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reportagem cultural

- Publicada em 05 de Outubro de 2018 às 00:32

Duas décadas após morte, Nelson Gonçalves ainda está no imaginário coletivo dos fãs

Centenário de nascimento do cantor e compositor completa-se em 2019

Centenário de nascimento do cantor e compositor completa-se em 2019


ARQUIVO/JC
Nascido em Santana do Livramento, na fronteira do Brasil com o Uruguai, o cantor Nelson Gonçalves tinha uma frase que ele usava com frequência: "O Brasil é um país sem memória. Alguém se lembra de Francisco Alves? Quando morrer eu quero ser cremado para que não façam xixi em minha tumba". E, não seria exagero dizer, a sentença possui algo de profético. No ano em que se recordam duas décadas de sua morte (18 de abril de 1998) e perto das comemorações do centenário de seu nascimento (21 de junho de 1919), Nelson Gonçalves - apesar de ainda habitar no imaginário afetivo de milhares de fãs, especialmente o das velhas gerações - é, para os mais jovens, praticamente um desconhecido. O fato é que do destemido cantor pouco ou nada ouviram falar. As palavras proferidas por sua voz de médio tenor, sobre ser cremado (quase um epitáfio), também carrega uma sinistra metáfora que remete à catástrofe que, em setembro, fez o Museu Nacional, no Rio de Janeiro, sangrar em chamas diante os esfumaçados olhos da nação. Ou seja, além de volátil, a memória nacional é extremamente inflamável.
Nascido em Santana do Livramento, na fronteira do Brasil com o Uruguai, o cantor Nelson Gonçalves tinha uma frase que ele usava com frequência: "O Brasil é um país sem memória. Alguém se lembra de Francisco Alves? Quando morrer eu quero ser cremado para que não façam xixi em minha tumba". E, não seria exagero dizer, a sentença possui algo de profético. No ano em que se recordam duas décadas de sua morte (18 de abril de 1998) e perto das comemorações do centenário de seu nascimento (21 de junho de 1919), Nelson Gonçalves - apesar de ainda habitar no imaginário afetivo de milhares de fãs, especialmente o das velhas gerações - é, para os mais jovens, praticamente um desconhecido. O fato é que do destemido cantor pouco ou nada ouviram falar. As palavras proferidas por sua voz de médio tenor, sobre ser cremado (quase um epitáfio), também carrega uma sinistra metáfora que remete à catástrofe que, em setembro, fez o Museu Nacional, no Rio de Janeiro, sangrar em chamas diante os esfumaçados olhos da nação. Ou seja, além de volátil, a memória nacional é extremamente inflamável.
É tal a desmemória, que os 20 anos da morte de Nelson Gonçalves - também conhecido por "Rei do Rádio" e "Metralha" -, salva uma ou outra exceção, passaram praticamente batidos. Em relação ao seu centenário, a Sony-BGM (a qual, na década de 1980, incorporou o casting da antiga RCA Victor), que hoje detém o grandioso relicário de fonogramas deixados pelo cantor, ironicamente não possui nenhum relançamento de discos do cantor em vista.
Para o escritor Paulo César Araújo, autor da controversa biografia Roberto Carlos em detalhes (Planeta), a razão de Nelson estar olvidado não é novidade. "É quase uma 'tradição brasileira' não ter memória. No Brasil, descartam-se ídolos ao passo em que surgem outros", ele medita. Algo bem diferente, ele coteja, ao que ocorre em relação a Carlos Gardel na Argentina, por exemplo, onde culto ao tanguista é, anualmente, uma fervorosa comoção que toma conta do país inteiro.
Aos 78 anos, ainda cantando, gravando (e também aprontando), o impávido coração do Metralha, que tinha como promessa cantar até 2001, beijava a lona: com um fulminante ataque cardíaco, a morte desferia seu golpe baixo contra o maior cantor do Brasil. Morreu, porém, vendendo aos montes. Disco de Ouro, Ainda é cedo, seu derradeiro álbum (uma compilação de canções pop brasileiras), lançado em 1997, vendera 150 mil cópias em apenas três meses. Foi o último, porém, de uma odisseica carreira de sucessos.
Cantando para seis gerações, Nelson Gonçalves entrou, saiu e voltou à moda. Na vida, os ambivalentes arquétipos de "decaído" e "campeão" servem-lhe como luva de boxe: gozou sucessos, amargou ruínas e se redimiu na sarjeta. "A morte de Nelson desfez o quinteto dos artistas masculinos da Era do Rádio - soberania que tinha ao lado de Orlando Silva, Francisco Alves, Carlos Galhardo e Sílvio Caldas - e encerrou a fase mais mítica da música brasileira", estima o pesquisador Jairo Severiano, autor de importantes livros como Uma história da Música Popular Brasileira - das origens à modernidade (Editora 34). "Nelson possuía um timbre único e uma extensão de voz extraordinária. Foi a mais bela voz masculina brasileira", qualifica Severiano.
A estatura da obra de Nelson assombra. Nos cálculos do próprio cantor, da gravação de estreia, a valsa Se eu pudesse um dia (outubro de 1941), ao disco Ainda é cedo, são mais de dois mil registros fonográficos, sulcados em 183 discos de 78 rotações, 100 compactos, 200 fitas cassete e 127 LPs. Só o compacto de A volta do boêmio faturou dois milhões de exemplares.
Gravou de tudo: sambas-canções, marchinhas de Carnaval, foxes, tangos, boleros, valsas, serestas, jazz, bossa nova. Interpretou Wilson Batista, Herivelto Martins, Noel Rosa, Silvio Caldas, Ataulfo Alves, Lupicínio Rodrigues, Tom Jobim e, na maturidade, engatou fugaz romance com o pop. Teve discos lançados na Itália, Inglaterra, Estados Unidos, Portugal, Alemanha e China.

