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Teatro

- Publicada em 19 de Fevereiro de 2021 às 03:00

Performances críticas pecam por falta de acabamento

Antonio Hohlfeldt
O projeto Cura - Mostra de Artes Cênicas Negras, realizado em dezembro de 2020, trouxe uma enorme variedade de atrações, o que foi altamente positivo, porque permitiu que se conhecessem diferentes manifestações, tanto em forma quanto em conteúdo. Escolhi, para esta coluna, dois espetáculos bem diversos, que têm a uni-los, se o leitor me permitir, a militância. Ambos os trabalhos repassam, com olhar crítico, realidades históricas (do passado e do presente) que envolvem a comunidade negra em nosso País.
O projeto Cura - Mostra de Artes Cênicas Negras, realizado em dezembro de 2020, trouxe uma enorme variedade de atrações, o que foi altamente positivo, porque permitiu que se conhecessem diferentes manifestações, tanto em forma quanto em conteúdo. Escolhi, para esta coluna, dois espetáculos bem diversos, que têm a uni-los, se o leitor me permitir, a militância. Ambos os trabalhos repassam, com olhar crítico, realidades históricas (do passado e do presente) que envolvem a comunidade negra em nosso País.
O primeiro é Encanto Zumbi, produção do Coletivo Montigente, com autoria, direção e interpretação de Gil Collares e ainda a participação dos músicos Daniel Braga e Cássio Machado, com iluminação de José Renato Lopes (expressiva, valoriza o movimento coreográfico do intérprete) e trilha sonora ainda de Gil Collares, além dos figurinos de Fabrizio Rodrigues e do próprio performer (excelente a ideia dos dois figurinos, o de Ganga Zumba e o de Zumbi, propriamente).
O motor do espetáculo é rememorar a saga de Ganga Zumba e de Zumbi, ou seja, de Palmares. A ideia é interessante, até porque, em geral, pouco se conhece dessa história verdadeira e, mesmo depois de escolhida a data de morte de Zumbi como a data comemorativa à comunidade negra no País, continua-se ignorando uma narrativa fidedigna daqueles acontecimentos, que chegam a falar em traição, coisa que o espetáculo aqui comentado prefere ignorar.
A ideia, como disse, é interessante, mas temos alguns problemas: pelo menos em sua primeira meia hora, está muito calcado no show Arena conta Zumbi, que o Teatro de Arena de São Paulo realizou e que inaugurou um virtuoso ciclo de espetáculos temáticos que pretendiam confrontar a visão histórica e conservadora de nossa história, ao longo dos anos da ditadura, sobretudo depois de 1968. O espetáculo ocorreu em 1965 e contava, dentre outros intérpretes, com Nara Leão, Zé Kéti e João do Vale, a partir de roteiro de Augusto Boal. É um marco de nosso teatro e, por consequência, é temeridade um intérprete, sozinho, pretender recriar aquele momento. Gil Collares, embora tenha uma voz de tonalidade excelente, por vezes escorrega na afinação, e a escolha pela interpretação solo não ajuda em nada o seu projeto. Se ainda contasse com um coro, isso ajudaria muito.
Quanto à coreografia, que deve ser dele mesmo, combinada com a narração dos acontecimentos, é bastante interessante, mas não aprofunda nem discute, de fato, nada, limitando-se a uma espécie de discurso que acaba esvaziado por falta de uma melhor articulação. O movimento de câmara também não ajuda, pois a câmara na mão, princípio do cinema novo, faz com que o imagem trema muito, o que é cansativo; e a passagem da personagem de Ganga Zumba para Zumbi, por exemplo, é demorada demais, o que poderia ter sido evitado se o editor do vídeo usasse o princípio primário do cinema que é o corte/montagem. Encanto Zumbi é uma boa ideia mas que não chega a se concretizar.
O outro trabalho é Retrospectiva preta 2020, criação de Dione Carlos e Grace Passô, com interpretação dela mesma e Novíssimo Edgar. Grace Passô é, para mim, hoje, a dramaturga mais importante do Brasil, mas esta performance não faz juz à sua criação anterior. Ela idealiza um telejornal que passa em revista o ano de 2020, destacando e comentando acontecimentos, positivos e negativos, que envolveram as comunidades negras do Brasil e do mundo. Assim, há referências à recente eleição da maior bancada de vereadores negros, ocorrida em Porto Alegre; as constantes mortes ocorridas na rede Carrefour, por causa de preconceitos racistas; os episódios dos Estados Unidos, e assim por diante.
Na tela, o espectador pode ler registros de frases que se repetem, ao longo de toda a performance, de pouco mais de meia hora de duração. O roteiro é consistente, mas as interpretações são demasiadamente improvisadas, com erros de dicção e de leitura, o que não tem lógica, já que existe a possibilidade do corte e de edição do vídeo. E se a intenção é a de naturalidade... desculpe, errar é humano, mas achar que o erro é qualidade é um equívoco. Humano, sarcástico, crítico e inteligente, o roteiro está bastante datado, mas se torna, sem dúvida, em documento significativo, para o futuro, "sobre aquele ano da pandemia".
Por isso, as performances, positivamente avaliáveis por suas perspectivas críticas, pecam por falta de acabamento...
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