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Teatro

- Publicada em 17 de Outubro de 2019 às 21:41

Faltou dramaturgia para dinamizar o trabalho

Antonio Hohlfeldt
Há muitos anos procuro acompanhar de perto as realizações teatrais mais artesanais e experimentais, como o chamado teatro de sombras, um dos tipos de espetáculos cênicos mais antigos, oriundo da China, segundo se diz. Portanto, tinha enorme expectativa em relação a Criaturas da literatura, que a Cia. Teatro Lumbra começou a apresentar em temporada no Instituto Ling, há 15 dias.
Há muitos anos procuro acompanhar de perto as realizações teatrais mais artesanais e experimentais, como o chamado teatro de sombras, um dos tipos de espetáculos cênicos mais antigos, oriundo da China, segundo se diz. Portanto, tinha enorme expectativa em relação a Criaturas da literatura, que a Cia. Teatro Lumbra começou a apresentar em temporada no Instituto Ling, há 15 dias.
A ideia era boa: reunir narrativas literárias clássicas e recriá-las através de uma outra linguagem, a linguagem do teatro de sombras. A Cia. Teatro Lumbra já tem estrada, cerca de 20 anos, e tem evidenciado uma pesquisa muito variada em torno das técnicas possíveis para o teatro de sombras. Neste quesito, o trabalho do grupo merece respeito e aplausos. Mas a proposta de reunir cinco textos literários diferentes, aos quais mais se pretendia fazer alusões do que propriamente encenar, talvez tenha sido uma proposta mal formulada, por excesso de pretensão ou, ao contrário, por carência de soluções.
Acho que houve os dois problemas. O que mais me decepcionou foi a questão dramatúrgica. Ao reunir cinco textos diversos (podiam ser dois ou três, mas cinco é um desafio maior) num só espetáculo, Alexandre Fávero, que assina o roteiro e a dramaturgia necessariamente deveria ter buscado um ponto de união, algo que costurasse o conjunto fragmentado de textos, dando ao espetáculo uma necessária unidade. Mas isso não ocorreu. Os textos se sucedem, um depois do outro, sem qualquer relação maior, como se a gente tivesse um desfile à nossa frente, sem qualquer maior motivação a não ser, bem lá no fundo, as diferentes técnicas de animação.
Ainda assim, admitindo que esta fosse a proposta, ela não fica clara ao espectador. As passagens de um texto para o outro são lacunas, em que os manipuladores (o próprio Alexandre e Têmis Nicolaidis), ficam buscando bonecos e adereços para a próxima manipulação, sem contarem nem mesmo com um texto de passagem: às vezes, mas raramente, uma trilha sonora que não chega a ter a densidade ou a referencialidade necessária (em relação ao espetáculo) para concretizar esta função: ora, isso é também uma questão de dramaturgia que falha, ainda, na própria transposição das histórias.
Posso admitir, como diz o diretor do grupo, que não pretende contar a história, mas sugeri-la, apenas. OK, na medida em que o espectador, e em especial a criança, reconhece o personagem ou o ambiente dramático, por exemplo, no Dom Quixote ou na Moby Dick, as coisas até funcionam razoavelmente. Mas na passagem do Drácula, por exemplo, há titubeios graves: aparece uma figura masculina com um cachimbo na boca: ora, esta é uma referência a Sherlock Holmes imediatamente identificada, mas o espetáculo, na verdade, vai se referir ao Drácula; por que o desvio, então? Aliás, o personagem de Conan Doyle certamente teria rendido bem no espetáculo, tanto quanto a Alice ou o Pinocchio (sobre quem alguém reclamou que o nariz não cresceu o suficiente para ser percebido: então, é problema de dramaturgia mas, sobretudo, de manipulação...).
No debate que se seguiu ao espetáculo, e que foi mais dinâmico e interessante que o próprio espetáculo, Fávero enfatizou muito o estágio inicial do trabalho e seu caráter experimental. Isso pode ser admitido, mas não justifica as demoras de passagem de cena, o que faz com que o espetáculo perca o ritmo e se torne desinteressante, o que é lastimável, porque o grupo evidentemente tem qualidade, criatividade e potencialidade: há que, talvez, aprofundar o conjunto do trabalho.
De qualquer modo, Criaturas da literatura revela-se uma boa ideia enquanto proposta de trabalho. Corrigidas as falhas, dinamizado o trabalho, teremos aí um belo momento do teatro de sombras que tem, sempre, enormes potencialidades, bastando que haja exercício muito perseverante e dedicação constante. Mas, acima de tudo, ao menos a partir desta experiência, talvez o grupo precise de um roteirista que não seja o próprio animador. Quem sabe, do diálogo e da dupla visão, nasçam melhores soluções.
 
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