Corrigir texto

Se você encontrou algum erro nesta notícia, por favor preencha o formulário abaixo e clique em enviar. Este formulário destina-se somente à comunicação de erros.

reportagem cultural

- Publicada em 29 de Novembro de 2018 às 21:51

Consagrada nos palcos, Grace Gianoukas celebra sucesso na televisão

Atriz e humorista gaúcha se tornou um dos grandes nomes da comédia nacional

Atriz e humorista gaúcha se tornou um dos grandes nomes da comédia nacional


PRISCILA PRADE/DIVULGAÇÃO/JC
"De todas, entre todas, se tivesse que escolher apenas uma para - digamos - levar para uma ilha deserta e deixá-la representar o dia inteiro só para mim, escolheria Grace Gianoukas", afirmou Caio Fernando Abreu, em 1990, em uma coluna que mantinha na revista Verve. Ele foi além: "Fiquem de olhos bem abertos: nunca houve uma atriz como Grace".
"De todas, entre todas, se tivesse que escolher apenas uma para - digamos - levar para uma ilha deserta e deixá-la representar o dia inteiro só para mim, escolheria Grace Gianoukas", afirmou Caio Fernando Abreu, em 1990, em uma coluna que mantinha na revista Verve. Ele foi além: "Fiquem de olhos bem abertos: nunca houve uma atriz como Grace".
Em sua crônica, Caio não previu a Grace estrela global quando afirmou que a sua "batalha incessante e sutil é sempre pelos subterrâneos da cultura". Sim, ela ainda é uma criatura da arte contestadora, do humor crítico, da personagem improvável e da piada por fazer.
Mas hoje também é a atriz que leva ao templo da cultura de massa a ruptura do padrão artístico estabelecido e impõe, pelo talento, a base de subversão sobre a qual edificou sua trajetória.
A afirmação do escritor de Morangos mofados é mais surpreendente quando lembramos que nomes como Marisa Orth, Denise Del Vecchio, Lilian Lemmertz e Denise Stoklos habitavam o caldeirão cultural e artístico da pauliceia no início dos anos 1990.
Com sua prosa cheia de malícia, Caio fez mais do que uma apresentação da atriz de 27 anos que, na época, era pouquíssimo conhecida fora de São Paulo - e, mesmo na capital paulista, tinha um público meio restrito ao circuito alternativo de teatro.
Em sua crônica bem-humorada, o escritor gaúcho estabeleceu uma espécie de profecia sobre a carreira de uma das mais inventivas e talentosas mulheres que as artes cênicas no Brasil já conheceram.
Conforme previsto pelo grande amigo, em uma carreira de mais de 35 anos, Grace inventou um espaço novo no universo da comédia e formou, a partir dele, uma geração inteira dedicada ao humor inteligente e sem preconceito.