A festa nunca termina

Família Antônio Gonçalves Sobral, com Nelson ao triciclo, no Brás, em São Paulo

Família Antônio Gonçalves Sobral, com Nelson ao triciclo, no Brás, em São Paulo


/ACERVO LILIAN GONÇALVES/DIVULGAÇÃO/JC
Os pais de Nelson, imigrantes portugueses de Viseu, na bagagem traziam a tradição dos cantores ambulantes. Em Santana do Livramento, nasceu Antônio Gonçalves Sobral. Quando a criança completou dois anos, a família seguiu para São Paulo e instalou-se no bairro do Brás. O pai, Seu Manoel, tirava o guri da cama cedo para cantar em feiras livres e praças da metrópole. O menino se apresentava do alto de um caixote de bacalhau - seu primeiro palco - acompanhado, ao violão, por um cego. Antes da consagração, foi de tudo: jornaleiro, mecânico, engraxate, garçom, polidor, tamanqueiro, gigolô e boxeur.
Surfando nas ondas radiofônicas, Nelson iniciou uma gloriosa escalada de fama. Em 1943, virou crooner do Cassino do Hotel Copacabana Palace, mas, levado por Carlos Galhardo, logo assinou com a Rádio Mayrink Veiga. Os sucessos abrolham: Normalista, Dolores Sierra, Espanhola, Maria Bethânia e o fox-canção Renúncia. Da Mayrink para o lendário Cassino da Urca foi um pulo.
Nelson Gonçalves também é um campeão absoluto de vendagens. Em 60 anos de carreira, vendeu mais de 80 milhões de discos - média espetacular de mais de um milhão por ano. E, curiosamente, é dos raros artistas que, apesar da bancarrota da indústria fonográfica (e a despeito de não mais estar em evidência), continua vendendo. Sobre sua popularidade, ainda em vida, ele afirmou: "O brasileiro acostumou-se a comprar os meus discos. Eu sou uma espécie de 'secos e molhados'".

