todas com encontros semanais. Duas delas com variações de integrantes (entre jornalistas, fotógrafos, comunicadores, publicitários, advogados) reúnem-se semanalmente - uma aos sábados, outra aos domingos - no mesmo local, um café no Moinhos de Vento. Outra - a única que tem nome -, a dos Jurássicos, é para um público mais restrito: são 10 pilotos de DKWs. E, a última delas, também plural, reúne os jornalistas Rogério Mendelski e Felipe Vieira, os advogados Nestor Hein, Leonardo Lamachia e Paulo Guimarães, o engenheiro de som Marcos Abreu, além de dezenas de agregados. Este grupo tem uma mesa redonda cativa num restaurante em um shopping na Zona Sul.
Para um homem que sempre viveu em movimento, Del Mese hoje tem algo que nunca soube muito bem o que era: rotina. Acorda cedo, antes da seis da manhã, toma café, brinca com os sete dachsunds que tem em casa, escreve - a mão e depois repassa para sua secretária - os textos com que alimenta seu blog e passa boa parte da manhã se ocupando de tarefas caseiras, seguido por pedreiros, encanadores, pintores, marceneiros e toda sorte de faz-tudo que pode arrebanhar.
Casado há mais de três décadas com a advogada Eliana Donatelli Moura Del Mese, a Magra, ele agora prefere quase sempre ficar na confortável casa no bairro do Cristal, em Porto Alegre, onde tem uma das vistas mais privilegiadas da capital gaúcha e pode admirar a cidade. A paisagem contempla um dos mais belos visuais que se estende num amplo recorte que vai da Usina do Gasômetro até o Veleiros do Sul. O imenso terreno em declive não impediu que Del Mese pudesse conservar - e ampliar - um belo jardim, com centenas de espécies vegetais que, ao longo dos anos, ganhariam a companhia de obras de alguns dos grandes nomes das artes plásticas do Rio Grande do Sul, em especial o velho amigo e vizinho Xico Stockinger.

Desbravador do mundo

Flavio Del Mese visitou vários países em uma trajetória que inclui fotografia e automobilismo

Flavio Del Mese visitou vários países em uma trajetória que inclui fotografia e automobilismo