O mundo no quintal de casa

Ainda morando em Rio Grande, a pequena Grace como bandeirante

Ainda morando em Rio Grande, a pequena Grace como bandeirante


/GRACE GIANOUKAS/DIVULGAÇÃO/JC
Grace Gianoukas nasceu em Rio Grande, no Sul do Estado, em dezembro de 1963. O sobrenome grego, herdado do avô marinheiro, esconde a mistura de italianos e portugueses que também compõe a família. Caçula de seis irmãos, demonstrou desde cedo o talento artístico que seria seu futuro.
O irmão Norton, professor aposentado do curso de Oceanografia da Furg, conta que a pequena invadia a sala de costuras da mãe, de onde saía caracterizada como diversos personagens. Aluna do colégio de freiras da cidade, Grace criou o jornal O Arauto que, além de contar a vida cultural da escola, ainda contestava as regras impostas pelas irmãs.
De berço também vem o amor pelos animais, que ela e os irmãos recolhiam das ruas. Norton relembra de um filhote do pássaro alma-de-gato que caiu do ninho e foi criado por Grace, tornando-se mais um mascote da família. Nos passeios pela praia do Cassino durante o inverno, era comum os Gianoukas voltarem para a casa com algum pinguim sujo de óleo. Todos tratavam e alimentavam o bicho, que nadava confortavelmente no laguinho do pátio. Quando parecia recuperado, era devolvido à praia.
Até hoje, a companhia dos animais é um bálsamo para a Grace. No dia desta entrevista, a conversa chegou a ser interrompida para que uma das duas gatas idosas que vivem com ela em São Paulo fosse atendida. Já doente, a bichana morreu alguns dias depois. "Amigos, estou feliz por ter conseguido passar vários dias amorosos me despedindo da minha Penélope, depois de 20 anos de amizade e amor profundo", foi uma das mensagens postadas em seu perfil no Instagram.
Aos 17 anos, Grace saiu de casa para prestar vestibular na Ufrgs, em Porto Alegre. A primeira opção era Antropologia, para poder trabalhar em comunidades indígenas. Aprovada em Artes Cênicas como segunda opção, passou seis meses na Inglaterra com o irmão Norton, que fazia doutorado por lá, antes de começar o curso. Já nos primeiros meses de aula, se engajou em grupos de teatro ligados à universidade, se apresentando em locais alternativos da cidade. "Desde muito cedo ela quis conhecer o mundo, viver novas experiências. Sempre foi ligada, inteligente e esperta, abriu o próprio caminho", comenta o irmão.
Vivendo longe de Rio Grande desde então, a atriz faz questão de voltar para a casa pelo menos uma vez por ano, quando tira férias. Não dispensa horas de caminhada pela praia ou pelas ruas do Cassino, para "sentir o vento e as estações definidas", como ela mesma diz. Ao longo dos anos, sempre que pôde apresentou seus espetáculos no pequeno teatro municipal, numa tentativa de valorizar o público local. No futuro, pensa em restaurar o antigo casarão da família, no centro da cidade, e passar ainda mais tempo por lá.
"Quando saí de Rio Grande, queria desafios, queria correr riscos. Fiz meu caminho pelo mundo e encontrei o que fui buscar. Agora, a ideia de envelhecer em Rio Grande me conforta, me afaga para o futuro. Lá é a minha casa, é o meu lar, preciso daquela natureza, daquela praia, daquele pôr do sol para me encher de vida", emociona-se Grace, por telefone, enquanto concede a entrevista em etapas, devido a uma cirurgia no quadril.

Teatro e a amizade com Caio F.

Ainda estudante de Artes Cênicas da Ufrgs, Grace estava no palco quando Caio Fernando Abreu a viu. Impressionado com a performance da jovem de 21 anos, o escritor quis logo conhecê-la, dando início a uma grande amizade. Pouco tempo depois, em 1984, ela foi de mala e cuia para sua casa em São Paulo.
"Ele foi a pessoa que me estendeu a mão e jogou luz sobre coisas que eu nem imaginava sobre mim mesma. Foi um mestre, uma bússola que me mostrou caminhos para o conhecimento que eu buscava. Eu morava na parte de trás da casa dele e pensava que não podia fazer nenhuma besteira, ou ele não iria mais gostar de mim", relembra.
Na capital paulista, dividia o tempo entre o teatro e o trabalho como garçonete nos bares do circuito mais descolado da cidade. Numa festa de Halloween, apareceu no trabalho caracterizada como Morte e engatou várias performances ali mesmo, enquanto servia bebidas aos clientes. O sucesso foi tanto, e as gorjetas também, que o próprio bar virou palco frequente. Não demorou muito para Grace integrar os inventivos projetos teatrais da época, como o grupo XPTO.
"O Caio nos apresentou e fizemos algumas peças juntas, coisas engraçadíssimas. A Grace é debochada, mas ao mesmo tempo é séria, comprometida, é uma grande produtora e diretora, faz as coisas acontecerem. Fiquei tão feliz com essa descoberta dela pela televisão, ela foi o maior sucesso da novela. Ela é um exemplo para mim", comemora a amiga Marisa Orth, que começou a carreira no teatro junto com Grace, no circuito paulistano em meados da década de 1980.

