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Teatro

- Publicada em 16 de Janeiro de 2020 às 13:49

A experiência beckettiana do absurdo

Antonio Hohlfeldt
O diretor Decio Antunes é um irrequieto criador, que está sempre a procurar explorar as múltiplas potencialidades de espaços a serem transformados em espaços dramáticos e cênicos. Tem proposto espetáculos nos locais os mais inesperados, através da cidade e, diga-se a bem da verdade, sempre com excelentes resultados. Sua iniciativa mais recente é O jantar com a Senhora Beckett, desde o título uma excelente provocação ao potencial espectador mais atento e que conheça um pouquinho da dramaturgia universal. É claro que aí, mesmo que não explícita, uma referência à dramaturgia e à figura do irlandês Samuel Beckett, autor de alguns dos mais cultuados textos do chamado teatro do absurdo.
O diretor Decio Antunes é um irrequieto criador, que está sempre a procurar explorar as múltiplas potencialidades de espaços a serem transformados em espaços dramáticos e cênicos. Tem proposto espetáculos nos locais os mais inesperados, através da cidade e, diga-se a bem da verdade, sempre com excelentes resultados. Sua iniciativa mais recente é O jantar com a Senhora Beckett, desde o título uma excelente provocação ao potencial espectador mais atento e que conheça um pouquinho da dramaturgia universal. É claro que aí, mesmo que não explícita, uma referência à dramaturgia e à figura do irlandês Samuel Beckett, autor de alguns dos mais cultuados textos do chamado teatro do absurdo.
Por tudo isso, pelo nome de Décio Antunes, pela possível provocação, e até porque o início do Porto Verão Alegre ainda não emplacou seus espetáculos mais importantes, o público afrontou o calor - quase 40 graus, certamente dentro da casa, mais que isso - e encontrou-se na chamada Casa Godoy, que fica na avenida Independência, bem em frente à Casa Torelly, que abriga, atualmente, a Secretaria Municipal de Cultura, uma das instituições apoiadoras do projeto, diga-se de passagem, e com sobradas razões.
O que propõe o espetáculo, que tem dramaturgia do próprio diretor? Estamos em uma casa antiga, velha, praticamente abandonada, onde uma velha mulher - admirável interpretação de Naiara Harry - recebe alguns convidados para um jantar. Não fica claro o porquê deste convite nem o tipo de relação entre a mulher e seus convidados. Ou seja, temos, como ponto de partida, aquelas situações que pura e simplesmente são - se apresentam ao espectador - tão ao gosto do falecido dramaturgo a que o título indiretamente refere. Os convidados/os espectadores precisamos esperar no vestíbulo, no rés-do-chão, até a hora marcada. Por certo, a velha dama é muito ciosa destes rituais da hora certa. Somos, então, do alto da escadaria, convidados por uma empregada a subirmos . Muitos, certamente, temíamos pela insegurança da escadaria. Mas chegamos ao primeiro piso. Teto descascado, ainda que sem evidências de humidade. Dois relógios-armário, dispostos em dois cantos da sala, mais um numa parede. Bem no meio, a mesa de jantar, semi-arrumada. Nas extremidades da sala, junto às paredes, as 16 cadeiras sobre as quais a diminuta plateia de convidados vai se assentar.
Toda a dramaturgia desenvolvida por Antunes está referenciada em Beckett que é, aliás, o personagem a quem a velha dama aguarda, ansiosa, ora procurando vislumbrá-lo por entre as venezianas, talvez chegando ao pátio da casa, ora tentando contatar através de um velho telefone de disco que, no entanto, ou permanece mudo ou jamais é contestado no outro lado da linha.
O clima é asfixiante, quer pelo calor (Antunes não poderia ter encontrado dia mais terrificamente quente do que aquele da estreia), quer pelo figurino da mulher, todo negro, de fazenda pesada e alguma lã, perto da gargantilha, coque na cabeça, evidenciando a idade e a perspectiva passadista que a anima. Ela se desculpa por a mesa não estar inteiramente posta. Depois, busca pesados pratos rasos que distribui meticulosamente na mesa, examina suas simetrias, e vai seguindo um ritual que inclui os talheres, as taças e os guardanapos. Enquanto isso, reflete sobre o vazio e o sem sentido da vida. Em algum momento, muda de ideia e anuncia que vai servir uma sopa, para o quê realiza novo ritual de troca de pratos e de talheres.
Cada momento do espetáculo, relativamente curto, menos de uma hora de duração, está marcado pelo badalar das horas, a partir de um determinado relógio. Mas nenhum deles indica a mesma informação, ou seja, o convidado está, como em Alice no país das maravilhas, absolutamente relativizado quanto ao tempo. O próprio espaço, fechado em si mesmo, torna aquela pequena comunidade como uma ilha perdida num imenso oceano marcado pelas trevas. Não recomendo o espetáculo para quem seja claustrofóbico...
Partindo de um conceito, mas concretizando este conceito, num espetáculo de teatro, em que o simples diálogo/monólogo conduz as ações dramáticas, Décio Antunes nos leva a experienciar, objetivamente, aquele absurdo beckettiano, dispensando mais palavras. Excelente trabalho, o ano começa bem.
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