Gongado

Nos anos 1930, em começo de carreira, o principiante Nelson Gonçalves foi ao Rio participar do programa A Hora do Gongo, transmitido pela Rádio Tupy e apresentado pelo exigente Ary Barroso, notório compositor do samba-exaltação Aquarela do Brasil. Ao ouvir Nelson soltar seu altissonante "ré-gravíssimo", Ary não titubeou e, na mesma hora, fez soar o gongo. Nelson depois relembraria: "O Ary chegou a mim e perguntou: 'Ô rapaz, o que tu faz em São Paulo?'. Eu: 'Olha... eu luto boxe'. Ele não deixou por menos: 'Então volta pra São Paulo que tu não canta é nada!'". Reza que, anos depois, quando Nelson então vivia o auge de sua fama, Barroso teria se retratado com o cantor pelo "equívoco".

Rei do Rádio versus Rei do Rock

Nelson Gonçalves vendeu mais de 80 milhões de discos

Nelson Gonçalves vendeu mais de 80 milhões de discos


ACERVO LILIAN GONÇALVES/DIVULGAÇÃO/JC
Nelson Gonçalves é um dos artistas da RCA que, junto a Elvis Presley, mais venderam discos. Sobre eles, uma curiosidade: apenas Nelson (o "Rei do Rádio") e Presley (o "Rei do Rock") foram agraciados com o Prêmio Nipper - distinção concedida pela gravadora aos artistas com mais tempo de casa. Nesse sentido, o brasileiro Nelson deixou o astro de Memphis (que teve pouco mais de 20 anos de casa discográfica, contra os imbatíveis 60 de Nelson na "Victor", como ele dizia - onde gravou a vida toda) a ver navios.
Último produtor a trabalhar com Nelson, em Ainda é cedo, Robertinho de Recife diz que nunca esquecerá a frase que um dia ouviu de Nelson: "Cara, você vai ser meu produtor pra sempre!". Esse "pra sempre", conta Robertinho, ficou ecoando em sua mente durante muito tempo após o falecimento do Metralha. Contratado pela Sony, Robertinho fora para descobrir algo de "novo" que Nelson pudesse vir a gravar, uma vez que o experiente artista já havia atacado em todas as frentes musicais possíveis. E a escolha acabou se dando pelo pop, modalidade que o intérprete ainda não tinha explorado. Robertinho revela que, no início, encontrou resistência do cantor e que, para convencê-lo a gravar o repertório "jovem" - composições como Bem que se quis (Marisa Monte) e Faz parte do meu show (Cazuza) -, teve de lhe "passar a perna": "Ao invés de mostrar a ele as versões originais das canções, toquei-as aboleradas, ao violão. Meu erro, do Herbert Vianna, por exemplo, disse-lhe que era de um cara chamado 'Alberto Vianna'. Ele adorou e ainda perguntou: 'Mas como eu não conhecia este compositor: Alberto Vianna!", ri Robertinho, saudoso.

Metralha derruba o rock

Outra das tantas façanhas de Nelson Gonçalves foi ter sido responsável por atrasar a chegada fonográfica do rock ao Brasil. Em 1957, Cauby Peixoto, após estrelar a produção norte-americana Jamboree, regressava ao Brasil entrando para história como um dos primeiros artistas brasileiros a gravar um rock em português: Rock'and'Roll em Copacabana (o primeiro foi gravado pela cantora Nora Ney, que, em 1955, gravara A ronda das horas, uma versão para Rock Around The Clock, de Bill Halley). Naquele ano de 1957, petardos como Great Balls of Fire (Jerry Lee Lewis) e Peggy Sue (Buddy Holly) também semeavam suas violentas - e inovadoras - tendências na música popular planetária.
O rock consolidava-se no mercado discográfico mundial no ritmo enlouquecido da juventude. No Brasil, porém, ainda teve de esperar um pouco mais: o frisson causado pelo compacto de A volta do boêmio (samba-canção sobre o regresso do desiludido homem que suplica por uma nova inscrição na boemia) retardou no País, em alguns meses, a invasão das guitarras pelas ondas radiofônicas. O sucesso de Nelson roubou a cena. Ou melhor, "quebrou a banca". Como resultado, a RCA, que, a exemplo das outras gravadoras, havia se paramentado para investir no rock - a "coqueluche do momento" - precisou mandar parar as prensas a fim de poder atender pedidos de lojistas do Brasil inteiro. E, engrossando ainda mais o caldo, Nelson engata na sequência dois de seus maiores êxitos: a balada romântica Pensando em ti, de Herivelto Martins, e o LP O tango na voz de Nelson Gonçalves (responsável por popularizar o ritmo platino no País), que contém sucessos da envergadura de Carlos Gardel, Hoje quem paga sou eu e Vermelho 27.