Na televisão, o grande sucesso aos 52 anos

Depois de trilhar muito o teatro, seja como atriz, diretora, roteirista ou cenógrafa, Grace Gianoukas decidiu, aos 52 anos, desafiar-se novamente. Chegava a hora de focar na televisão.
Os papéis televisivos não eram novidade para a gaúcha, que já havia feito breves participações em humorísticos como a Escolinha do Professor Raimundo, no tempo de Chico Anysio, e em novelas como Guerra dos sexos e Bang Bang. A guinada, no entanto, veio em 2016, com o papel de Teodora Abdala, na novela global Haja coração. Era para ser uma ponta, mas o sucesso foi tão acachapante que os autores precisaram dar uma curva na trama para trazer Teodora de volta após a morte da personagem.
"Depois de 31 anos de teatro, fazendo os mais diversos estilos, dirigindo, atuando, produzindo, escrevendo, criando projetos e levando uma galera comigo, senti a necessidade de abrir espaço na minha vida para ser desafiada. Fui então adaptando minha agenda para poder trabalhar em outras coisas, com outras pessoas, pois pintou a vontade. Surgiu a indicação do Sílvio de Abreu para fazer um teste para Haja coração. Como eu adoro o Sílvio, fiz o teste. Passei e foi maravilhoso", relembra ela.
Depois do furacão Teodora Abdala, os autores não cometeram o mesmo erro. Ao conceber a recentemente finalizada novela das seis Orgulho e paixão, a Globo já escalou Grace no elenco até o último capítulo como a debochada e abusada Petúlia, a serviçal que acompanhou a personagem de Alessandra Negrini em suas falcatruas ao longo da trama.
"A Petúlia foi um presente, pois aprendi muito com toda a equipe. Além do mais, fazer televisão depois de 35 anos de carreira tem sido quase como um spa (risos). Não preciso me preocupar com direção, figurino, trilha, com o atraso do ator, nada. Só preciso entender e construir meu personagem, decorar minhas falas e chegar no horário para a maquiagem. É divertidíssimo", revela.

A reviravolta com a Terça insana

Inovando no humor, espetáculo extrapolou as barreiras do teatro paulista e virou sucesso nacional

Inovando no humor, espetáculo extrapolou as barreiras do teatro paulista e virou sucesso nacional


/CAROLINE BRASIL/DIVULGAÇÃO/JC
Depois de quase 20 anos atuando como atriz e botando a mão na massa da direção e produção, Grace cansou. Era o começo dos anos 2000 e o cenário da arte em São Paulo, para ela, estava monótono e pouco aberto a novos conceitos e projetos.
"Eu estava de saco cheio de ser atriz, sabe? Não queria mais. Mas tinha um monte de amigos desempregados, todo mundo precisando de dinheiro, inclusive eu. Pensei então em trocar figurinhas. Chamei uma galera e propus que a gente pudesse rir uns dos outros, para pensar sobre a comédia contemporânea. Assim surgiu a Terça insana", relembra.
O que começou pequeno, na modestíssima sala do Núcleo Experimental de Teatro (Next), no Centro de São Paulo, em novembro de 2001, tornou-se um dos mais longevos e bem sucedidos projetos teatrais brasileiros. A cada terça-feira, o elenco mais ou menos fixo apresentava textos e personagens diferentes. Além de atuar, Grace fazia a produção, direção e a busca do elenco, sempre resgatando amigos ou revelando novos talentos.
Entre as regras, a principal era o teor da piada: nunca o público da Terça insana riu de um preconceito, de uma escatologia ou de um bullying. No palco de Grace, pessoas riem de si mesmas e da condição humana, o que, segundo ela, é o que transforma o humor em instrumento de contestação e reflexão.
"Grace sempre teve princípios éticos e estéticos muito rígidos. Era muito claro o que ela aceitava e o que ela não aceitava. As brigas que eu vi ocorrerem na Terça insana eram por que alguém discordava desse tipo de coisa que, para ela, não estava em discussão. Ela nunca se importou com ego, mas com os princípios nos quais acreditava", revela o amigo e colega de palco Roberto Camargo, que conheceu Grace na faculdade de Artes Cênicas, em Porto Alegre, atuou com ela em vários espetáculos e integrou o elenco da Terça insana por anos.
Pelas inusitadas noites de terça-feira passaram grandes nomes do humor nacional, convidados ou descobertos por Grace. Marcelo Mansfield, Octávio Mendes, Graziella Moretto, Ângela Dip, Ilana Kaplan e Marco Luque foram alguns dos que brilharam nos espetáculos semanais. Incentivados não somente a atuar, mas a escrever e a conceber seus próprios personagens, uma geração de comediantes e atores se descobriu para o humor no palco da Terça insana.
A própria Grace, que produzia e dirigia os espetáculos, nunca deixou a atuação de lado. São icônicas algumas de suas personagens, como a doidona Aline Dorel - atriz decadente que lida com os percalços da vida sempre com "um quartinho de Lexotan", medicamento ansiolítico que esteve em alta no começo dos anos 2000.
Sucesso pela qualidade do humor e pelo dinamismo do formato, a Terça insana extrapolou as barreiras do teatro e ganhou turnês Brasil afora. Nesses casos, os quadros eram fixos, para possibilitar os espetáculos itinerantes. Dois DVDs foram gravados, em 2004 e 2008, transformando o show criado por Grace em fenômeno nacional.
Inspirado no universo da Terça, surgiram em 2014 os shows Mulheres insanas e Homens insanos, dirigidos por Grace e com vasto número de personagens em um texto moderno e dinâmico. Em 2015, a Terça insana se transformou em produtora, passando a fomentar diferentes expressões artísticas de maneira profissional, sempre sob a curadoria da fundadora.
"Isso tudo cresceu muito, mas o espírito segue o mesmo. Quero continuar essa corrente de pessoas que se influenciam e se conectam pela arte. E quero fazer humor para rir de mim mesma, jamais para rir do outro", avisa ela.

