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Cultura

- Publicada em 03 de Outubro de 2018 às 21:06

Fernanda Montenegro lê Nelson Rodrigues em Porto Alegre e reflete sobre carreira

Homenageada pela Pucrs, a atriz apresentou a leitura 'Nelson Rodrigues por ele mesmo'

Homenageada pela Pucrs, a atriz apresentou a leitura 'Nelson Rodrigues por ele mesmo'


MARIANA CARLESSO/JC
Carlos Villela
“Eu vejo que, quanto mais tu te liberta de ti mesmo, quanto mais verdadeiramente a gente conseguir se despir das nossas próprias máscaras sociais, mais teu trabalho brilha. A Fernanda é a prova disso”. Essas foram as palavras da mestre de cerimônias Deborah Finocchiaro na noite de homenagem e performance que marcou o retorno de Fernanda Montenegro aos palcos de Porto Alegre.
“Eu vejo que, quanto mais tu te liberta de ti mesmo, quanto mais verdadeiramente a gente conseguir se despir das nossas próprias máscaras sociais, mais teu trabalho brilha. A Fernanda é a prova disso”. Essas foram as palavras da mestre de cerimônias Deborah Finocchiaro na noite de homenagem e performance que marcou o retorno de Fernanda Montenegro aos palcos de Porto Alegre.
A última vez que a atriz se apresentou na Capital foi em 2011 com o monólogo Viver sem tempos mortos interpretando Simone de Beauvoir, desta vez a atriz apresentou no Salão de Atos da Pucrs a leitura de Nelson Rodrigues por Ele Mesmo, que ela adaptou das entrevistas e depoimentos organizados por Sônia Rodrigues, filha do autor.
Também em Porto Alegre para receber o Mérito Cultural da Pucrs, prêmio que faz parte da comemoração de 70 anos da universidade, Fernanda entrou no palco sob aplausos do público de pé, algo que ocorreu cinco vezes durante toda a cerimônia.
Com mais de sete décadas de carreira, reconhecida nacional e internacionalmente por distinções como o Urso de Prata no Festival de Berlim, a Grã-Cruz da Ordem do Mérito Nacional e a indicação ao Oscar de Melhor Atriz por Central do Brasil (a primeira atriz sul-americana a conseguir tal feito), Fernanda veio com um terceiro motivo, a divulgação e sessão de autógrafos de seu livro Fernanda Montenegro - Itinerário fotobiográfico, uma narrativa de sua vida através de fotografias da carreira e da vida pessoal.
Aos 88 anos, próxima dos 89 que comemora no dia 16 de outubro, a chamada grande dama do teatro brasileiro não diminuiu o ritmo de trabalho na última década. Por Doce de Mãe, produção da Casa de Cinema de Porto Alegre, Fernanda venceu um Emmy Internacional de Melhor Atriz. Em O Outro Lado do Paraíso, seu mais recente trabalho em novelas, ela interpretou a rezadeira Mercedes e dividiu cenas com colegas de longa data como Lima Duarte e Laura Cardoso. Agora, ela traz para Porto Alegre a apresentação que levou para outros teatros pelo país. Dividindo o palco com ela, apenas uma escrivaninha, os textos e um copo d'água.
Fernanda abriu o espetáculo em um tom de conversa com o público. É nesse momento que ela explica o motivo da escolha por Nelson Rodrigues, autor com quem ela teve uma relação próxima. Em 1959, Fernanda uma das fundadoras do Teatro dos Sete, companhia teatral que também integravam os atores Fernando Torres, Sergio Britto e Ítalo Rossi e o diretor Gianni Ratto, e insistiu por meses com o autor para que ele escrevesse uma peça. Nas próprias leituras, Fernanda destacou trechos no qual Rodrigues descrevia esses pedidos admirado com a insistência dela. Eventualmente ele aceitou, e O Beijo no Asfalto estreou em 1961 entrando para a história do teatro brasileiro.
As inclinações políticas de Rodrigues também estavam presente nos textos. Autodeclarado “reacionário”, Rodrigues foi favorável ao golpe de 1964 e, diferente de artistas como Carlos Drummond de Andrade e Carlos Heitor Cony, manteve o apoio aos militares até a prisão e tortura de seu filho Nelsinho sob acusação de subversão. Continuou se identificando como anticomunista, mas se tornou ferrenho defensor da anistia ampla e para todos os lados. Além de questões políticas e de interações com outros artistas, os textos abordaram a relação profunda de Nelson Rodrigues com a angústia, sentimento que ele começou a escrever sobre aos dez anos de idade. A visão idealizada sobre o amor que o fazia repudiar o divórcio e as tragédias de sua vida, como perder um irmão para a tuberculose e outro executado por uma mulher que queria se vingar do pai deles.

Emoção marcou homenagem à atriz

Após o término da leitura, a cerimônia de homenagem à Fernanda foi marcada pela emoção de Deborah Finocchiaro, que falava com reverência sobre a oportunidade de dividir o palco com Fernanda. À reportagem, Deborah afirmou que deve ser constante “a busca de como sermos exemplos virtuosos nesse mundo caótico, dividido, tendendo a esse fascismo totalmente apavorante, onde o medo vai gerando a violência”. Segundo ela, Fernanda representa essas virtudes.
“A arte”, continuou Deborah, “tem uma função desde que o mundo é mundo de amenizar os corações e de botar uma luz sobre as atrocidades, a injustiça, a indignação. A arte é um caminho de questionamentos e transformações, não existe um mundo sem arte”. Fernanda também ficou emocionada após os depoimentos de Deborah e do reitor da PUCRS, Evilázio Teixeira. Dizendo que faz parte de uma geração “que a cada dia se despede”, ela agradeceu ao público e aos organizadores, e brincou que nenhum pai quer que um filho cresça para ser ator. Contudo, com os olhos lacrimejantes e a voz embargada, disse: “Acho que meus pais, onde eles estão, devem estar muito felizes”.
Em seu discurso de agradecimento, Fernanda ecoou as palavras de Deborah para falar de sua paixão pela atuação. A profissão, segundo ela, é abstrata e sem fronteiras. “No passado, a igreja repudiava na arte do ator a multiplicação herética das almas, o deboche das emoções, a pretensão escandalosa de espíritos que se recusam a viver apenas um destino e se precipitam em todas as intemperanças”, disse Fernanda.
“A atriz Adrienne Lecouvrer, no seu leito de morte, quis confessar e comungar, mas recusou-se a renegar sua profissão conforme lhe exigiam, e por causa disso ela perdeu o benefício da extrema-unção. Isto significa descaminho, e entre Deus e sua profissão, ela tomou o partido da sua paixão pelo teatro. E essa mulher, na agonia, recusa-se a renegar aquilo que chamava de sua arte. Mostrava, morrendo, uma grandeza que nunca atingira no palco. Foi seu papel mais belo, e também o mais difícil, escolher entre o céu eterno e a fidelidade irrisória. E é essa finalmente a tragédia secular na qual temos que ocupar o nosso lugar. Entre nós e a eternidade, optarmos por nós”, concluiu. Mais uma vez, sob aplausos.
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