Furor uterino

Obra artística do Metralha foi cingida pelo erotismo, tragédias e dor de cotovelo

Obra artística do Metralha foi cingida pelo erotismo, tragédias e dor de cotovelo


ACERVO LILIAN GONÇALVES/DIVULGAÇÃO/JC
Nos idos de 1950, o "furor uterino" era a latente bomba-relógio prestes a detonar na sociedade. De Norte a Sul, milhares de lares (e vestidos) adentro, a extensão máscula do timbre vocálico de Nelson Gonçalves penetrava na reprimida libido das brasileiras. Em 1953, qual não foi o efeito surtido pelos versos sensualmente licenciosos de A camisola do dia? "A camisola do dia/ Tão transparente e macia/ Que eu dei de presente a ti/ Tinha rendas de Sevilha/ A pequena maravilha/ Que o teu corpinho abrigava/ E eu, eu era o dono de tudo/ Do divino conteúdo/ Que a camisola ocultava".
Se a obra artística do Metralha foi cingida pelo erotismo, as tragédias e a dor de cotovelo, sua vida amorosa - explosivo capítulo à parte nessa história - foi extremamente marcada pelos relacionamentos passionais. Na música, mesmo em fim de carreira, arrebatou o coração de artistas mais jovens. Em Ainda é cedo, interpretou Nada por mim, parceria de Paula Toller com Herbert Vianna, que se tornou o grande hit daquele disco. A crítica, porém, torceu o nariz. Mais de 20 anos depois, Paula saiu em defesa do cantor. "Pura implicância [da crítica]. Nelson não se curvou a modismo algum: cantou todas as músicas com a dicção à moda antiga, trazendo-as para sua praia", observa a cantora. Angela Rô-Rô, que regravou o bolero Fica comigo esta noite com grande sucesso, é outra fã de carteirinha: "Tivemos a mesma relação intensa com as mulheres", diverte-se a cantora.

O cantor que voltou do inferno

De todos os enredos já fantasiados sobre o pesado vício em cocaína de Nelson Gonçalves, que ganhou todas as manchetes na época, a mais definitiva versão sobre a ruína atravessada pelo cantor nos anos em que ficou "na roda do pó", entre 1958 e 1966, foi dada por ele mesmo. O depoimento encontra-se no DVD Eternamente Nelson: "É mais fácil sustentar 10 crianças a um vício", comparou. "Cheirei mais de 50 quilos."
O eclipse total teve início em 5 de maio de 1966, quando ele foi preso, sob a acusação de tráfico. Na hora, não houve ajuda do meio musical: os maiores solidários foram os três mil presos da Casa de Detenção de São Paulo, que ofereceram um dia a mais em suas penas "para que o cantor Nelson Gonçalves fosse libertado". Na primeira noite de cárcere, o famoso preso escutou milhares de vozes que, emocionadas, ressoaram A volta do boêmio pelos corredores.
Nelson comprou seu bilhete para o inferno no mictório do restaurante El Greco, em Copacabana. Literalmente, o dinheiro foi aspirado para as narinas: "Acabaram-se os apartamentos e os carrões. Show, eu não fazia. Disco, não queria gravar. Só pensava no tóxico. Minhas amizades eram apenas traficantes ou da patota que cheirava", narrou. No auge do vício, consumia pelo menos 10 gramas de cocaína por dia. "Muitas vezes cantei em troca de pó na casa de um malandro qualquer do subúrbio", confessou. Em casa, ele guardava quase um quilo.
Farto daquela vida, um dia anunciou a Maria Luiza Ramos, a terceira esposa, sua decisão de "parar de estalo". Ordenou que ela despejasse o pó no vaso sanitário. Depois, ela o trancafiou no célebre quartíbulo (onde ficou por quatro meses sem ver a luz solar) por onde recebia "comida por debaixo da porta". Certa manhã, Nelson viu a prosaica cena que simbolizou sua liberdade: o padeiro entregando pão, o leiteiro deixando o leite e uma mulher varrendo a rua. "Aí está a vida de verdade", soube, às lágrimas. Havia se restaurado: "Sou o cantor que veio do inferno", asseverou a si mesmo.

