Com uma história de cerca de 40 anos dedicada ao teatro, o diretor, produtor e ator Oscar Simch estreou, no ano passado, um espetáculo solo que chega agora aos palcos da cidade, tendo cumprido duas únicas apresentações no Teatro de Arena, no âmbito do Porto Verão Alegre. Certamente, Simch teria muito o que contar, se quisesse falar de suas experiências de palco. Mas preferiu algo mais humilde e, ao mesmo tempo, mais provocativo, se quisermos, porque alude, ainda que indiretamente, ao contexto que vivemos de preconceitos e perseguição aos "diferentes", aos "outros" e, sobretudo, à arte, aos artistas e cientistas. Curiosa Mente é tudo isso, e um pouco mais, transformando-se, assim, numa espécie de crônica dramatizada sobre acontecimentos variados que, ao mesmo tempo em que denuncia episódios históricos, chama a atenção para outros bem menos conhecidos, ou totalmente desconhecidos, valorizando o papel social da ciência, mas, sobretudo da arte.
O roteiro começa com uma referência a Goethe em Taormina, e conclui com um preito ao jovem Albert Einstein: entre os dois momentos, num show de uma hora de duração, referências às teorias quase proféticas de Demócrito, que defendia reduzir-se toda a realidade física a uma única indivisível a que chamou átomo. Destruídos os escritos de Demócrito pelos cristãos, o poeta romano Lucrécio fixou suas teorias na obra De rerum natura, que assim chegou ao nosso tempo, sendo a teoria depois confirmada por Einstein. Para Simch, eis a relação ideal entre Ciência e Arte. É sob esta perspectiva, mostrando quanto cientistas e artistas, em geral, são incompreendidos e perseguidos ao longo da história (e daí a relação com o atual contexto, muito especialmente o brasileiro).
Simch, que roteirizou o espetáculo, dirigiu e atua, dinamiza o espaço de proximidade do Teatro de Arena, acompanhado apenas de um tecladista. Aliás, na abertura e no encerramento do trabalho, o ator mostra uma outra faceta, que é a de intérprete musical, inclusive enfrentando melodia de difícil interpretação.
No roteiro, vamos conhecendo, por exemplo, os amores de Marcel Duchamp, ou a importância de uma artista brasileira pouco conhecida, Maria Martins, que teve intensa relação amorosa com o artista europeu; refletimos sobre a peça Os fuzis da Senhora Carrar, de Bertolt Brecht, através da qual Simch busca destacar as alternativas de expressão e de responsabilidade social que se colocam, na História, para cada um de nós, e assim por diante. Aliás, as personagens femininas têm grande espaço no espetáculo do ator, inclusive a poeta russa Anna Akhmátova que, proibida pelo regime de Stalin, de até mesmo escrever poemas e guardá-los em casa, desenvolveu engenhoso processo de declamar e fazer decorar suas obras. Por sinal, é com Akhmátova que Simch se permite a proximidade com Goethe, que abrira o espetáculo, pois ela viria a receber um prêmio internacional de poesia justamente em Taormina...
O espetáculo, pois, é assim. Muito simples, tem tom de conversa, estrutura-se como aqueles antigos almanaques em que se encontravam, além de orientações para o desenvolvimento das plantações agrícolas, informações curiosas e variadas. Auxiliado por um caderno, que consulta permanentemente, Simch desenvolve seu roteiro e vai desfilando suas histórias. Não é exatamente o ator cômico a que nos acostumamos em obras como A verdadeira história de Édipo rei ou Os homens de perto. Mas também não é o ator dramático de obras como No natal a gente vem te buscar ou Gaspar Hauser, que ele dirigiu, em 1986. É, sobretudo, um artista talentoso, é a pessoa Oscar Simch que, distanciado do público, por causa da pandemia, idealizou um espetáculo em que reencontra seu público e, sobretudo, reafirma o poder e a função social da ciência e da arte.
O espetáculo é um bom momento de descontração, mas também de reflexão, resultados a que só um grande intérprete pode chegar.
Ah, sim, o título: é isso mesmo, a mente humana é curiosa. Ela é tão criativa, em seus melhores momentos, quanto destrutiva, em seus desvios. Alguém duvida? Basta olhar em torno...