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reportagem cultural

- Publicada em 16 de Novembro de 2018 às 00:08

Editora que lançou grandes nomes da literatura gaúcha completa 50 anos

Assis Brasil, Noll, Caio Fernando Abreu e Scliar (esquerda/direita) fazem parte da safra de autores

Assis Brasil, Noll, Caio Fernando Abreu e Scliar (esquerda/direita) fazem parte da safra de autores


MARCO QUINTANA/MARCOS MENDES/AE/CLAUDIO FACHEL/MONTAGEM/JC
O ano era 1967. Ou já seria 1968? A memória, às vezes, trai o professor, escritor e editor Carlos Jorge Appel. Rodeado de livros e obras de arte no confortável escritório de seu apartamento, no bairro Moinhos de Vento, em Porto Alegre, Appel não demonstra afetação alguma pela trajetória - já histórica - à frente de uma editora que revelou ninguém menos que Caio Fernando Abreu, Moacyr Scliar, João Gilberto Noll, Josué Guimarães, Carlos Carvalho, Rubem Mauro Machado, Décio Freitas, entre centenas de autores num catálogo de quase 2 mil títulos.
O ano era 1967. Ou já seria 1968? A memória, às vezes, trai o professor, escritor e editor Carlos Jorge Appel. Rodeado de livros e obras de arte no confortável escritório de seu apartamento, no bairro Moinhos de Vento, em Porto Alegre, Appel não demonstra afetação alguma pela trajetória - já histórica - à frente de uma editora que revelou ninguém menos que Caio Fernando Abreu, Moacyr Scliar, João Gilberto Noll, Josué Guimarães, Carlos Carvalho, Rubem Mauro Machado, Décio Freitas, entre centenas de autores num catálogo de quase 2 mil títulos.
Cinquenta anos atrás, Appel e um grupo de abnegados intelectuais da província decidiram ocupar o espaço deixado pela cambaleante Editora Globo, que claudicava desde 1960, e publicar seus próprios livros. Criaram a Editora Movimento numa época em que a prudência deveria ser recomendável - afinal, poucas semanas depois das primeiras reuniões desse grupo de 10 pessoas, a ditadura militar, que tomara o poder em 1964, editaria o famigerado AI-5, tolhendo liberdades e dificultando a vida de quem se dedicava ao pensamento crítico.
Mas a juventude tem dessas coisas. E quando Appel editou Contos do mundo proletário, de Rubem Mauro Machado, e os poemas de Canto breve dos desamados, de Heloisa Jahn, ainda no final de 1967, não podia imaginar que estaria reescrevendo a história editorial do Rio Grande do Sul. "Fomos longe, muito longe", resume, modestamente, o professor aposentado da Ufrgs, prestes a completar 85 anos (em 28 de novembro) e dando uma sonora gargalhada ao lembrar do título dado por ele à coletânea de Machado. "Muita coragem, não é? Em plena ditadura", surpreende-se.
O time de editores e autores reunido sob a liderança de Appel tinha ninguém menos que Gerd Bornheim, Bruno Kiefer, Paulo Hecker Filho e Arnaldo Campos. Todos os 10 sócios do início, em 1968, tinham trabalhos autorais para publicar. Então a ideia dos editores foi alugar uma salinha e dividir as tarefas. Mas como a maioria dos sócios havia sido cassada e estava também impedida de lecionar, muitos acabaram se dedicando a projetos paralelos; ao longo dos anos seguintes, a editora foi perdendo as parcerias. "Fiquei apenas eu", relata Appel.
Ele relembra com detalhes as circunstâncias de criação da Movimento: "A editora surgiu no vácuo causado pela decadência da Globo, que havia se transformado em uma das três maiores do Brasil mas que, a partir de meados dos anos de 1950, começa a mostrar sinais de fragilidade. Lembro que estava na porta da Globo, na Rua da Praia, num sábado, e vi um sujeito baixinho, careca, acompanhado de uma mulher muito elegante. Eram tipos incomuns para a Porto Alegre provinciana daquela época. De repente, me dei conta que era (Eugène) Ionesco - ele e a mulher, comentando a enorme edição do Balzac na vitrine da Globo, todos os volumes da Comédia humana editados aqui. Estavam estupefatos".
Mas veio o golpe de 1964 e, aí, segundo Appel, o desmonte da Editora Globo se consolidou. E depois, com o AI-5, em 1968, a coisa ficou pior.
"Era 1967, estávamos no antigo prédio do Teatro de Equipe (que funcionou entre 1958 e 1962), eu, Gerd Bornheim, Bruno Kiefer, Dimitri Sigalinos (poeta e pintor, autor de Canto & Penúria), outros colegas, éramos sete ou oito na roda de conversa. Lá na frente, no palco, havia outro grupo discutindo justamente a paralisia cultural do Rio Grande do Sul e de Porto Alegre. O pessoal das artes plásticas: Xico Stockinger, Iberê Camargo, Vasco Prado. A Globo não editava mais. Só se falava na paralisia cultural de Porto Alegre. O Gerd, então, diz: quero publicar meus livros de filosofia; o Bruno saltou: tenho um livro de música. Veio do Bruno Kiefer a ideia de criarmos uma editora. E, já que estamos falando em paralisia, disse o Bruno, vamos botar o nome (na editora) de movimento. Foi assim que surgiu a Editora Movimento."
Essa conversa foi em 1967, mas o ano oficial de criação da editora, em cartório, com papel passado e firma reconhecida, é 1968. 