ARQUIVO PESSOAL/FLAVIO DEL MESE/DIVULGAÇÃO/JC
Flavio Del Mese começou na fotografia numa época em que as câmeras eram pesadas, as máquinas exigiam delicados filmes e estes demandavam um demorado processo de revelação. Hoje, em tempos de celulares e de câmeras digitais, Del Mese não sente saudade das mochilas, porém se declara um viúvo da Kodachrome - na sua opinião, até hoje insuperável pela qualidade das cores e pela intensidade dos degradês e dos meio tons.
Seu primeiro equipamento foi uma Nikon - desde então, seu mais constante e duradouro relacionamento. Permanece até hoje fiel à marca, tanto por admirar a qualidade quanto por uma relação prática (mas não menos importante): trocar de equipamento sai caro. A fotografia, que em meados dos anos 1960 era um hobby, se transformaria em meio de vida, garantindo a Del Mese temporadas na Europa, viagens, contatos com assuntos tão distantes quanto guerras e corridas de Fórmula 1, amizades e alegrias. Através das fotos, ele abriria novos horizontes.
No final dos anos 1960, Del Mese já sentia que a fase romântica da sua vida como piloto estava chegando à reta final. Porém, um caminho se abriria e poderia mantê-lo ligado às pistas. Pedro Carneiro Pereira - locutor de esportes da Rádio Guaíba - intuiu que Del Meses teria a acrescentar e lhe fez um convite. Outro Flavio, o Alcaraz Gomes, diretor de jornalismo da emissora, não apenas manteve o convite como o ampliou: ele deveria ir à Inglaterra para a cobertura de Fórmula 1 para a emissora. Edmundo Soares, editor da Folha da Tarde - um dos jornais do mesmo grupo - nomeou Del Mese como correspondente na Inglaterra.
Recebendo um salário de US$ 300, ele morou por dois anos em Londres, acompanhando as temporadas nos circuitos de Brands Hatch e Silverstone e cursando o British Institute of Photography. Assim, sua vida não se resumia apenas à Fórmula 1. Por exemplo: em agosto de 1970, Del Mese foi ao Festival da Ilha de Wight. Estavam lá nomes como Miles Davis, Joan Baez, Kris Kristofferson, Joni Mitchell e Richie Havens, além da grande atração, Jimi Hendrix - naquela que seria sua última apresentação em público. Del Mese registrou tudo (e também fez fotos de Gil e Caetano, na época exilados na Inglaterra e que se apresentaram no segundo dia do festival). A qualidade do material era boa - assim, foi trabalhar numa agência fotográfica europeia, de onde partiu para cobrir o conflito no Vietnã. "A fotografia me levou aos quatro cantos do mundo. Parei de fotografar, mas a fotografia não me abandonou", explica Del Mese.
Além de registrar imagens, viajar sempre foi essencial para a sua saúde mental. Del Mese obedece a algumas regras que ele mesmo se impôs. Em matéria de hotéis, prefere os mais antigos, evitando se hospedar em hotéis de rede, naquele estilo "viu um, viu todos". Também é curioso com relação à gastronomia. Procura ir a todos os restaurantes. Porém, toma cuidados. Seleciona o tipo de comida, dando preferência a grelhados e massas, além de evitar os pratos com molho "que é para a viagem não acabar antes do tempo". Falta de preconceito também é fundamental. De Nova Iorque a Rabat, de Lima a Tóquio, de Las Vegas a Moscou. Para todos os destinos, é preciso que o viajante tenha a mente aberta e o espírito curioso.
Atualmente, Del Mese opta pelo conforto. Considera a Nova Zelândia o melhor destino para se conhecer no mundo. "O país inteiro é um jardim. A Nova Zelândia é absolutamente verde, bonita. Só tenho superlativos para definir. Apenas a comida é um horror", brinca.
Para ele, existe uma clara diferença entre os turistas e os viajantes. Viajantes são discretos, menos evidentes do que turistas vestidos de turistas. Destes, Del Mese quer distância, sobretudo em função do comportamento das multidões que surgem por todas as ruas.
Países? Del Mese nunca teve a preocupação de contá-los. "Já tive mapas com alfinetes, mas quando caía algum era um drama achar qual o país que não queria ficar no mapa", brinca. Quando parte, ele diz não ter nenhum critério lógico para organizar seus roteiros. "Depende da época, da companhia, da milhagem e da reserva técnica."