A luta do século no Brasil

O bicampeão mundial Éder Jofre enfrentou o cantor no ringue

O bicampeão mundial Éder Jofre enfrentou o cantor no ringue


GONTOF COMUNICA/DIVULGAÇÃO/JC
Debilitado, o vigor físico Nelson Gonçalves recobrou com sua tenacidade de ex-pugilista. O boxeador Éder Jofre (campeão mundial dos pesos médios, em 1961) - o "Galinho de Ouro", que recentemente ganhou a premiada cinebiografia 10 segundos para vencer -, relembra que o amigo, ainda em reabilitação, matriculou-se em sua academia, a Kid Jofre. "O Nelson lutava para fortalecer o corpo. Era um pugilista disciplinado. Tinha o braço direito pesado e batia forte! Até parece que o vejo agora, todo metido, brincando de luva e se esquivando das minhas investidas", descreve Jofre, quase num déjà vu. Com apoio do campeão mundial, para ratificar ao público que estava 100% recuperado, o cantor organiza uma luta-exibição no Ginásio do Ibirapuera: Nelson Gonçalves x Éder Jofre.
Lotação máxima para ver a "A luta do século no Brasil". Teimoso e brigador, o Metralha leva o certame - meramente promocional - a sério. Após bater insistentemente em Jofre, no sétimo round o lutador desfecha uma investida que faz o adversário tombar desfigurado no ringue. Catarse. Cambaleante, Nelson se ergue heroicamente e - em êxtase - canta Castigo, de Lupicínio Rodrigues. Da letra: "Homem que é homem faz qual o cedro que perfuma o machado que o derrubou".

Boêmios

PAN Angela Maria & Nelson Gonçalves Ao Vivo Foto Reprodução JC

PAN Angela Maria & Nelson Gonçalves Ao Vivo Foto Reprodução JC


/REPRODUÇÃO/JC
Um dos mais conceituados intérpretes da música regional gaúcha, o cantor e compositor João de Almeida Neto em 2018 lançou o disco Boêmios - Canta Nelson Gonçalves, no qual, com seu timbre semelhantemente grave, interpreta clássicos do repertório gonçalviano como Normalista, Carlos Gardel e Nem às paredes confesso. Acompanhado de um regional de choro, Neto também apresentou o espetáculo de mesmo nome - que, seguramente, é das poucas e isoladas homenagens ao Rei do Rádio realizadas durante esta efeméride de 20 anos de sua morte.
Um dos momentos mais marcantes de sua carreira, conta ele, foi quando, convidado pelo próprio cantor, dividiu o microfone com Nelson na casa noturna Le Club, nos anos 1980. Cantaram Sertaneja, também famosa na límpida voz de Orlando Silva: "Sertaneja se eu pudesse/ Se papai do céu me desse/ O espaço pra voar". Foi inesquecível, relembra Neto, que, ainda em começo de carreira, era o tempo todo chamado por Nelson de "menino".
Falando em iniciativa isolada, outro regalo lançado neste ano é o disco Angela Maria & Nelson Gonçalves ao Vivo, gravado em junho de 1978, durante uma apresentação dos populares cantores em São Paulo. Mais de 40 anos depois, a fita original contendo a gravação - que estava na posse de Angela (falecida em 29 de setembro, aos 89 anos) - foi lançada, remasterizada, pelo selo Nova Estação. No show, os astros apresentam-se ora sozinhos, ora em dueto, cantando assinaturas sonoras como Babalu (Angela) e A volta do boêmio (Nelson). Em outros números, tramam duetos irresistíveis e se divertem, contagiando a plateia. Quando Angela solta seu vozeirão num versão jazzística de Marina, de Dorival Caymmi, com direito a um "oh yeah!" no final, Nelson não resiste e exclama: "Chuchu beleza!".

