O cineasta norte-americano Richard Linklater foi aclamado nos últimos anos por mostrar o amadurecimento e a passagem do tempo em dois projetos: a trilogia do Antes, que acompanha um casal em três filmes, Antes do amanhecer (1995), Antes do pôr do sol (2004) e Antes da meia-noite (2013), e Boyhood (2014), filme sobre o crescimento de um garoto, gravado ao longo de 12 anos. O filme nacional Alguma coisa assim, que estreia na quinta-feira, segue na mesma esteira - embora seja um trabalho de proporção menor.
Com direção de Esmir Filho e Mariana Bastos, o longa-metragem apresenta dois jovens adultos que vivem um relacionamento difícil de rotular, em três momentos de uma década. Cenas gravadas em 2006, 2013 e 2016 se misturam no enredo de forma não cronológica: a narrativa mostra Caio (André Antunes) chegando em Berlim, onde reencontra Mari (Caroline Abras), amiga que, na adolescência, presenciou a primeira vez que ele beijou um homem, ainda em São Paulo.
O filme tem o mesmo nome do curta-metragem que Esmir Filho e Mariana Bastos dirigiram em 2006 - o qual lhes rendeu um prêmio no Festival de Cannes e hoje está disponível para streaming gratuito na plataforma Vimeo. Mais tarde, a equipe se juntou para imaginar o que teria acontecido com aqueles personagens em um novo curta, Sete anos depois. Com material adicional, no entanto, perceberam que seria possível montar um longa - e, passado mais um tempo, foram rodar o fim da história em Berlim, onde se passa a maior parte da narrativa apresentada agora.
Alguma coisa assim, entretanto, não é apenas sobre uma relação de amizade e parceria. É com um misto de indiferença e curiosidade que os personagens percebem que a balada à qual foram há uma década não existe mais, por exemplo. A cena em questão não deixa de ser um apontamento dos roteiristas sobre a especulação imobiliária e os novos edifícios que insistem em brotar nas metrópoles brasileiras, mas serve também como metáfora para as reformas interiores pelo qual passaram os protagonistas.
Se as imagens captadas anteriormente contam a trajetória desses personagens, o que move o enredo ocorre no presente. O reencontro entre Caio e Mari não é só de maravilhas. Ela vive em apartamentos da empresa para a qual trabalha, se mudando conforme os imóveis são vendidos; ele chega à Alemanha para uma pesquisa temporária na área da medicina. Os dois sempre tiveram suas diferenças e chegaram a se distanciar, e a reaproximação tensiona aspectos dessa parceria.
Através do somatório dos diferentes momentos, Esmir Filho (responsável pelo premiado Os famosos e os duendes da morte) e Mariana Bastos apresentam um recorte cheio de questões para reflexão. Entram em pauta aborto, sexualidade, casamento, convenções e outras formas de família. Mas o maior mérito dos realizadores é que, mesmo que algumas questões fiquem abertas de forma claramente intencional, é a naturalidade dos personagens (e não lacunas na narrativa) aquilo que mais desperta a curiosidade a respeito de outros detalhes sobre os protagonistas.
Como curiosidade, o Alguma coisa assim original (2006) foi o primeiro trabalho no cinema de Caroline Abras (de projetos televisivos como Felizes para sempre? e Mecanismo, além de filmes como Sangue azul). Rosto menos conhecido pelos espectadores, André Antunes é psicanalista e professor: ele interrompeu sua carreira de ator após o curta e a retomou justamente para dar continuidade ao projeto. Completam o elenco artistas como o ator alemão Clemens Schick, que participou de 007 - Cassino Royale.