A literatura em movimento

Junto com outros nove intelectuais, Carlos Jorge Appel criou a Editora Movimento durante a ditadura

Junto com outros nove intelectuais, Carlos Jorge Appel criou a Editora Movimento durante a ditadura


/MARIANA CARLESSO/JC
No início da Editora Movimento, cada um dos sócios-autores buscou recursos para bancar seu próprio livro. Com pais, tios, irmãos, avós. A tal salinha, perto da Santa Casa, foi cedida pelo pai do capista Cláudio Casaccia, estudante de Arquitetura que havia sido aluno de Carlos Jorge Appel no Colégio de Aplicação da Ufrgs. Todos faziam de tudo, o que tornava os custos de produção compatíveis com a miséria financeira dos sócios: revisão, edição, montagem, divulgação, distribuição. "Nossa maior despesa era alugar uma Kombi para levar os originais à gráfica, já que cada livro pesava quase 100 quilos", relembra o editor sobre a forma de publicação dos anos de 1960, à base de placas de chumbo.
E, apesar da presença de intelectuais já consagrados no meio cultural de Porto Alegre na reunião que selou a criação da nova editora, a estreia da Movimento se daria com um livrinho de poesia de 90 páginas, assinado pela estudante de Filosofia da Ufrgs Heloísa Jahn - aluna de Appel. Na época com 20 anos incompletos, a carioca Heloísa apresentou aos professor os originais de Canto breve dos desamados - Appel se encantou com os poemas de cunho socialista da menina. A autora nunca mais publicou nada de literatura, mas se tornaria uma importante tradutora, especialmente do segmento infantojuvenil. O livro de contos de Machado foi publicado algumas semanas depois.
A editora, entretanto, começou a funcionar para valer em 1968. E, a partir daí, nas palavras do professor, editor e escritor Sergius Gonzaga, pelas duas décadas seguintes, seria decisiva na criação e na consolidação de um sentimento cultural para o Rio Grande do Sul - uma espécie de atavismo que ficou ameaçado pelo golpe militar de 1964. Ele explica:
"O golpe acabou promovendo uma homogeneização social, política e cultural no Brasil. A TV passou a ditar as normas de comportamento e a ser amplamente massificada pelos militares. Por outro lado, a Editora Globo, que era a principal referência entre os intelectuais do Rio Grande do Sul, parara de publicar autores locais já no final dos anos de 1950. A editora Sulina, outra boa referência, também deixou de publicar para virar livraria. Então, houve um vácuo nesse período que foi muito bem aproveitado pela Movimento. Não era uma revolta separatista, mas uma ação identitária. O papel da editora, nesse cenário, foi gigantesco".
Entre os autores lançados pela Movimento nos seus primeiros passos estão nomes que se destacariam nacionalmente: Moacyr Scliar (O carnaval dos animais, 1968, obra que a L&PM relançou nesta semana, em edição comemorativa); Arnaldo Campos (O degrau, 1969); Carlos Stein (Maurina, 1970); Caio Fernando Abreu e João Gilberto Noll (na coletânea de contos Roda de fogo, 1970); Tânia Faillace (O trigésimo quinto ano de Inês, 1971); Décio Freitas (Palmares - A guerra dos escravos, 1973); Carlos Carvalho (Calendário do medo, 1975); Luiz Antonio de Assis Brasil (Um quarto de légua em quadro, 1976).
Não se pode esquecer de Cyro Martins, um autor já decano na época de criação da editora, mas que encontrou um ponto de inflexão importante no vácuo que havia se criado no mercado editorial gaúcho.