Na Cidade Baixa, 540 fins de semana de muito trabalho

De volta a Porto Alegre, nos anos 1970, Flavio Del Mese encantou-se por uma ampla casa de esquina, construída em 1924, no coração da Cidade Baixa. Ele comprou o imóvel e fez melhorias, construindo uma sala com 147 lugares, poltronas, paredes pretas e - nelas - recortes em ferro dos guerreiros de Xico Stockinger. Como a proposta era a de valorizar a imagem, o destaque era uma tela de quase cinco metros em que eram projetados os slides de 36 milímetros.
A ideia do Studio surgiu em Paris, onde Del Mese viu algo que poderia ser copiado aqui. Na época da abertura do Studio, ele fazia trabalhos fotográficos sob encomenda para empresas. Essas tarefas lhe garantiam uma boa renda e lhe permitiram levar seu projeto pessoal de forma paralela. Nas horas vagas, dedicava-se aos audiovisuais de viagem.
Neste ambiente, Del Mese passou duas das mais produtivas décadas de sua vida. Como gosta de calcular, foram 540 fins de semana em que ele abdicou de jantares e festas para ter um contato próximo com um público ávido pelas novidades turísticas. Numa época em que viajar a Europa, por exemplo, era uma experiência longínqua (e também cara), ele aproximava distâncias. Através do Studio, Del Mese conheceu pessoas. Ia além dos roteiros oficiais, estimulando seus visitantes a abrir os olhos para lugares além de Londres, Paris, Nova Iorque... Não que ele tivesse algo contra estes circuitos, mas considerava importante que as pessoas desbravassem novos caminhos.
Curiosamente, apenas uma vez Del Mese teve prejuízo. Foi com a série que reunia fotos do Rio Grande do Sul com narração de Sérgio Schuller (um dos grandes locutores da época) de um texto inédito de Erico Verissimo, cedido pela família do autor. Ele estranhou o baixo interesse. Como o Studio recebia pessoas interessadas por paisagens distantes como a Mongólia, o Egito, os desertos da Austrália, mas não atraía gente quando o tema era algo próximo? Resolveu reverter o prejuízo criando uma bem-humorada promoção: gaúcho pilchado paga meia. Nada. Depois, uma nova promoção que dava acesso gratuito a gaúcho pilchado. Nem assim melhorou. Desanimado, Del Mese abandonou a programação prematuramente. Anos depois, com as novas tecnologias e as facilidades de acessos (às viagens, aos equipamentos), o Studio entrou em declínio. Os tempos eram outros, e as pessoas já não estavam mais interessadas em sair à noite para sessões de audiovisuais - por mais originais que fossem os temas.
Não houve semana em que Del Mese não tivesse recebido propostas de vender a casa - muitas de interessados em transformar o local num bar, o que o desagradava. "Não tenho nada contra os bares, mas pelo Studio eu tinha um carinho especial", disse ele, em entrevista a Ruy Carlos Ostermann em 2010 no projeto Encontros com o Professor, que, durante um período, teve como base o StudioClio, instituto de artes dos irmãos Francisco e Otávio Marshall aberto no mesmo casarão a partir de 2005.

A paixão pelos carros

Registro do DKW número 54 pilotado por Del Mese

Registro do DKW número 54 pilotado por Del Mese


ARQUIVO PESSOAL FLÁVIO DEL MESE/DIVULGAÇÃO/JC
O automobilismo surgiu na vida de Flavio Del Mese de maneira relativamente tardia. "Meus amigos eram mais ligados à vela e aos esportes náuticos", lembra. Uma prova, realizada em outubro de 1953 no Circuito da Redenção, mudou tudo. Foi ali que Del Mese viu, pela primeira vez, máquinas como as Fiats, Simcas e Renaults. Outra mudança viria quando a Vemag - fábrica brasileira que teve seu auge quando produziu sob licença os veículos da alemã DKW - começou a formar uma equipe para divulgar os seus carros. A decisão passava pelos resultados da prova realizada em 10 de agosto de 1958, a II Subida de Montanha, corrida que ocorria na Estrada Velha de Santos. A prova previa uma subida de 7,2 quilômetros no menor tempo possível. Até então, Del Mese havia pilotado apenas os Volks e esta seria a primeira vez que estaria com um DKW F 51.
Vestindo uma velha calça de brim, a camisa mais confortável que tinha e um capacete feito a partir de um modelo da Brigada Militar que ele próprio havia customizado e forrado com lâminas de cortiça, Del Mese fez uma subida sem erros. Eram curvas e mais curvas para o abismo que foram ficando para trás. Concluída a prova, veio a confirmação: ele vencera. E outra surpresa: o DKW número 54 de Del Mese tivera o melhor tempo de todos. A Vemag começava ali a formar sua escuderia. Além dessa auspiciosa estreia, ele também iria se destacar em 1959, quando a Vemag participou pela primeira vez das Mil Milhas Brasileiras.
O piloto Bird Clemente recordaria em seu livro de memórias, Entre ases e reis de Interlagos, uma das maiores emoções que teve nas pistas: "Uma corrida memorável que fiz pela Vemag () foi a prova 12 Horas, no Circuito da Cavalhada. Era um circuito de rua. Tivemos uma disputa muito grande, pois Flavio, na terra dele, com aquela legião de amigos, não era fácil. O 'gauchão' estava nos dando trabalho ()".
A carreira de Del Mese durou quase oito anos. No total, ele ganhou três campeonatos gaúchos, cinco Doze Horas (três em São Paulo e duas em Porto Alegre) e todas as Subidas da Montanha das quais participou, que nem ele lembra bem quantas foram.
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Coleção de credenciais do fotógrafo que percorreu o planeta registrando suas aventuras em imagens. Foto: Arquivo Pessoal Flávio Del Mese/Divulgação/JC

