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Teatro

- Publicada em 19 de Novembro de 2021 às 03:00

Reencontro com avós, mães e filhas

Antonio Hohlfeldt
Em A avó da menina, projeto que ganhou espaço em edital do Instituto Ling e que já comentei nesta coluna, tínhamos uma sensível reflexão sobre as relações entre avó e neta, com certa inflexão a respeito da questão da velhice e de seus desafios. Agora, em A mãe da mãe da menina, o mesmo grupo aprofunda a reflexão e reúne três gerações de mulheres, a avó, vivida ainda uma vez por Sandra Dani, cuja personagem é uma professora universitária de Literatura; a filha (que é também mãe), Liane Venturella (Marta), e a neta, Laura Hickmann (que é Júlia, uma jovem arquiteta). A proposta é a mesma: refletir de maneira poética mas crítica, a respeito dos diálogos (ou não) estabelecidos entre diferentes gerações de mulheres. Diferentemente do espetáculo anterior, contudo, em que a pesquisa - incluindo entrevistas com diferentes mulheres - foi o material de partida para o desenvolvimento de um roteiro de ficção, aqui a diretora Camila Bauer, a partir de um roteiro dela mesma, de Clóvis Massa e de Liane Venturella, levantam os panos da criação e trazem à cena, mesmo que a figura de Ruth Souza não apareça frente à câmara, o processo de concretização do trabalho, a partir daqueles mesmas entrevistas com múltiplas mulheres anônimas, a que se somam provocações junto às três atrizes, no que resulta um espetáculo inovador, esteticamente, e contundente, do ponto de vista comunicacional, porque as atrizes/personagens são levadas a recordar, a improvisar, a depor, além de interpretarem, enquanto atrizes. Porque é claro que elas estão realizando uma performance, isto é, um espetáculo (neste sentido, uma narrativa artificial): elas encarnam, cada uma, certa personagem que tem nome, profissão, uma identidade bastante bem esboçada. Ao mesmo tempo, na passagem de uma para outra cena, a intervenção da interlocutora/entrevistadora quebra esta artificialidade e provoca reflexões cuja expressão se torna ambígua: não mais sabemos se é a fala da personagem ou da atriz. Liane Venturella, especialmente, evidencia um envolvimento emocional mais profundo com a proposta, chorando várias vezes, em cena, numa exposição que evidentemente não foi planejada ou antecipada, mas que igualmente não foi descartada ou escondida, o que dá uma emocionalidade ao trabalho que ultrapassa limites que o espetáculo anterior respeitara, buscando, assim, novas experiências. Esta proximidade entre personagem/atriz e espectador é facilitada pela intermediação [e quase apagada] da câmara de Lucas Tergolina e Mateus Ramos, a partir da iluminação de Ricardo Vivian. Aliás, destaque especial para a cuidadosa escolha das locações externas, porque, se as internas, em geral, ocorrem em grandes planos (primeira pessoa, em que a atriz/personagem encara diretamente a câmara e, assim, olha nos olhos do espectador), as externas acontecem em espaços verdes da Casa na Chácara, com tomadas bonitas que potencializam as falas.
Em A avó da menina, projeto que ganhou espaço em edital do Instituto Ling e que já comentei nesta coluna, tínhamos uma sensível reflexão sobre as relações entre avó e neta, com certa inflexão a respeito da questão da velhice e de seus desafios. Agora, em A mãe da mãe da menina, o mesmo grupo aprofunda a reflexão e reúne três gerações de mulheres, a avó, vivida ainda uma vez por Sandra Dani, cuja personagem é uma professora universitária de Literatura; a filha (que é também mãe), Liane Venturella (Marta), e a neta, Laura Hickmann (que é Júlia, uma jovem arquiteta). A proposta é a mesma: refletir de maneira poética mas crítica, a respeito dos diálogos (ou não) estabelecidos entre diferentes gerações de mulheres. Diferentemente do espetáculo anterior, contudo, em que a pesquisa - incluindo entrevistas com diferentes mulheres - foi o material de partida para o desenvolvimento de um roteiro de ficção, aqui a diretora Camila Bauer, a partir de um roteiro dela mesma, de Clóvis Massa e de Liane Venturella, levantam os panos da criação e trazem à cena, mesmo que a figura de Ruth Souza não apareça frente à câmara, o processo de concretização do trabalho, a partir daqueles mesmas entrevistas com múltiplas mulheres anônimas, a que se somam provocações junto às três atrizes, no que resulta um espetáculo inovador, esteticamente, e contundente, do ponto de vista comunicacional, porque as atrizes/personagens são levadas a recordar, a improvisar, a depor, além de interpretarem, enquanto atrizes. Porque é claro que elas estão realizando uma performance, isto é, um espetáculo (neste sentido, uma narrativa artificial): elas encarnam, cada uma, certa personagem que tem nome, profissão, uma identidade bastante bem esboçada. Ao mesmo tempo, na passagem de uma para outra cena, a intervenção da interlocutora/entrevistadora quebra esta artificialidade e provoca reflexões cuja expressão se torna ambígua: não mais sabemos se é a fala da personagem ou da atriz. Liane Venturella, especialmente, evidencia um envolvimento emocional mais profundo com a proposta, chorando várias vezes, em cena, numa exposição que evidentemente não foi planejada ou antecipada, mas que igualmente não foi descartada ou escondida, o que dá uma emocionalidade ao trabalho que ultrapassa limites que o espetáculo anterior respeitara, buscando, assim, novas experiências. Esta proximidade entre personagem/atriz e espectador é facilitada pela intermediação [e quase apagada] da câmara de Lucas Tergolina e Mateus Ramos, a partir da iluminação de Ricardo Vivian. Aliás, destaque especial para a cuidadosa escolha das locações externas, porque, se as internas, em geral, ocorrem em grandes planos (primeira pessoa, em que a atriz/personagem encara diretamente a câmara e, assim, olha nos olhos do espectador), as externas acontecem em espaços verdes da Casa na Chácara, com tomadas bonitas que potencializam as falas.
Financiado pelo FAC da Secretaria de Estado da Cultura, esta é mais uma produção que evidencia a importância e o significado imenso que as iniciativas da titular da Sedac, Beatriz Araujo, tomou ao longo do ano passado, possibilitando financiamento de trabalhos que trouxeram novas realidades e revelaram/confirmaram talentos artísticos entre nós. Quando a pandemia passar (esperemos...) e façamos, com calma, um balanço de tudo o que aconteceu à Cultura, em meio ao caos e à desesperança que se instalou veremos que ao menos a Sedac fez o que lhe competia, ultrapassou expectativas e, sobretudo, ajudou a concretizar trabalhos que certamente ficarão na história mais recente de nossas artes plásticas. Porque, se é certo que estes dois espetáculos foram provocados sobretudo a partir do contexto ainda por nós vivido, também é certo que eles ultrapassam, totalmente, este contexto e, neste sentido, se colocam como obras cujo depoimento sem universaliza e ultrapassa os tempos.
A produção de Letícia Vieira, uma vez mais, evidencia competência e respeito pelos artistas, do mesmo modo que valoriza a relação com o espectador. Registre-se, por mim, que A mãe da mãe da menina, quando, um dia, chegar ao palco, sem o atravessamento do olho mágico da câmara, vai se reinventar, evidenciando, então, com clareza, o quão criativo e inventivo foi este trabalho e que, por isso mesmo, ao lado de seu antecessor, tende a ficar.
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