Dez discos essenciais

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Nelson interpreta Noel (1956) - Primeiro LP de Nelson. O vozeirão a serviço de sambas como Três apitos e As Pastorinhas.
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O tango na voz de Nelson Gonçalves (1956) - Traz as "platinas" Carlos Gardel e Vermelho 27. Sucesso no Uruguai e Argentina.
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Pensando em ti (1957) - Segundo LP de Nelson. A afirmação do sucesso vem com as monumentais Meu vício é você e a emblemática A volta do boêmio.
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Escultura (1958) - Contém Nova Copacabana e Destino, que embalou corações nos "dourados" anos 1950.
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Êxtase (1959) - Disco de capa memorável e canções ainda mais: Deusa do asfalto, Vaidosa e O preço da glória.
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Nelson Gonçalves em Hi-Fi (1959) - O boêmio tenta competir com a bossa nova e o disco Chega de saudade, de João Gilberto, lançado naquele mesmo ano.
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A volta do boêmio (1967) - Representa uma retomada na carreira de Nelson, após seu envolvimento com drogas.
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Quando a Lapa era a Lapa (1973) - Álbum recheado de curiosidades. A grande surpresa fica por conta de Maria e Mais nada, letra de ninguém menos que Chico Xavier.
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Eu & Eles (1985) - Artistas como Milton Nascimento e Chico Buarque dividem o microfone com o Rei do Rádio. Destaque para o antigo sucesso Renúncia, ao lado de Tim Maia.
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Trilha sonora do filme Nelson Gonçalves (2001) - Trilha bem explorada em canções de todas as fases, como Sinto-me bem, Dos meus braços tu não sairás e a fetichista A camisola do dia.