O viajante em 10 perguntas

  • Uma viagem inesquecível? Ilha de Páscoa. Tive o prazer de ver aquelas imensas esculturas com meu amigo Xico Stockinger, que conhecia a história e entendia de tudo.
  • Um lugar que gostaria de conhecer? Iêmen. Mas com estes conflitos, acho que não será nesta encarnação.
  • Um lugar inesquecível? Katmandu. Simplesmente extraordinário.
  • Como deve ser uma viagem perfeita? Pouca bagagem, boa companhia, boa região e sem muitos acertos prévios.
  • Quem mais entende de viagens na atualidade? Não há mais um "mago", alguém que revele locais desconhecidos. As redes sociais mudaram tudo. Hoje alguns vão ao bar da esquina e com talento escrevem laudas. Também já soube de gente que escrevia as reportagens no avião de ida, depois só acrescentava detalhes.
  • Como é viajar de motorhome? Não existe alternativa mais agradável e econômica. Os motorhomes se adaptam conforme a conveniência. Acho muito bom o café da manhã a bordo com calma. O Rocinante, meu motorhome, é um pequeno Iveco, que nunca me abandonou.
  • Qual o maior cuidado que se deve ter durante uma viagem? As gafes. É importante pesquisar quais atitudes podem ser consideradas grosseiras. Não é possível aprender o idioma em todos os lugares, mas saber dizer algo é sempre simpático. Não existem países exóticos. Exóticos somos nós no país dos outros.
  • Um lugar que você pode deixar passar? A Finlândia. É bonita? Vale a pena? Sim, bonita, mas repetitiva com lagos e mais lagos, coníferas e mais coníferas. Não é por nada que é chamada de Terra dos Mil Lagos. Só vá se surgir uma oportunidade imperdível.
  • Qual foi a viagem mais frustrante? A Transiberiana, uma rede ferroviária que conecta a Rússia Europeia com as províncias do Extremo-Oriente russo, Mongólia, China e o Mar do Japão. Foram nove dias dentro de um trem, sem nada, apenas as estepes. Os outros viajantes, para sorte deles, falavam vários idiomas. Já eu voltei quase mudo.
  • E o que deve ir na mala de um viajante? Não uso mala, uso um saco de viagem que me acompanha há 30 anos. Nele, eu sempre levo: Um livro, sem dúvida. Se for um guia, o melhor é xerocá-lo e descartar as páginas. Na volta, você tem o livro em casa e um quilo a menos na bagagem. Um pequeno rádio e dois fones. Dois óculos. Xerox do passaporte. E que deve ser trocado com quem o acompanha, assim ambos terão os dois. Poucas camisas, calças, cuecas e meias. E champanhe. Para os melhores ou piores momentos.