A rotina pós-cirurgia

Inquieta e constantemente ligada em alta voltagem, Grace enfrentou com serenidade o período de recuperação da cirurgia, que a obrigou a ficar em repouso absoluto. Mesmo com fortes dores provocadas por uma fratura na cabeça do fêmur, na altura do quadril, ela optou por terminar Orgulho e paixão, em setembro, antes do procedimento. Durante a recuperação sem sair de casa, tocou projetos que estavam engavetados por falta de tempo.
"Tenho livros para ler ou reler, coisas que eu quero editar e escrever, até gavetas para arrumar. Esse período tem sido de reorganização energética, para voltar com tudo", relatou Grace, no auge de seu repouso.
O retorno, no melhor estilo Grace Gianoukas, terá de tudo um pouco, com novos e divertidos projetos no teatro, sem abandonar a televisão. É neste ritmo que vive a gaúcha nascida em Rio Grande, em 1963, e que tem experimentado uma exposição em escala ainda inédita na sua longa carreira no teatro.

Destaques da trajetória

Teatro
  • 1983 – O Acre vai à Rússia (Troféu Açorianos de Teatro)
  • 1985 – Dias felizes, de Samuel Beckett
  • 1986 a 1992 – Troféu Creme de La Creme, ao lado de Ângela Dip e Marcelo Manfield
  • 1987 a 1989 – O pequeno grande pônei
  • 1990 a 1995 – Não quero droga nenhuma – A comédia
  • 1996 a 1997 – O pequeno mago (Troféu Mambembe de Melhor Atriz)
  • 1999 – Além do abismo
  • 2001 até hoje – Terça insana
  • 2015 a 2016 – Grace Gianoukas recebe
  • 2017 – Hortance, a velha
  • 2018 – Vamos falar de amor, amor? (Diretora)
Televisão
  • 1987 a 1989 – TV Mix (TV Gazeta)
  • 1988 – Chapadão do Bugre (TV Bandeirantes)
  • 1990 a 1994 – Castelo Rá-Tim-Bum (TV Cultura)
  • 1993 – Escolinha do Professor Raimundo (TV Globo)
  • 1993 – Sex Appeal (TV Globo)
  • 1999 – Sandy & Júnior (TV Globo)
  • 1999 – Tiro e Queda (Record)
  • 2006 – Bang Bang (TV Globo)
  • 2013 – Guerra dos sexos (TV Globo)
  • 2016 – Haja coração (TV Globo)
  • 2018 – Orgulho e paixão (TV Globo)
Cinema
  • 1989 – Festa
  • 1996 – Loira Incendiária
  • 2008 – Dossiê Re Bordosa (Dublagem)