Exclusivo: entrevista com Marilene Gonçalves

Cristiano Bastos entrevistou Marilene Gonçalves em 2008

Cristiano Bastos entrevistou Marilene Gonçalves em 2008


Arquivo Pessoal/JC
Em 2008, quando dos dez anos de morte de Nelson Gonçalves, entrevistei sua primeira filha, Marilene Gonçalves, na sua residência em Jacarepaguá (RJ). Marilene falou sobre vários assuntos relacionados ao pai (sua intimidade, preferências, a relação com as drogas, sucesso).
Estar na presença de Marilene Gonçalves, a “Leninha”, filha de Nelson Gonçalves (com sua primeira esposa, Elvira Molla), um pouco é estar com o próprio cantor: sangue do mesmo sangue. Na casa de Leninha, escritora e astróloga em Jacarepaguá, bairro localizado entre o Maciço da Tijuca e o Parque Estadual da Pedra Branca, no Rio de Janeiro, Nelson está por todos os cantos – lugares em que ele próprio, tantas vezes, também esteve.
Mas o célebre cantor não está presente apenas nos inúmeros retratos e relicários espalhados pelos recantos da agradável e arborizada residência habitada por sua filha: indisfarçavelmente, ele vive nos traços de Marilene, na grave voz herdada do pai e, principalmente, na estonteante quantidade de cigarros fumados. Dá pra dizer que Marilene é quase uma “xerox” feminina do “Metralha” – seja no jeito de falar, na maneira de gesticular ou no modo como enche a boca para soltar bons palavrão, a exemplo do indefectível “porra!”.
Marilene Gonçalves – Dia desses levei o automóvel à oficina e fui atendida por um rapaz novo. Eu estava ouvindo um disco de meu pai no carro. O mecânico foi olhar o extintor de incêndio e, com o porta-malas aberto, ouviu o som que ecoava dos autofalantes. E me perguntou: “Nossa, que voz linda. Quem é?”. Eu meio que ralhei com ele: “Você não sabe quem é meu filho?! É um dos maiores cantores que o Brasil já teve. Chama-se Nelson Gonçalves”. Aí ele disse: “Um momento, um momento!”. Saiu correndo e foi buscar o tio. Trouxe o tio, um cara mais velho, óbvio, e ficaram escutando a música durante um tempo. No final deram parabéns. Isso me fez um grande bem. Prova que a voz dele continua linda. Mas vai ao nordeste e norte, por exemplo, pra ver se não conhecem Nelson Gonçalves por lá. Todo mundo conhece. Agora, quem deixou de conhecer é a mídia atual... Hoje em dia, ela faz o cantor que ela quer – já não é mais o cantor que se faz. O cara não canta nada, desafina, não pronuncia direito as palavras, não tem dicção correta. Tudo bem: eu nem sou contra isso. Aliás, acho que a mídia tem que andar para frente. Mas, pelo amor de Deus, que se faça reverência! Já viu alguma reverência a Carlos Galhardo, Francisco Alves, Orlando Silva? Ninguém fala nada. Porque ninguém faz uma reportagem com esses cantores? Cantores grandiosos, diga-se de passagem. Se a lógica for essa, Nelson Gonçalves vai morrer no esquecimento também, cara! Enfim, desculpe a franqueza, mas eu conto pro meu neto quem foi esse cara, quem foi o bisavô dele. Conto histórias sobre as músicas: “Olha, meu filho, essa música foi o maior sucesso. Essa outra foi assim”. O que tem de ser valorizado também – já que o público não mais aprecia esse tipo de música, tão sentimental – é que já não tem ninguém mais com uma voz igual a do Nelson.
Em sua opinião, o que hoje se modificou na forma como se sente a música do Nelson?
Marilene Gonçalves – É justamente a forma de sentir que foi modificada. O Roberto Carlos é o único cantor que ainda canta canções de amor, canções sentimentais, e o grande público gosta. Quer dizer que tal sentimento ao menos não está totalmente morto. O que morreu, de fato, foi o interesse geral da mídia – o que sempre ajudou a propulsionar a popularidade destes cantores – por alguns de seus grandes artistas do passado. Não só Nelson Gonçalves, mas Orlando Silva, Francisco Alves, entre tantos outros da Era do Rádio.
Fale de seu pai.
Marilene Gonçalves – Dentro dele sempre morou um menino. Antes de ele morrer, quando esteve internado no hospital por causa de um princípio de enfarte, papai foi internado, mas não avisou ninguém. Eu e Margareth [outra filha de Nelson], imediatamente fomos para o hospital quando soubemos, pelo médico dele, da situação – porque ele não nos contava... Chegando o hospital fui direto para o quarto em que ele estava. Quando abri a porta e entrei, de repente, ele ficou muito bravo. Porque ele tinha vergonha de mostrar fraqueza, de mostrar sensibilidade e por perceber que eu tê-lo flagrado “abandonado”. Daí ele ficou de costas pra mim, bravo como um touro. Então eu disse pra ele: “Olha aqui, rapaz, eu te amo! Não vou te deixar sozinho. Não vou te abandonar. E não quero saber se você tá bravo ou não”. Quando ele virou-se de frente pra mim, era um menino. O que falei tocou tão fundo nele que sabe o que ele disse? “Filha, vai lá embaixo comprar uns pastéis pra gente comer?” Era o jeito dele. (muitos risos).
