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reportagem cultural

- Publicada em 26 de Julho de 2018 às 22:30

Produtor musical há seis décadas, Patineti relembra como iniciou a carreira de Elis Regina

Produtor Airton "Patineti" dos Anjos é a memória viva da música do Rio Grande do Sul

Produtor Airton "Patineti" dos Anjos é a memória viva da música do Rio Grande do Sul


MARCELO G. RIBEIRO/JC
Reverenciado por nove entre 10 estrelas da música do Rio Grande do Sul, o veterano produtor Ayrton "Patineti" dos Anjos (apelido grafado com I no final, apesar da referência ao brinquedo 'patinete') acaba de revisar o livro em que conta a história de sua vida aos jornalistas Márcio Pinheiro e Roger Lerina. E que história! Pai de três filhos, protagonista de 14 entreveros conjugais e responsável por centenas de eventos artísticos - discos e shows -, esse porto-alegrense nascido na várzea do Guaíba dedicou seis décadas a um trabalho incessante nos bastidores do setor artístico gaúcho. Em poucos momentos esteve em cima dos palcos como jurado de festivais ou para receber algum troféu. "Meus biógrafos acham que eu sou abobado da enchente", diz ele, referindo-se ao ano em que nasceu - 1941, quando o lago Guaíba inundou o Centro da Capital. O livro encomendado pela editora Plus, dirigida por seu amigo Roque Jacoby, ex-secretário da Cultura do Estado, deve sair antes da Feira do Livro, cobrindo uma enorme lacuna na história do rádio, do disco e do showbizz do Sul.
Reverenciado por nove entre 10 estrelas da música do Rio Grande do Sul, o veterano produtor Ayrton "Patineti" dos Anjos (apelido grafado com I no final, apesar da referência ao brinquedo 'patinete') acaba de revisar o livro em que conta a história de sua vida aos jornalistas Márcio Pinheiro e Roger Lerina. E que história! Pai de três filhos, protagonista de 14 entreveros conjugais e responsável por centenas de eventos artísticos - discos e shows -, esse porto-alegrense nascido na várzea do Guaíba dedicou seis décadas a um trabalho incessante nos bastidores do setor artístico gaúcho. Em poucos momentos esteve em cima dos palcos como jurado de festivais ou para receber algum troféu. "Meus biógrafos acham que eu sou abobado da enchente", diz ele, referindo-se ao ano em que nasceu - 1941, quando o lago Guaíba inundou o Centro da Capital. O livro encomendado pela editora Plus, dirigida por seu amigo Roque Jacoby, ex-secretário da Cultura do Estado, deve sair antes da Feira do Livro, cobrindo uma enorme lacuna na história do rádio, do disco e do showbizz do Sul.
A bem dizer, a história de Ayrton dos Anjos como produtor musical começa quando ele conheceu a cantora Elis Regina, "autora" do apelido Patineti. Ela havia sido eleita Rainha do Disco Clube, instituição inventada por jovens que promoviam reuniões dançantes nos fins de semana. Durante o baile festivo no Clube Teresópolis, a cantora recém-coroada foi instada pelo público ("Dança, dança!") a dar uma volta triunfal no salão. Ela não se fez de rogada e estendeu a mão para o amigo Ayrton, que estava ao lado, com um pé que era um leque. Terminada a dança, o locutor que transmitia o baile perguntou à rainha como se sentira ao deslizar na pista, conduzida por Ayrton. "Eu me senti andando de patinete!", disse ela, sem deixar claro se elogiava ou criticava o parceiro. Bem ou mal, o apelido fazia jus à volúpia com que Ayrton se atirava nas coisas.
Nessa época, ele produzia um programa vespertino diário na Rádio Porto Alegre, na qual apresentava discos e Elis Regina, uma vez por semana, comentava a qualidade das canções. Parceria fugaz, pois a guria era muito mais atirada do que Patineti, já que se apresentava aos domingos no auditório da Rádio Gaúcha.
Noviço no rádio, Patineti conseguiu o espaço após visitar uma escola de desenho situada na rua José Montaury. Em vez de ganhar uma bolsa de estudos, como fantasiava, o candidato a aluno acabou falando tanto que convenceu o dono da escola a patrocinar o programa - seu primeiro ganha-pão, aos 18 anos. Não pergunte a data, pois ele não lembra, mas deve ter sido entre 1958/1960, o que praticamente fecha a conta das seis décadas de trabalho nos bastidores da música do Rio Grande do Sul.
Hoje, realizado e ainda ativo nos bastidores do show business ("Sou um velhinho que ainda está aí...", diz ele), Ayrton é uma das personagens mais ricas da história cultural sulina. Tanto que já apareceu como coadjuvante em dois livros sobre Elis Regina. O primeiro, do músico e jornalista Arthur de Faria. O segundo, do repórter paulista Julio Maria. Também consta na biografia de Renato Borghetti escrita por Márcio Pinheiro. Fora da literatura, seu nome ou apelido aparecem em incontáveis causos sobre rádio, TV, discos, shows e festivais de música, de tal forma que apenas um livro provavelmente será pouco para contar sua longa trajetória.
Direta ou indiretamente, ele esteve por trás da decolagem de centenas de artistas. Situação que o próprio Patineti resume assim: "Eu trabalhei com cinco gerações de artistas". No início, andou com uma turma vinte anos mais velha - gente como Paixão Côrtes, Barbosa Lessa e Darcy Fagundes. Depois, caras um pouco mais velhos como Glenio Reis, Paulo Diniz e Osmar Meletti. Em seguida, vieram che-locos como Gildo de Freitas, Noel Guarani, Luiz Carlos Borges, Elton Saldanha e outros revelados pelos festivais de música nativa. Entre eles, destaque para a primeira gravação do payador Jaime Caetano Braun. Também foi dele a primazia na gravação de Túlio Piva. E de Gaúcho da Fronteira, Porca Véia, Mano Lima, Cesar Passarinho, Vitor Ramil, Engenheiros do Hawaii, Borghettinho... e uma legião de artistas que há seis anos, no mês de novembro, acorre ao Auditório Araújo Vianna para o Grande Encontro da Música Gaúcha, um evento musical com a marca de Patineti: sem fronteiras nem preconceitos - e cachê igual para todos.