A redescoberta de Cyro Martins

Reedição de obras do escritor e psicanalista foi um sucesso editorial

Reedição de obras do escritor e psicanalista foi um sucesso editorial


VILMAR DA ROSA/ARQUIVO JC
"Comentei um livro do Cyro Martins na minha coluna no Caderno de Sábado do Correio do Povo, um livro de contos (A entrevista, de 1968) que havia saído pela Sulina. Ele, então, me ligou. A Sulina também estava em crise, reduziria muito sua capacidade editorial em seguida.
A Globo se restringia a publicar apenas o Erico Verissimo, nem o Mario Quintana editava mais. Então, o Cyro viu na Movimento uma alternativa", relembra Appel. O casamento com Cyro, que já beirava os 70 anos de idade nessa época, se deu com a edição de Um menino vai para o colégio em 1974. A novela - ou conto grande, como diz Appel - fora publicada, originalmente, em 1942 pela Globo como parte do romance Mensagem errante e não ocupou mais que 71 páginas, mas foi um estrondoso sucesso (emplacou oito edições pela Movimento).
A publicação deu margem à reedição, pela editora, dos principais romances do psicanalista e à criação da chamada Trilogia do gaúcho a pé: Sem rumo, cinco edições; Porteira fechada, 12 edições; e Estrada nova, sete edições. "Tratava-se de uma sequência evidente de livros publicados ao longo de 18 anos (1937-1954), mas nunca um editor nem o autor tinham se dado conta de que havia uma sequência perfeita. Quando sugeri publicá-los em conjunto, Cyro ficou maravilhado", lembra Appel.
Junto com Martins, foi para a editora toda a Geração de 1930 do Rio Grande do Sul - ou boa parte dela, como atesta o editor: Ivan Pedro de Martins, de Fronteira agreste; Pedro Wayne, de Xarqueada, cuja terceira edição acaba de ser publicada; Reynaldo Moura, de Romance no Rio Grande, todos procuraram a Movimento com obras já editadas ou com coisas novas.
Sergius Gonzaga lembra que a reedição de Cyro Martins representou um marco porque era um autor já pouco lido no Estado e que voltou ao catálogo das livrarias. "Se não fosse a Movimento, Cyro e a turma do Romance de 1930 não teriam sobrevivido aos anos de 1950", constata o professor. Graças à iniciativa da editora, Um menino vai para o colégio inspirou o curta homônimo dirigido por Liliana Sulzbach e Marcello Lima.

Décio Freitas e o Quilombo dos Palmares

Outro caso exemplar, mais afeito ao acaso do que à estratégia editorial, foi a pesquisa pioneira desenvolvida pelo historiador e advogado Décio Freitas, que se tornaria por décadas uma referência insuperável sobre a existência do Quilombo dos Palmares no Brasil colônia do século XVII.
Freitas produziu a pesquisa clandestinamente entre Porto Alegre, Rio de Janeiro, Recife e Maceió a partir de 1965. Exilado no Uruguai depois do golpe militar de 1964, coube a ele comprovar a existência da então figura mítica de Zumbi - a historiografia da época indicava a presença de vários personagens identificados como o líder negro das Alagoas. Palmares, a guerra dos escravos foi lançado pela Movimento em 1973.
"É um livro seminal, que provocou uma onda de publicações sobre a história da escravidão no Brasil e também sobre as lutas populares na colônia. Serviu, ainda, de lastro para o fortalecimento do movimento negro brasileiro, que ganhou muito fôlego depois da difusão da pesquisa em formato de livro pela Movimento", avalia o historiador Voltaire Schilling sobre o clássico.
Antes de ser publicado no Brasil, o livro teve uma edição uruguaia datada de 1971 chamada Palmares - La Guerrilla Negra (editora Nuestra America). Foi o primeiro best-seller da Editora Movimento, tendo vendido cerca de sete edições de 2 mil exemplares cada uma. E inspirou o cineasta Cacá Diegues a rodar o filme Quilombo, em 1984, com Zezé Motta e Grande Otelo no elenco.

