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Teatro

- Publicada em 16 de Julho de 2021 às 03:00

Personagem grega, mas contemporânea

Antonio Hohlfeldt
Embora Derrota seja o primeiro texto do dramaturgo grego Dimitris Dimitriadis a ser encenado no Brasil (e traduzido, certamente, creio que pela própria atriz e diretora Liane Venturella), não se trata de um jovem autor. Ele é natural da Tessalônica, onde nasceu em 1944, ou seja, tem atualmente 77 anos de idade. Começou sua carreira estudando em Bruxelas, onde escreveu o primeiro texto dramático, O preço da revolta no mercado negro (1965-1966) e sua obra, que se distribui entre a prosa e a poesia, tem sido não só estudada pelos principais teóricos do drama europeu contemporâneo, quanto encenada em centros e por diretores de referência. Derrota faz parte de um conjunto denominado Oblivion e mais 4 outros monólogos, sendo os demais textos Memória, Arrependimento e Arte (todos do ano de 1997).
Embora Derrota seja o primeiro texto do dramaturgo grego Dimitris Dimitriadis a ser encenado no Brasil (e traduzido, certamente, creio que pela própria atriz e diretora Liane Venturella), não se trata de um jovem autor. Ele é natural da Tessalônica, onde nasceu em 1944, ou seja, tem atualmente 77 anos de idade. Começou sua carreira estudando em Bruxelas, onde escreveu o primeiro texto dramático, O preço da revolta no mercado negro (1965-1966) e sua obra, que se distribui entre a prosa e a poesia, tem sido não só estudada pelos principais teóricos do drama europeu contemporâneo, quanto encenada em centros e por diretores de referência. Derrota faz parte de um conjunto denominado Oblivion e mais 4 outros monólogos, sendo os demais textos Memória, Arrependimento e Arte (todos do ano de 1997).
A personagem feminina de Derrota encontra-se sozinha e o monólogo que desenvolve se inicia com a revelação de que pretende chegar ao "coração do sonho" e nele mergulhar de tal modo que não mais retorne, integrando-se/dissolvendo-se inexoravelmente. No monólogo de 35 minutos de duração, ela reconhece a importância do fato, que identifica enquanto o mundo. E revela que seu grande desafio tem sido se "reconhecer", que a levaria ao "ser" (observe-se que este conceito está contido naquele). De imediato, duas outras questões são trazidas à baila: a personagem entende que, apesar de passarmos pela vida e aparentemente desaparecermos, sempre fica nossa marca, algo de nós, ainda que não saibamos o quê. Por outro lado, tendo sempre imaginado e desejado "um outro mundo", a personagem, enfim, se dá conta de que este "outro mundo" não pode se opor ou separar daquele original, que ela pretendia reformar. Ambos necessitam um do outro e só enquanto um duplo, uma oposição complementar, alcançam sua unidade (a filosofia de Edgar Morin certamente tem bebido desta fonte).
A personagem registra, com humildade que, tendo se dedicado a discursar, nada alcançou. Ela apenas vai falar (pressupõe-se "dialogar", porque ela se encontrava sobre a cama e à janela, onde fumava, no alto de um prédio, mas se deslocou até o olho da câmara - o espectador - com quem agora conversa. No desenvolvimento da cena, cujo texto é propositadamente reiterativo, avançando lentamente, ela sabe estar só, e estar vencida. Mas adverte que a "derrota" (que dá título à obra) foi por ela aceita e que tal aceitação levou-a à integração desejada. Agora, ela pode deitar e dormir, definitivamente.
É evidente que Derrota é um rito de passagem vivido pela personagem. Para que melhor se entenda seu sentido, há que voltar à mitologia grega. Hypnos, deus do Sono, é filho do Érobo (Escuridão) e de Nix (a Noite). Possui um irmão gêmeo, Tânatos (a morte) e da relação com Pasítea, uma das Graças, nasceram mais de mil filhos, um dos quais Morfeu, o Sonho, que cuida do pai que vive no interior muito profundo de uma caverna, onde jamais pode ser incomodado. Corre próximo o rio Lete (Esquecimento). Homero e Hesíodo, dentre os autores gregos clássicos, mencionam Hypnos inúmeras vezes. Este nome sugeriu o termo "hipnose", assim como de Morfeu se originou "morfina", nos diferentes campos da medicina. Também deve-se lembrar que, para enfrentar o esquecimento, existia Mnemósine, a Memória, sendo uma de suas filhas Clio, a História. Um excelente estudo sobre este conjunto de temas pode ser encontrado em Mito & pensamento entre os gregos (Jean-Pierre Vernant, Editora Paz e Terra).
Se o mundo contemporâneo se caracteriza pela fragmentação e a solidão, provocado pelo isolamento e a individuação, levando-nos à perda da memória e, por conseguinte, do sentido da História, parece ser desejo do dramaturgo grego uma reintegração com o Cosmos, que é também a comunidade humana. A simbologia da peça, propondo a aceitação dos diferentes (ou da diferença) é evidente. E atual.
A aqui atriz Liane Venturella, sob a direção de Camila Bauer, concretiza uma encenação que, se no teatro ao vivo estivéssemos, exigiria um pequeno espaço que aproximasse o espectador/testemunha/interlocutor da personagem. A câmara, no entanto, faz esta aproximação. A personagem nos olha de frente. Mas não desafia, dialoga, como ela diz. O espetáculo não serve para digressão, porque é agudo como o corte do bisturi, exige a adesão do espectador. Neste sentido, a inexistência de maquiagem na intérprete é fundamental. O vídeo de Julio Estevan e Nando Rossa, com iluminação de Ricardo Vivian, mais o figurino de Fabiane Severo e a trilha sonora de Álvaro RosaCosta alcançam a dramaticidade necessária. Liane é, sim, uma personagem grega. Contemporânea.
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