O pagador de direitos musicais

Aos 77 anos, Ayrton dos Anjos, o Patineti, passa as tardes no escritório instalado no 17º andar do prédio da avenida Diário de Notícias 400, no bairro Cristal, em Porto Alegre. Ali, na torre central do BarraShoppingSul, ao lado de três funcionários, ele atende quem quer que se apresente com demanda de disco, de show ou de simples papo sobre o futuro e o passado. Quando viaja, o escritório fica por conta de Caetano dos Anjos, seu filho mais novo, fruto do seu casamento com a cantora Berê, vencedora do 1º Musicanto Sul-Americano do Nativismo de Santa Rosa em 1983 com No Sangue da Terra Nada Guarani, canção perturbadora do músico Nelson Coelho de Castro (Porto Alegre, 1954). Além de Caetano, o escritório tem duas funcionárias: Daniele, com 10 anos de casa; e Jéssica, que chegou há quatro anos. Neste belo mocó funciona a representação gaúcha da Associação Brasileira de Músicos e Artes (Abramus), um dos sete braços do Ecad (Escritório Central de Arrecadação e Distribuição de Direitos Autorais). É, portanto, um ponto de grande afluência, especialmente nos dias de pagamento de direitos autorais.
Referência no universo musical gaúcho, Patineti não recusa convites para eventos, shows e festas. Dias atrás, debaixo de muita chuva, saiu para ajudar a armar o toldo na festa dos 80 anos do amigo Luiz Coronel, publicitário do grupo Zaffari e poeta. Ele também gosta de dar entrevistas sobre o mundo do disco e do show no Rio Grande e no Brasil. Na internet encontram-se depoimentos dele para estudantes e jornalistas. Ele recomenda especialmente um papo antológico de anos atrás com o professor Ruy Carlos Ostermann. Nas últimas semanas, precisou empenhar muito tempo na revisão do livro em que conta sua vida artística a dois experientes jornalistas de Porto Alegre.