Principais best-sellers da Editora Movimento

  • Porteira fechada (1976), de Cyro Martins - 12 edições
  • Um menino vai para o colégio (1974), de Cyro Martins - oito edições
  • Palmares - A guerra dos escravos (1973), de Décio Freitas - sete edições
  • Um quarto de légua em quadro (1976), de Luiz Antonio Assis Brasil - sete edições
  • Estrada nova (1980), de Cyro Martins - sete edições
  • O carnaval dos animais (1968), de Moacyr Scliar - seis edições 

A censura bate à porta

Censores queriam examinar todos os títulos, e Appel conta que foi montado fluxo para desviar originais

Censores queriam examinar todos os títulos, e Appel conta que foi montado fluxo para desviar originais


MARIANA CARLESSO/JC
A Editora Movimento já havia se transferido para a sede da rua Garibaldi quando, um dia, aparecem dois homens. Bateram, entraram e sentaram-se num espaço de reuniões que havia na casa. Disseram que, a partir de então, fariam isso todos os dias. Não se apresentaram como tal, mas eram censores. Como eles pretendiam examinar todos os livros que chegassem, conta Appel, a editora teve de montar um esquema para desviar a entrada de originais, que passaram a ser remetidos diretamente para os editores. "Passamos a descentralizar o trabalho", relembra.
Décio Freitas chegou na editora junto com a escritora Ieda Inda, que estudava Arquitetura na Ufrgs e escreveria posteriormente a novela Baguala (1982). "Como eles entraram juntos, achei que se conheciam. Mas não. Eu também não conhecia nenhum dos dois. O Décio estava voltando de Montevidéu (1972), me trouxe o livro dele e começou a falar sobre guerrilha, sobre resistência negra, sobre ditadura. E eu tentando desesperadamente alertá-lo sobre a presença dos censores. Só que eles, muito burros, não perceberam nada", diverte-se Appel.
Tornou-se um sucesso nacional. Depois das oito edições da Movimento, Palmares, a guerra dos escravos foi para uma editora do Rio de Janeiro (Graal) e, depois, voltou para a Mercado Aberto, de Porto Alegre, na qual teve mais cinco edições. Sobre a saída do historiador Décio Freitas da editora, Appel conta uma história trivial - a lenda indicava o gênio "forte" de Décio como pivô de uma desavença comercial.
"Um dia, apareceram na editora uma mulher e seu advogado", conta Appel. "Estamos aqui para levar toda a edição do Décio Freitas, anunciou ele. Os direitos autorais devem ser pagos para esta senhora. E mostrou a decisão judicial. Fiquei estupefato. Mas, por sorte, não havia mais livros, nada, todas as edições estavam esgotadas, e os direitos já haviam sido pagos. De maneira que a ordem não pôde ser cumprida. A partir daí, não pude mais editar o Décio, naturalmente", ri Appel sobre a desavença amorosa que afastou o historiador da editora. 
 