Del Mese pelos amigos

"O Flavio é desses amigos que não te negam fogo. Conheço o Flavio (no nosso grupo de almoço das quartas-feiras, ninguém se trata pelo sobrenome, um sinal de total intimidade) desde o fim dos anos 1970. Antes disso, gostava do piloto de provas da Vemag. Parafraseando o compositor Sérgio Bittencourt (em Naquela mesa), mais que amigo de Flavio eu fiquei seu fã. Fã do aventureiro que trilhou por este planeta como poucos. Filho único, era um playboy no bom sentido. Suas fotos foram vendidas para grandes agências e assim viveu por muito tempo. Quando se apertava, mandava telex pedindo reforço financeiro doméstico que - lá vem a música brasileira me ajudar em outra paráfrase, agora por Billy Blanco, Mocinho bonito - a mama (italiana) do peito jamais lhe negou. Como não ser fã de um gringo desses, além de amigo de todas as horas?" Rogério Mendelski - jornalista
"Flavio é daqueles amigos de longa data, nem sei precisar quando nos conhecemos. Sei que foi o Raul Daudt, fotógrafo que mora no Colorado (EUA) que nos reuniu pela primeira vez. O Flavio e eu temos mais do que a fotografia em comum - temos o hábito de tomar café. Semanalmente nossa confraria se reúne. O Flavio sempre traz para dividir conosco histórias pitorescas que ele acumulou ao redor do mundo. Com seu bom humor, Flavio proporciona uma espécie de filme contado ao vivo. Claro, as histórias têm classificação etária, cenas fortes, algumas ficam em sigilo entre os espectadores. Como todo bom filme é preciso ter uma boa narrativa e um bom contador de histórias. O Flávio é um." Eurico Salis - fotógrafo
"Desde muito escutava que havia um cara em Porto Alegre que viajava muito e que depois fazia sessões de projeção para um grupo de convidados. Pouco tempo depois, fui assistir a um dos tão falados audiovisuais desse viajante chamado Flavio Del Mese. Sai de lá fascinado por ver aquela sequência de slides, quase animados, com uma narrativa e, o que sempre me fascinou, mais do que a fotografia e as viagens, a trilha sonora. O tempo passou. Mas ver o Flavio ali no estúdio apresentando suas projeções ou vendo ele chegar e sair dos estúdios da Isaec com sua pequena BMW, sempre foi algo fascinante. Acabamos ficando amigos. Assunto não nos falta. Gosto de perguntar para o Flávio onde se come uma boa pizza. E ele responde: ali, na segunda curva à direita do rio Mekong, tem uma ótima. Coisa de quem conhece, claro." Marcos Abreu - engenheiro de som

Depoimento do repórter

Estas - e muitas outras histórias - fazem parte do rico acervo de memórias de Flavio Del Mese. Por sugestão do fotógrafo Eurico Salis, amigo de nós dois, pude, por mais de um ano, conviver com Flavio, ouvindo histórias, forçando sua memória e recolhendo depoimentos que se tornariam a base do seu relato biográfico. Os textos foram entregues depois de 18 meses de convívio e, por enquanto, descansam numa gaveta do caótico escritório que mantém em casa. Flavio justifica a prudência como sendo a decantação necessária que um projeto como esse precisa para vir a público. Os textos foram escritos, revisados, lidos e agora precisam - segundo Flavio - de um tempo de maturação. De minha parte, foi um prazer realizar este trabalho. Soube por comentários de amigos próximos que Flavio também gostou. Respeito a decisão dele e noto nessa opção um certo medo de alguém que acha que pode estar fazendo seu último relato antes de parar de viajar (em todos os sentidos). Mas eu sei - e Flavio sabe mais ainda - que a estrada é longa e infinita.

Márcio Pinheiro é portoalegrense e jornalista. Trabalhou em diversos veículos da Capital, como Zero Hora, Gazeta Mercantil, RBS TV, Rádio FM Cultura e Correio do Povo; além de São Paulo (Jornal da Tarde) e Rio de Janeiro (Jornal do Brasil). Lançou, ano passado, o livro Ayrton Patineti dos Anjos - Lembranças, sons e delírios de um produtor musical (Plus Editora), escrito em parceria com Roger Lerina.