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Teatro

- Publicada em 20 de Maio de 2022 às 03:00

A tristemente oportuna montagem de 'A cor púrpura'

Antonio Hohlfeldt
Certamente quando Alice Walker escreveu A cor púrpura, em 1985, jamais poderia imaginar a carreira que seu romance teria no futuro. Levado à tela, enquanto musical, por Steven Spielberg, em 1988, a obra foi indicada a 11 Oscar, inclusive o de Melhor Atriz, enquanto o romance ganhava o Pulitzer. Os fatos fortemente denunciados por Alice Walker - a segregação racial, o machismo, a violência doméstica contra as mulheres, a miséria, de modo geral, que marca o sul dos Estados Unidos - foram situações que não se resolveram com o passar dos anos. Pelo contrário. E a obra, por conta disso, continuou guardando seu interesse, não mais apenas interno, mas universal. E no caso do Brasil, muito mais. É bom lembrar que somos um dos países com o maior índice de violência doméstica contra mulheres. A lei Maria da Penha ajudou, mas em hipótese alguma resolveu o problema. Ainda neste ano, no carnaval carioca, tivemos destaque para temas vinculados à cultura afrodescendente do nosso país. Juntemos tudo e podemos entender porque um produtor brasileiro teria interesse em financiar uma obra deste tipo.
Certamente quando Alice Walker escreveu A cor púrpura, em 1985, jamais poderia imaginar a carreira que seu romance teria no futuro. Levado à tela, enquanto musical, por Steven Spielberg, em 1988, a obra foi indicada a 11 Oscar, inclusive o de Melhor Atriz, enquanto o romance ganhava o Pulitzer. Os fatos fortemente denunciados por Alice Walker - a segregação racial, o machismo, a violência doméstica contra as mulheres, a miséria, de modo geral, que marca o sul dos Estados Unidos - foram situações que não se resolveram com o passar dos anos. Pelo contrário. E a obra, por conta disso, continuou guardando seu interesse, não mais apenas interno, mas universal. E no caso do Brasil, muito mais. É bom lembrar que somos um dos países com o maior índice de violência doméstica contra mulheres. A lei Maria da Penha ajudou, mas em hipótese alguma resolveu o problema. Ainda neste ano, no carnaval carioca, tivemos destaque para temas vinculados à cultura afrodescendente do nosso país. Juntemos tudo e podemos entender porque um produtor brasileiro teria interesse em financiar uma obra deste tipo.
A primeira observação que fiz, logo ao chegar ao teatro, é que havia um outro tipo de espectador. Não era um público branco, ou essencialmente branco. Em alguns grupos os negros eram, inclusive, maioria evidente. E dentro do teatro, já os espaços todos tomados, isso ficou ainda mais visível. É a primeira grande vitória desta iniciativa, inclusive se levarmos em conta que o diretor do espetáculo, Tadeu Aguiar, é um homem branco. É assim que a gente quebra o preconceito: a violência contra as mulheres não é problema das mulheres. É dos homens. O preconceito racial não é um problema dos negros, é dos brancos. E por isso não me surpreendeu que, durante as longas três horas de duração do espetáculo, o divertimento tenha se transformado, de certo modo, num ritual de identificação, de protesto e marcação de posições. Basta observar as falas finais da personagem da extraordinária Letícia Soares, a Celie, verdadeira heroína de toda a história.
Mas engana-se quem pensa que se trata de um trabalho de protesto, de um discurso ideologizado etc. Não: é um excelente produto de entretenimento, um milagre que só o teatro pode alcançar. O romance e o filme tiveram uma adaptação de Marsha Norman. Os textos originais foram traduzidos por Artur Xexéo, falecido de um câncer no ano passado, mas que chegou a ver a estreia. A direção musical de Tony Lucchesi, a cenografia de Natália Lana - com um palco giratório manual, movimentado através de trilhos, com seis metros de diâmetro! - a coreografia - surpreendente - de Sueli Guerra, tudo isso transformou a ideia e o discurso num verdadeiro espetáculo. Por fim, os figurinos de Ney Madeira e Dani Vidal, múltiplos e impecáveis.
Imagino o longo e difícil processo de seleção dos atores. Letícia Soares, que ganhou o prêmio de Melhor Atriz de musicais, reparte as atenções com Merícia Cassiano (Nettie, sua irmã menor), Flávia Santana (Shug Avery) e Erika Affonso (Sofia), evidenciando o naipe feminino de protagonistas. Mas há os contrapontos nas figuras de Carrasco Mister (Sérgio Menezes), Alan Rocha, que vive um inesquecível Harpo, Leandro Vieira, como Buster, e assim vamos indo. Suzana Santana, Hannah Lima e Cláudia Noemi encarnam três narradoras, vizinhas, fofoqueiras, talvez lembrando as bruxas do Macbeth shakespeareano, a antecipar e comentar os acontecimentos: são importantes como ligação entre as partes narrativas. O conjunto coral, a coreografia, a corretíssima interface criada entre o elenco e o cenário, constantemente modificado pelos próprios atores, tudo está muito bem ensaiado e funciona., o tempo todo. O mesmo deve-se dizer do material técnico: não houve uma falha, um som perdido. É como no futebol: funciona tão bem que a gente esquece e pode se concentrar no que assiste. E aquilo a que se assiste, é triste, é horrendo, mas é belo, artisticamente falando, como queria Victor Hugo no prólogo do seu Hernani.
Um momento diferenciado teve todo aquele que foi ao Teatro do Sesi assistir a este trabalho. E o mais importante: houve ingressos especiais para os grupos de EJA da cidade, a mostrar que a equipe não quer só dinheiro, mas transforma o teatro em missão social. Bonito, sobretudo, nestes tempos bicudos.
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