Coletânea de sucesso

Coube a um pequeno livro de contos, uma antologia de vários autores, a tarefa de tornar a editora conhecida nacionalmente. A coletânea Roda de fogo - 12 gaúchos contam foi editada em 1970 e esgotou a edição de 3 mil exemplares em menos de três meses.
A receita? Mesclar autores já consagrados, como Paulo Hecker Filho e Josué Guimarães, com estreantes promissores, casos de Caio Fernando Abreu e João Gilberto Noll. Appel diz que o sucesso do livro, que teve sessões de lançamento em São Paulo e no Rio de Janeiro, ajudou a viabilizar a editora. "Talvez não fôssemos adiante se não fosse a Roda de fogo", constata.
A ideia de fazer uma antologia surgiu do projeto bem-sucedido de outra coletânea: Nove do Sul - Contos, de 1962, a primeira experiência de autopublicação de autores em Porto Alegre. Mas, conta Appel, a proposta da Movimento era pensar dali para a frente.
"Queríamos dar uma ideia do que estava sendo produzido e quem produzia literatura aqui no Sul nessa época, 1969, 1970. Eu queria só os bem novos, mas venceu a coletânea mais ampla. Eu era crítico literário do Correio do Povo - todas as semanas conversava com o Gastal (Paulo Fontoura Gastal, mais conhecido pelo epíteto de PF Gastal) e com o Goidanich (Hiron Goidanich, ou simplesmente Goida). Eu não conhecia o Noll. Nem o Caio Fernando Abreu, que surge na mesma coletânea", conta o professor e editor.
Segundo Appel, Gastal era quem estava entusiasmado com esse assunto, ele queria um Caderno de Sábado mais jovem, precisava fazer essa transição. "Então, abria espaço para os rapazes. Estávamos saindo da Geração de 1930 e tínhamos que criar uma nova geração. Outro mundo, outra realidade. Eu achava que a Movimento tinha que dar um sinal justamente reunindo os novos. Depois, aceitei juntar também os mais antigos, que, na verdade, nem eram tão antigos assim. A maioria não tinha nem 30 anos. A Globo estava paralisada, só editava o Erico. O sinal estava ali. Aí surgiram o Noll e o Caio." Appel continua:
"Eles souberam que ia ser feita uma antologia. Quem disse isso para eles eu acho que foi o Gastal, que tinha um contato mais direto com escritores por ser editor do jornal. Como não havia e-mail naquela época, os autores tinham que levar os textos pessoalmente à redação. E aí batiam papo, trocavam impressões. Eu morava na travessa Leão XIII, ali na Cidade Baixa. Aí, um dia, não sei se eles combinaram entre os dois, não sei se já se conheciam, mas chegaram praticamente juntos na minha casa, na mesma hora. Queriam falar comigo. Cada um trouxe três contos porque sabiam que era para ser escolhido um entre três narrativas de cada autor. Os contos estavam manuscritos. Li os dois e fiquei entusiasmado. E pensei: tem coisa aí, essa gurizada é boa, tem um jeito novo de pensar, a proposta é outra, o mundo deles é outro, esse mundo desses dois é diferente dos outros. Mesmo do Scliar e do Stein, eles eram diferentes".
Na semana seguinte, quando os autores voltaram, Appel confirmou as presenças dos novatos na antologia. "Mostrei a análise que fiz e disse que os queria no livro, fechando 12 escritores. Consultei o Scliar e o Arnaldo Campos, que toparam. Mas havia problemas de estrutura nas frases dos contos, coisa corriqueira, inexperiência. Eu era professor de literatura, então disse que só iria publicá-los se levassem os textos para a Madalena Abreu, uma ex-aluna minha, e tudo que estivesse anotado fosse discutido com ela. Foram correndo! Quando me trouxeram de volta, uns dias depois, manuscritos ainda, os contos já estavam limpos. Eu disse: não tenham pressa, vou segurar a edição porque quero vocês nessa antologia. Isso se deu em 1969 e o livro foi lançado em fevereiro de 1970", conta Appel.
A editora terminou publicando dois contos de cada um porque era tudo muito bom. "Então essa demora valeu porque revelou dois talentos excepcionais. Os dois ficaram um tempo com a Madalena, que tinha um excelente texto e uma ótima visão crítica. Os dois gostaram muito dela, se adaptaram muito bem. E passaram a consultá-la com frequência, para outros textos."

Música e Shakespeare

Outro nicho que ajudou a segurar a Movimento foram as publicações de música, especialmente erudita. Em 50 anos, a editora publicou mais de um título por ano nesse segmento. Muitos deles com partituras, o que justifica o interesse especializado.
"A música continua sendo nosso melhor nicho, vendemos frequentemente nossos livros do Rio Grande do Sul até o Amazonas", avisa Appel. Além da área Psicanálise, que continua sendo muito editada pela Movimento. Do acervo de cerca de 2 mil títulos, segundo o editor, metade são livros de ficção e a outra metade é composta por livros de ensaio.
Appel é peremptório quando perguntado se ganhou dinheiro com a editora Movimento: "Jamais", crava ele. "Tem fases boas, tem fases ruins. Mas, em linhas gerais, a editora sempre se manteve sozinha, dos seus próprios livros", constata.
Entre as explicações para a autossuficiência está a publicação regular de títulos de Shakespeare - Appel prepara o 16º livro do bardo inglês para 2019. E também a relação com a literatura latino-americana, especialidade do editor adquirida na Universidad de La República, do Uruguai, ainda em 1958.
Para o ano que vem, estão nos planos uma reedição de Martín Fierro, de José Hernandez, com tradução inédita do poeta uruguaianense Colmar Duarte; e de Facundo: Civilización y Barbarie, de Domingo Sarmiento, com tradução também inédita de Ricardo Duarte - irmão de Colmar.

* Flávio Ilha é jornalista e escritor, autor de Longe daqui, aqui mesmo (Diadorim, 2018)