A benzedeira de Canoas

Ayrton dos Anjos costuma alternar histórias cujo denominador comum é o guri que aos cinco anos perdeu o pai, um construtor de barcos chamado Arfogoceano, nome formado por três dos quatro elementos (ar, fogo e água - excluída a terra). "Morreu afogado aos 33 anos de idade", informa Patineti, lembrando que o pai vivia da fabricação de barcos de competição da classe snipe. Criado pela mãe, o pequeno Ayrton tinha uma missão familiar: fazer companhia à avó, benzedeira requisitada em Canoas.
Chamada Ondina Monteiro da Silva, a avó gostava de cantar modinhas, acompanhava novelas radiofônicas e não perdia os programas dominicais de auditório da Rádio Gaúcha apresentados pelo sócio-diretor Maurício Sirotsky Sobrinho. Bons tempos em que os programas de auditório, no 10º andar do Edifício União, contavam com músicos dirigidos pelo maestro Salvador Campanella.
No começo, Patineti acompanhava a vó por obrigação filial, mas aos poucos se envolveu com o ambiente festivo do rádio e nele mergulhou para valer. Afinal, foi por ciceronear dona Ondina que ele viu nascer a maior cantora popular do Rio Grande. "A primeira vez que ouvi Elis Regina cantar fiquei embevecido", avisa ele. Na ingenuidade da adolescência, comparou-a a "uma sereia" que teria surgido "milagrosamente" para mudar sua vida. Ela tinha 15 anos. Foi uma paixão platônica não correspondida, mas os dois ficaram amigos, unidos pela música, o rádio e os discos.
A paixão por Elis Regina não afetou a admiração do produtor pelos principais animadores do rádio da Capital. Além do esfuziante Maurício Sobrinho, seus ídolos eram o brincalhão Glenio Reis (Difusora, pela manhã), o sisudo Osmar Meletti (Discorama, à tarde, na Guaíba) e o insinuante Paulo Diniz (Cultura, 18h). Inspirado por eles e premeditando ser um animador de auditórios usando os bordões dos astros do rádio de Porto Alegre, Patineti organizava reuniões dançantes nos fins de semana em casas de família, salões paroquiais ou clubes de bairro. Sua missão era arranjar os discos, obtidos por empréstimos em lojas do Centro. Assim, garantia as paqueras. Num depoimento a alunos de Comunicação Social da Famecos (Pucrs), ele gabou-se de ter sido o pioneiro ao apresentar à juventude de Porto Alegre o primeiro disco de Ray Conniff, que se tornaria um dos "tchans" das reuniões-dançantes. Não pergunte quando foi isso ou aquilo. As datas não moram na memória efervescente do produtor.
O fato é que na virada dos anos 1959/1960 o ex-estudante do Colégio São Pedro se firmou como apresentador de um programa na Rádio Metrópole. Foi seu primeiro trabalho remunerado - o "salário" vinha da corretagem de publicidade. Ele jamais se esqueceu do discotecário da emissora. Chamava-se Guaraci e, como fiel guardião do acervo discográfico da Metrópole, não cedia material para o bicão recém-chegado. Os discos só saíam para a área técnica com comandas em duas vias para garantir o retorno ou a busca em caso de demora.
Obrigado a se virar com discos emprestados, o aprendiz de radialista foi salvo pela avó. De repente o discotecário Guaraci teve um problema de saúde e, por acaso ou destino, foi "curado" pela benzedeira de Canoas. Guaraci nunca mais negou discos para o programa de Ayrton e para as brincadeiras dançantes nos bairros da Capital. Amigos para sempre.
 