Ter largado o pó foi sua maior vitória. Você acompanhou esses dias?
Marilene Gonçalves – Sim, praticamente o tempo todo. Do início ao fim.
Como foi essa experiência?
Marilene Gonçalves – Eu morei com ele dois anos no Rio quando ele se separou da Lourdinha Bittencourt [segunda esposa de Nelson]. Ele completamente drogado. Só eu e ele no duplex que era deles. Um dia ele ficou três dias sem sair do quarto. Meu quarto era colado ao dele. Tinha uma divisória no armário do meu quarto, que dava para o dele. Eu subia em cima da cômoda e botava o ouvido para escutar se ele ainda estava respirando. Uma vez ele saiu e foi ao banheiro e eu fui olhar no basculante, ver se ele estava bem. Ele se virou e disse assim: “Sai daí, palhaça, maluca!”. Falei pra ele: “Pai: tem certeza que você é meu pai?” E ele: “Olha no espelho, idiota”. Era um jeito amoroso que ele tinha de falar com a gente. Eu sou muito parecida com ele... Para você ver como foi. Ele fez tudo pra eu sair. Até que um dia eu fui. Ele não me queria lá tão perto daquilo. Eu tinha a chave do quarto, mas nunca abri. Conversávamos muito, mas, a maioria do tempo ele passava trancado dentro do quarto. Ele estava no auge da droga. Uma vez tocou a campainha e – juro pelos meus filhos – entraram oito homens – todos armados e fumando maconha. Os caras disseram: “Queremos falar com o Nelson Gonçalves!”. Meu pai estava trancado no quarto, dormindo, coisa que raramente fazia. Botei os pés no primeiro degrau da escada, apoie-me no corrimão e disse para os mal-encarados: “Aqui ninguém sobe. Só se me matar!”. Eu tinha 17 anos. Os caras ficaram ali, parados. E eu: “Não adianta. Tá dormindo e não vou acordá-lo”. Ele não dormia. Os caras, todos com aquelas caras de bandido. Pegaram e foram embora. Até hoje paro e penso: “Será que foi um filme que passou na minha vida e não consigo esquecer?”.
Como ele ficava quando estava drogado?
Marilene Gonçalves – Ele ficava bravo. Capaz de qualquer besteira. Por isso ele se trancava: para não ficar perto de mim.
Ele perdia a linha?
Marilene Gonçalves – Bom, ele foi de tudo. Primeiro, alcóolatra, mas, segurou a onda – porque ele quis. Depois foi jogador de pif-paf. Chegou a perder um apartamento no jogo de pif-paf. Depois, a droga. Sua superação é um exemplo. Outra coisa que precisa ser dita é que, naqueles dias, não tinha ajuda que se tem hoje para se recuperar das drogas. Naquele tempo não tinha nada.
Você se lembra dos primeiros tempos da recuperação dele?
Marilene Gonçalves – Cada vez mais foi parando, parando e parou.
O que fazia seu pai chorar?
Marilene Gonçalves – Se batessem numa criança, num bicho, num cachorro ele chorava. Ele adorava criança e cães.
Música lhe fazia chorar?
Marilene Gonçalves – Muito. Ele vinha aqui para casa e meu marido colocava o CD dele direto pra gente ouvir. Ficávamos aqui na varanda. Ele cantava, o olho enchia d'água. Era uma loucura... Esse foi o grande drama dele: a sensibilidade. Porque a maioria das pessoas não entendia isso. Quando eu falo a maioria eu digo os amores todos. Ele não falava sobre isso abertamente. Ele não demostrava seu amor. Ele demostrava seu amor por meio de gestos.
Fale um pouco sobre sua mãe, Elvira Molla.
Marilene Gonçalves – Minha mãe sempre foi o grande amor da vida dele e, ele, o grande amor da vida dela. Mas a carreira os separou. Ele começou a seguir outro caminho. Começou a estudar, a ler muito. Aí você sabe: era um safado. Garanhão, quando ficou famoso passou a sair com um monte de mulher. Depois eles voltaram uns tempos. Acho que tinham uma ligação sexual muito forte. Negócio muito forte. Mas daí papai conheceu a Lourdinha, cantora do Trio de Ouro, e se apaixonou.
E sobre os irmãos adotivos? É difícil se relacionar com tanta gente?
Marilene Gonçalves – Eu e o Nelsinho, meu irmão, nunca tivemos diferença em relação aos filhos adotivos. Como te disse, tudo que aprendi na vida foi com o meu pai. Quando eu era criança, nunca esqueço que perguntei a ele – eu era pequena, estávamos indo ao dentista e acho que tinha ciúme de algum dos meus irmãos adotivos. Então perguntei: “Papai, porque você adotou todas essas crianças?”. E ele respondeu: “Para me redimir diante de Deus pelo que eu faltei com você, minha filha”. Nunca mais comentei nada.
Vocês levavam uma vida luxuosa?
Marilene Gonçalves – Sim, gozávamos da vida que papai levava: a vida de um grande astro da música popular. Morávamos num duplex na Avenida Atlântica, defronte para o mar. Tínhamos um cadillac e um motorista que nos levava ao colégio. Estudei nos melhores colégios da época. Entre outras regalias proporcionadas por ser filha de um pai famoso.