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Teatro

- Publicada em 17 de Junho de 2022 às 03:00

Melodrama explora falta de ética da humanidade

Antonio Hohlfeldt
A estreia de Quando eu for mãe quero amar desse jeito, de Eduardo Bakr, foi uma excelente oportunidade para a gente reencontrar um teatro cheio: Vera Fischer continua sendo um magneto extraordinário para o público, e quem a assiste, enfim, confirma que isto não é lenda, mas a simples e pura verdade. Depois, foi um ótimo teste para saber que Tadeu Aguiar não é apenas um excelente diretor de musicais, como o recente A cor púrpura, mas é um meticuloso diretor de atores. Enfim, apesar do frio, ficou evidente que algumas plateias se encantam com peças leves, engraçadas - desde que inteligentes - e que não preocupem demais a gente. Afinal, já temos tantas tragédias para enfrentar, como a do recente assassinato de um indigenista e de um jornalista na selva amazônica... O mais fantástico, é descobrir que a receita de chamada pièce bien faite (peça bem feita), inventada pelos dramaturgos franceses no século XIX, continua eficiente e sedutora.
A estreia de Quando eu for mãe quero amar desse jeito, de Eduardo Bakr, foi uma excelente oportunidade para a gente reencontrar um teatro cheio: Vera Fischer continua sendo um magneto extraordinário para o público, e quem a assiste, enfim, confirma que isto não é lenda, mas a simples e pura verdade. Depois, foi um ótimo teste para saber que Tadeu Aguiar não é apenas um excelente diretor de musicais, como o recente A cor púrpura, mas é um meticuloso diretor de atores. Enfim, apesar do frio, ficou evidente que algumas plateias se encantam com peças leves, engraçadas - desde que inteligentes - e que não preocupem demais a gente. Afinal, já temos tantas tragédias para enfrentar, como a do recente assassinato de um indigenista e de um jornalista na selva amazônica... O mais fantástico, é descobrir que a receita de chamada pièce bien faite (peça bem feita), inventada pelos dramaturgos franceses no século XIX, continua eficiente e sedutora.
Seus criadores foram Eugène Scribe e Victorien Sardou, a partir dos anos 1820. Consiste num enredo realista (antecipando o realismo) mas com inúmeras viradas no andamento da intriga, de tal maneira que o público deve ser sempre surpreendido pelo que ocorra, ainda que, evidentemente, com o passar do tempo, a gente já possa supor o que ocorrerá. Mesmo assim, o desafio do dramaturgo era saber combinar as alternativas que o cardápio lhe oferecia, de maneira a interessar o público. Para quem odeia este tipo de obra, por sua aparente falta de criatividade e artisticidade, é bom que se lembre que na tragédia grega todo o espectador já conhecia a história que iria ser representada: tratava-se, antes, de saber como ela iria ser organizada pelo dramaturgo. Ou seja, o "mito", como queria Aristóteles, era conhecido, o que importava era a trama a ser desenvolvida. Também a comedia dell arte tinha um repertório aparentemente repetitivo de enredos, mas que milagres se fazia com isso!!!
A exigência pela criatividade surgiu com o romantismo. Antes, qualidade significava competência para emular os clássicos, basta ler Horácio. Pois bem, Eduardo Bakr mostrou saber muito bem disso. Sem ser francês, sem estar no século XIX, escolheu a preservação do nome de família - e ofereceu ao público um engraçado e inteligente jogo de xadrez de que se abole a moralidade e a ética. Há perspectiva mais atual do que esta para nosso século XXI, especialmente no Brasil, onde o "jeitinho" é sempre a regra?
Se o texto de Bakr é desafiador, neste sentido, com frases rápidas, curtas, precisas, cortantes, com entreditos e subentendidos, a direção de Aguiar foi, mais do que fiel, e valorizou o texto original. Os jogos corporais de Mouhamed Harfouch, por exemplo, são hilários, sem cair no pastelão; as ênfases frasais de Vera Fischer sabem valorizar sua tonalidade mais grave da voz; Larissa Maciel, aparentemente distante e fria, encarna justamente a personagem que deve ter frieza e distanciamento para conseguir chegar ao objetivo que almeja. No final, tudo se ajeita: o desafio entre sogra e nora se equilibra, inclusive com a sogra tomando a iniciativa de se afastar do caminho do casal. O filho é sempre um pobre boneco em meio às manipulações das duas mulheres - livra-se de uma e cai nas mãos da outra - versão tropical do Macbeth que quer o poder mas não quer sujar as mãos, porque de inocente ele nada tem - e a nora, sem qualquer remorso pela morte da sogra, encarna-a literalmente, na medida em que a peça se encerra justamente com a ênfase que lhe dá título. A jovem Gardênia se torna a habilidosa Dona Dulce Carmona. Com certeza, o nome de família vai ser preservado.
O cenário de Natália Lana funciona bem para as saídas e entradas das cenas, inclusive para a troca de figurinos (de Dani Vidal e Ney Madeira, aliás, herança do gênero, que fazia parte do grande conjunto dos melodramas do final do século XIX). Gardênia, aliás, ironia extrema, é uma flor chinesa que significa doçura e amor secreto, tudo o que ela não é.
Admirei o senso de humor de Vera Fischer, que desconhecia. O elenco é extremamente equilibrado (evidência da eficiência do diretor) e por tudo isso, a peça flui, agrada e diverte. A gente pode assistir, rir e sair do teatro sem qualquer sentido de culpa. Como diz Dona Dulce, a humanidade não presta, mesmo.
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