Nasce uma estrela do disco

O produtor com Elis Regina, quando a gaúcha ainda morava no Sul

O produtor com Elis Regina, quando a gaúcha ainda morava no Sul


/ARQUIVO AYRTON DOS ANJOS/DIVULGAÇÃO/JC
No início da década de 1960, as coisas rolavam tão rápidas que logo Patineti estava na Rádio Porto Alegre fazendo outro programa diário cujo mote eram, sempre, as novidades musicais que alimentariam as reuniões dançantes organizadas pelo Disco Clube, entidade presidida por Seu Souto, dono de uma grande loja de discos da avenida Borges de Medeiros. Foi ali que o jovem radialista ganhou um nicho para receber correspondência, tal como acontecia com outras figuras do mundo do rádio e do disco. Só lhe faltava galgar o degrau seguinte: tornar-se representante de uma gravadora, atividade respeitada no meio artístico, pois envolvia muito mais grana.
Um dia, numa das rádios, ouviu falar que o representante da gravadora Mocambo em Porto Alegre, envolvido em dívidas, havia se suicidado. A notícia chocante pareceu uma oportunidade inesperada de trabalho. Com dinheiro emprestado pela mãe, foi a São Paulo e conseguiu a vaga para Porto Alegre. Com matriz em Recife, a emergente Mocambo era atrevida comercialmente.
Assim que pegou os macetes da atividade, o novo agente discográfico gaúcho foi à casa de Elis Regina para convidá-la a... gravar um disco. Ela já havia gravado duas bolachas na Continental com ajuda de Maurício Sobrinho mas, sem nada a perder, resolveu encarar o desafio. Seria um disco só de autores gaúchos. Ideia de jerico, como se confirmaria logo em seguida: ao ouvi-la ensaiar para um show em Florianópolis, o produtor paulista Armando Pitigliani sugeriu que ela abandonasse o repertório regional e cantasse clássicos como Chão de estrelas, de Orestes Barbosa. Ela concordou e, antes de se apresentar, perguntou ao seu produtor Ayrton dos Anjos: "Queres o Chão de estrelas com choro ou sem choro?" E ele: "Com choro, claro!" Segundo relembra, foi um show emocionante: a partir do choro de Elis, choraram Patineti, Pitigliani e muita gente no palco e no auditório. "Elis era uma atriz", afirma ele.
Antes que o disco da Mocambo fosse gravado, porém, entrou na jogada a Columbia, cujo elenco brasileiro era liderado por Roberto Carlos. Convidado a mudar de selo, Patineti virou representante da internacional CBS, que colocaria em suas mãos artistas como o americano Johnny Mathis, entre outros. Quando Roberto veio ao Sul, depois, coube a Patineti ciceroneá-lo em um calhambeque estilizado, que ele ganharia de presente da gravadora mais tarde.
Claro que Elis topou gravar pela Columbia mas, insatisfeita com o plano da gravadora de transformá-la em "rival" da cantora paulista Cely Campello (de Estúpido cupido), logo aderiu à Polygram, do Rio, onde engrenou sua fulgurante carreira, entremeando apresentações na televisão, em festivais e no Beco das Garrafas, em Copacabana. Foi quando a estrela da Vila IAPI se desprendeu do amigo porto-alegrense, que não tinha grana para frequentar as noites cariocas. E logo ela se casaria com o produtor carioca Ronaldo Boscoli.
Patineti voltou para tocar sua vida em Porto Alegre, onde trabalhou para cinco gravadoras diferentes, todas de fora do Rio Grande do Sul. Sua maior admiração nessa área, porém, é pela nativa Isaec, que gravou e lançou um bom número de artistas gaúchos entre 1978/1980. "É incrível o que a Isaec fez", diz Patineti, lembrando dos frutos daquele trabalho, que tem como marco - um autêntico divisor de águas - o disco Paralelo 30, com seis músicos. "Naquele tempo, gravar um disco era como ganhar na Loto", relata Patineti.

De Alegrete ao Rio de Janeiro

Patineti com Paixão Côrtes e Guri de Uruguaiana no Araújo Vianna

Patineti com Paixão Côrtes e Guri de Uruguaiana no Araújo Vianna


/CARLOS CORTES/DIVULGAÇÃO/JC
Viajando para cidades do Interior como vendedor de discos, Patineti mantinha as antenas ligadas para o que acontecia em rádios, circos e exposições agropecuárias. De vez em quando, descobria um talento musical, animando-se a enveredar firmemente na atividade de produtor fonográfico.
Certo dia, estava em Alegrete visitando lojas quando foi atraído por uma aglomeração na porta de uma igreja. Rolava ali um inusitado desafio de trova entre um padre e um sujeito todo pilchado. O gaudério debochado era Gildo de Freitas, que logo gravaria o disco que o tornaria "rival" de Teixeirinha, o maior ídolo do cancioneiro riograndense, na época.
Um resumo da história dirá que após uma década (os anos 1960) Patineti mesclou sua carreira no mundo da música ao se transferir do rádio para a revenda de discos e a produção de discos e shows. No final daquela década, Patineti já circulava com desenvoltura nos bastidores dos festivais de música promovidos por emissoras de TV do Centro do País. Tanto que participou do júri do Festival MPB Shell promovido pela TV Globo.
Na primeira vez, em 1980, ele não conhecia nenhum dos jurados. Na hora de compor a mesa, combinou com outro jurado gaúcho, o jornalista Danilo Ucha, de sentarem juntos, mas deixando entre ambos uma cadeira vazia para que pudessem enturmar com alguém do Rio ou São Paulo. A cadeira foi ocupada por uma jovem loirinha que se apresentou como apresentadora da TV Manchete. Era Xuxa, em início de carreira. Bom para os três.
Num dos festivais seguintes, Patineti foi presidente do júri, fazendo-se reconhecer como embaixador da música gaúcha no Rio. Foi assim que o produtor Albino Pinheiro, líder da folclórica Banda de Ipanema, lhe abriu as portas do Teatro João Caetano para expor artistas gaúchos na grande vitrine que foi o Show Seis e Meia, com ingressos a dois cruzeiros, nos finais de tarde, em 1982. Deu-se ali o cruzamento dos festivais de música nativa com o showbizz carioca. Depois de vencer a Califórnia de Uruguaiana, cantores gaúchos como Jerônimo Jardim, Bebeto Alves e os irmãos Kleiton e Kledir foram tentar a vida artística no Rio. Alguns deram certo, outros voltaram. Entre os que emplacaram nacionalmente, destacam-se gaudérios como Gaúcho da Fronteira e Porca Véia, que descobriram um enorme mercado consumidor de discos nos estados do Centro-Oeste povoados por migrantes gaúchos. Foram tantas experiências (boas e ruins) que Ayrton dos Anjos afirma: "Não há fórmula para o sucesso". Quem manda é o acaso combinado com a ocasião, tudo temperado pela mão do produtor, respeitado o feeling do artista. "Eu gravo!" foi o bordão do produtor, que abriu caminho ao gravar as músicas dos festivais de música nativa.

