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Teatro

- Publicada em 17 de Abril de 2020 às 03:00

O jogo da arte de João Pedro Gil

Antonio Hohlfeldt
Conheço o diretor João Pedro Gil há muitas décadas. Acho que posso dizer, sem erro, que o acompanhei desde sua estreia, enquanto realizador, seguindo-o ao longo dos anos, com seus diferentes grupos e trabalhos. Por isso, o lançamento do livro Arte em jogo, de sua autoria, que se propõe ser umas "memórias reinventadas", logo me chamou a atenção.
Conheço o diretor João Pedro Gil há muitas décadas. Acho que posso dizer, sem erro, que o acompanhei desde sua estreia, enquanto realizador, seguindo-o ao longo dos anos, com seus diferentes grupos e trabalhos. Por isso, o lançamento do livro Arte em jogo, de sua autoria, que se propõe ser umas "memórias reinventadas", logo me chamou a atenção.
Tenho encontrado Gil também em bancas de mestrado e de doutorado: por vezes, sou eu quem o convida, enquanto orientador de algum trabalho; em outras ocasiões, é ele quem me chama, para acompanhar o trabalho de algum orientando seu. Como Gil escreve, para ele têm sido estes os momentos mais importantes de aprendizado e de repartição do conhecimento, no que concordo plenamente. Tenho o hábito de organizar bancas que sejam, não benévolas para o aluno, mas participativas e parceiras deste e dos demais integrantes do encontro, porque são momentos muito especiais, quando a gente de certo modo deixa o relativo isolamento da responsabilidade de orientação e pode repartir ideias, dúvidas e descobertas com nossos colegas.
Mas o livro de João Pedro Gil me pescou, logo de saída, quando ele escreve: "Proponho com esta obra prestar contas à sociedade do meu trabalho, basicamente financiado pelo Estado brasileiro. Como professor e como artista" (p. 10). Este princípio ele repete, páginas adiante, ao mesmo tempo em que faz um registro importante a respeito da direção de um espetáculo, para ele "a transposição para o palco das inquietações e problemas do ser humano" (p. 13), acrescentando que "o que move a encenação é este desejo de por em cena as angústias e as expectativas do sujeito; transformar as falas em imagens, colorir com música as ações dramáticas que dizem respeito ao ser humano" (p. 13).
O livro de João Pedro Gil flui com leveza. Ele optou por textos curtos, que soam como crônicas memorialísticas e reflexões leves - mesmo que densas - a respeito de seu trabalho. Assim, sabemos a respeito de sua estreia, enquanto diretor, a criação do grêmio dramático Açores, junto ao Teatro de Arena, de Jairo de Andrade; a participação no grupo Caixa de Pandora, vinculado à Caixa Econômica Federal; a chegada a Santa Maria, onde vai lecionar na universidade federal, vindo depois para Porto Alegre, onde se torna professor da Ufrgs, integrando o Programa de Pós-Graduação em Artes Cênicas do Instituto de Artes.
Podemos acompanhar Gil tentando aproximar-se do teatro dirigido a crianças e descobrindo seus desafios; a juventude no bairro São José, no Leste de Porto Alegre; e sua descoberta do teatro, reconhecendo que "a arte de atuar é saber jogar com o inesperado" (p. 29). Daí o título da obra, Arte em jogo, pois, afinal, toda a sua vida esteve dedicada à arte, pensando a arte enquanto jogo, e daí seu aprendizado e sua decidida contribuição ao nosso teatro.
À medida em que avança a narrativa, avançam também as descobertas do leitor sobre a vida do personagem e, de outro lado, as descobertas do próprio personagem em relação à vida. Gil - como eu - iniciou sua história num período difícil, em plena ditadura e depois do Ato Institucional de dezembro de 1968. No teatro, isso era ainda mais problemático. No teatro, como no jornalismo, tínhamos de saber lidar com a censura, contorná-la, sem afrontá-la diretamente, mas também sem jamais aceitá-la pacificamente.
Sempre fiz isso na redação do Correio do Povo,onde, diga-se de passagem, Breno Caldas era um liberal responsável mas tolerante, e o chefe de redação, Adail Borges Fortes da Silva, era um conservador liberal, com a responsabilidade de responder pelo jornal, mas também de atender à responsabilidade jornalística de bem informar ao leitor. O editor Paulo Fontoura Gastal era o incentivador, o modelo de referência, o homem que, por trás de uma aparente carranca fechada, tinha um coração extraordinário e um entusiasmo inesquecível pelos jovens que chegavam à redação.
Gil relembra casos dramáticos e uns tantos hilários, pela estupidez dos censores, pela própria lógica da censura, mas resistimos, muitas vezes enganamos a censura e, enfim, vencemo-la. Esta, creio, é a grande ligação do livro. Se recordar é viver, uma obra como esta, além de provocar a memória, fazendo o leitor reviver certos acontecimentos, propicia, acima de tudo, refletir a respeito de nossas responsabilidades. Como diz Gil, parafraseando Antonin Artaud, "o teatro é como uma peste, uma peste que cura". Sobretudo nestes dias de coronavírus, a metáfora é perfeita e diz tudo a respeito da arte.
 
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