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Cultura

- Publicada em 25 de Junho de 2018 às 01:00

Na sétima década, grandes cantores brasileiros lidam com a ação do tempo em suas vozes

Ney Matogrosso é dono de uma das mais preservadas cordas vocais de sua geração

Ney Matogrosso é dono de uma das mais preservadas cordas vocais de sua geração


CRISTIANE MOREIRA/DIVULGAÇÃO/JC
Ney Matogrosso, 76 anos. Roberto e Erasmo, 77. Gil, Caetano e Milton, 75. Chico Buarque, 73. Gal Costa, 72. Maria Bethânia, 71. Aos 20 anos, eles não imaginavam que o som que dava significado a suas existências, produzido por um engenhoso aparelho formado por um tecido musculoso no interior de suas laringes e amplificado por um alto-falante natural nas regiões de faringe, boca e nariz, teria prazo de validade. Ao viverem a sétima década, os principais timbres do Brasil lidam com a ação do tempo. Quem a usou bem, canta mais alto.
Ney Matogrosso, 76 anos. Roberto e Erasmo, 77. Gil, Caetano e Milton, 75. Chico Buarque, 73. Gal Costa, 72. Maria Bethânia, 71. Aos 20 anos, eles não imaginavam que o som que dava significado a suas existências, produzido por um engenhoso aparelho formado por um tecido musculoso no interior de suas laringes e amplificado por um alto-falante natural nas regiões de faringe, boca e nariz, teria prazo de validade. Ao viverem a sétima década, os principais timbres do Brasil lidam com a ação do tempo. Quem a usou bem, canta mais alto.
Gil está prestes a lançar seu disco, fisicamente, mais desafiador. Será o primeiro com canções inéditas depois de uma série de internações em 2016 para tratar uma insuficiência renal que minou a saúde e o espelho da alma, a voz. Em alguns momentos ao lado de Caetano, na turnê mundial que fizeram, sua voz foi ao limite. "Ele estava em frangalhos na noite em que vi", diz o pesquisador Zuza Homem de Mello, sobre um show de São Paulo. "Impressionante que tenha se recuperado."
Gil tem outro complicador. Mesmo depois de 2007, quando foi submetido a uma cirurgia para retirar dois cistos das cordas vocais, sua postura diante de um microfone nunca foi das mais heterodoxas. Os falsetes gritados que marcam improvisos em regiões superagudas não medem esforços para alcançar as notas que imagina. "Gil fez muitos Carnavais assim, e briguei com ele várias vezes", conta Caetano Veloso. "Em vez de descansar a voz, gritava mais e mais." Ney Matogrosso ouviu do próprio amigo um arrependimento. "Ele me disse que os nódulos que surgiram foram por causa dos gritos que dava."
Caetano está no lado oposto. Sem o mesmo brilho dos 40 anos, década de vida que os especialistas dizem ser o auge do vigor vocal, ele tem usado bem o vibrato espaçado que criou cantando em regiões de tonalidades confortáveis. "É, hoje, a melhor voz de sua geração", relata Mello.
A profissional mais procurada por essa geração do meio artístico tem sido a fonoaudióloga mineira Janaína Pimenta, 44 anos. Alguns de seus pacientes são Chico Buarque, Milton Nascimento e Gilberto Gil. Ela concorda com a afirmação de que não há uma cultura de prevenção no meio, mas diz que existe recuperação intensa mesmo para casos dramáticos. "Aos 20 anos, eles cantam a noite toda, dormem pouco e já é o bastante para recuperarem. Aos 40, essa recuperação começa a ficar mais lenta. Aos 50, é ainda mais difícil." A demanda de shows das novas gerações pode piorar o tempo de vida vocal em um futuro próximo.
Um dos casos recentes que ela cita como mais notórios foi o de Milton Nascimento, que tem um disco de voz e violão, sem músicas inéditas, para lançar ainda neste ano, com o violonista Wilson Lopes. O homem que Elis Regina chamou de "a voz de Deus" viveu problemas em 2015 e 2016. "Tive primeiro uma depressão e, então, o agravamento da diabete", conta ele. Janaína diz que o estado de Bituca - ela o chama pelo apelido - preocupava. "Não conseguia andar, estava com a voz fatigada." A saúde frágil trouxe rouquidão e fraqueza muscular, e Milton começou a fazer exercícios, a princípio, a contragosto. "É como musculação, os músculos vão se recuperando."
A turnê de Bituca iniciada em 2017 seguiu, muitas vezes, com a especialista na plateia. "A recuperação tem sido assustadora", relata ela. Outros profissionais não apostam tanto. "Não acredito que ele volte a ser o que era", diz uma fonte que não se identifica.
Homem sem voz na música brasileira pode cantar desde João Gilberto. Mais precisamente, desde seu álbum Chega de saudade, de 1959. Chico Buarque, um descendente direto desse canto, é o aluno mais aplicado de Janaína. Ela compara sua performance de oito anos com a turnê do álbum Caravanas e percebe a melhora. Chico assumiu-se um atleta vocal, seguindo desde o aquecimento diário, passando por todos os exercícios e terminando com o desaquecimento.
A relação com a voz para artistas que jamais pensaram em como chegariam aos 70 se tornou um ato pessoal e intuitivo. Ney Matogrosso, considerado dono de uma das mais preservadas cordas vocais de sua geração, diz que nunca fez nada para isso. "Só não entro em ar-condicionado." Moraes Moreira, perseguido por uma rouquidão limitante, prepara um disco com um single já lançado no Spotify. "Realmente, no momento, prefiro o novo repertório, com o qual posso exprimir a minha voz aos 70 anos. Sou que nem cigarra e vou cantar até o papo estourar."
Zé Ramalho relata que pensou no futuro. "Desde o início, há mais de 40 anos, procurei educar meu canto." Erasmo Carlos fala em um tom do quanto pior, melhor. "Nunca fui cantor. Cantor é Ney Matogrosso, é Roberto Carlos. Quando fico rouco, acho que fico até melhor. A única coisa que não faço é gritar. Quero chegar ao coração das pessoas sem precisar fazer isso."
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