Bertussi, Biriva e Borghetti

Entre muitas recordações da carreira, uma com Beth Carvalho

Entre muitas recordações da carreira, uma com Beth Carvalho


/ARQUIVO PATINETI/DIVULGAÇÃO/JC
São tantas histórias que, de repente, Patineti desata a contar como gravou o CD Palanque do Rio Grande, com Fioravante Bertussi, pai dos irmãos Bertussi. Gravação agendada para a serra gaúcha, Patineti se deu conta de que o velho Bertussi, asmático, não conseguiria tocar por muito tempo seu instrumento - um clarinete. Não desistiu. Convocou alguém para ficar ao lado do músico com a droga apropriada para aliviar-lhe a falta de ar. Intercalando o instrumento de sopro com a bombinha de broncodilatador, concluiu-se a gravação. Feliz da vida com sua estreia em disco, o velho serrano prometeu um bezerro ao produtor, que nunca foi buscar o presente. Anos mais tarde, quando se lembrou de cobrar a promessa a um dos irmãos Bertussi, Patineti recebeu como resposta uma gaitada: "Chiii, esse boi morreu de velho".
Tem ainda a história do cantor tradicionalista nascido em Horizontina. Patineti estava no escritório (então na avenida Farrapos) quando chegou um legítimo alemão-batata do Interior. Era o senhor Leonhardt, que se apresentou com os bolsos cheios de dinheiro, disposto a pagar o que fosse para o filho gravar um disco. Patineti pediu calma e explicou que simplesmente gravar um disco seria botar dinheiro fora. O certo seria o guri inscrever-se num festival para aparecer na mídia, participar de shows alheios e só então lançar um disco com possibilidade de êxito. E, claro, teria de adotar um nome artístico, pois um gaudério com sobrenome alemão não iria longe na trilha do sucesso. O velho seguiu o conselho e alguns anos depois o garoto ganhou um troféu no festival em Carazinho. Em 1986, Rui Biriva gravou seu primeiro disco, tornando-se um artista cancheiro em palcos do Sul - morreu em 2011 aos 53 anos.
Uma história que ele gosta de contar é o quanto demorou a se convencer de que Renato Borghetti tinha vocação para o sucesso. Ele conhecia o pai do gaiteiro como corretor imobiliário - os dois se encontravam no verão na praia de Albatroz -, mas de primeira achava que não cabia misturar negócios com a vida artística. Além disso, ficou uns meses cabreiro diante da estampa do jovem gauchinho cabeludo do Bom Fim. No fim, gravou e deu certo: Borghettinho simplesmente "estourou" após apresentar-se num festival de música nativa.
São centenas de histórias e nem todas terminam em sucesso. Patineti lembra naturalmente dos "causos" mais antigos. Recentemente, resgatou uma foto em que aparece com os músicos do Raça Negra, conjunto que ajudou a lançar há mais de 30 anos. Eles estiveram recentemente em Porto Alegre e, sabe-se lá como, lotaram um enorme auditório. Olhando bem a foto, acabou se lembrando de quanto gosta(va) de circo - uma reminiscência da infância, anterior ao fascínio pelo rádio. "Eu ainda vou montar um circo", anuncia ele, certo de que não lhe faltarão atrações.