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Teatro

- Publicada em 30 de Agosto de 2019 às 03:00

Grito indignado

Homem de lugar nenhum é um exercício dramático de oportunidade exemplar e, por isso mesmo, de dificuldade evidente de sobrevivência, o que, certamente, não deve estar a preocupar os seus realizadores, felizmente. Explico: o espetáculo, que o sempre respeitável diretor Eduardo Kraemer assina, cumpre uma tarefa fundamental de toda e qualquer obra de arte: refletir sobre o ser humano e suas circunstâncias, como certa vez já escreveu o filósofo Ortega y Gasset. Ao mesmo tempo, optando por trabalhar com referências de um contexto imediato, assume o risco de ser um trabalho relativamente efêmero, como aquele tipo de publicidade que grita muito para vender um produto, pretendendo atingir seu objetivo muito mais por essa ênfase emocionada do que propriamente pelos méritos do produto oferecido.
Homem de lugar nenhum é um exercício dramático de oportunidade exemplar e, por isso mesmo, de dificuldade evidente de sobrevivência, o que, certamente, não deve estar a preocupar os seus realizadores, felizmente. Explico: o espetáculo, que o sempre respeitável diretor Eduardo Kraemer assina, cumpre uma tarefa fundamental de toda e qualquer obra de arte: refletir sobre o ser humano e suas circunstâncias, como certa vez já escreveu o filósofo Ortega y Gasset. Ao mesmo tempo, optando por trabalhar com referências de um contexto imediato, assume o risco de ser um trabalho relativamente efêmero, como aquele tipo de publicidade que grita muito para vender um produto, pretendendo atingir seu objetivo muito mais por essa ênfase emocionada do que propriamente pelos méritos do produto oferecido.
No caso de Homem de lugar nenhum, temos uma reflexão preocupada, quase alarmada, ainda que em muitos momentos sadiamente irônica e debochada, sobre a realidade imediata brasileira, especificamente no caso da atual administração federal. Mas essa vinculação, mais referencial e mais estreita, cobra um tributo pesado: a obra se torna eficiente para uma intervenção imediata, inclusive trazendo percepções novas e contundentes sobre o momento, mas vai se desgastar muito imediatamente, justamente porque as referências são altamente mutáveis: todos os dias temos novidades produzidas pelos principais personagens desta administração, que tanto nos desgostam quanto nos irritam, preocupam ou decepcionam. Consequentemente, as referências da peça podem se tornar ultrapassadas quase que a cada semana. Isso invalida a iniciativa? Claro que não, depende dos objetivos que o grupo teve ao se decidir por tal realização.
Independentemente dessa questão, que é abrangente, cabe discutir a qualidade do trabalho. O que mais me chama a atenção é o acabamento cuidadoso e eficiente que o diretor Eduardo Kraemer soube dar, primeiro, à atuação dos dois principais intérpretes. Deve-se lembrar que Zé Adão Barbosa e Renato del Campão são mais velhos que o jovem diretor, mas respeitam e seguem à risca, eu diria quase que religiosamente, a linha de interpretação proposta pelo realizador. Isso fica mais evidente pelo forte contraste que os três outros atores apresentam, mais soltos, hilários, leves, contestadores: é quase como se tivéssemos duas linhas diferentes de atuação, definidas pelo diretor, com o propósito justamente de provocar o espectador: refiro-me a João Petrillo, Caio Lopes e Artur Gaudenzi, que guardam o ritmo necessário para percebermos essa diferença, alternando tempos e modos de percepção da realidade, de maneira que se estabelece uma espécie de diálogo no interior do próprio espetáculo.
A ideia do espetáculo, bem como a colagem de textos foi criação de Zé Adão Barbosa e de Renato del Campão; nesse sentido, temos um espetáculo evidentemente de autor. Mas, inteligentemente, eles convidaram alguém de fora, mas com quem têm trabalhado constantemente, nos últimos anos, para dirigi-los, como o caso de Eduardo Kraemer, que responde, ainda, pelo roteiro final e pela iluminação, além da seleção para a trilha sonora pesquisada. Zé Adão assina, ainda, os figurinos, enquanto Alexandre Navarro Moreira assina a cenografia.
Homem de lugar nenhum, que tem título semelhante a um filme policial de origem oriental, mas nada tem a ver com isso, é um trabalho fragmentário, neste sentido muito fiel ao contexto a que se refere: indica, com este "homem de lugar nenhum", o ser não apenas anônimo, quanto perdido, em dúvida, indagativo, perdido, andando a esmo, sem alcançar decidir-se sobre coisa alguma: temos mais perguntas que respostas. Esta perspectiva se concretiza nesta fragmentação, na medida em que temos uma espécie de grande cena, que funciona como um passe-partout de uma tela de pintura, preenchida por cenas menores, que vão se entrelaçando à medida em que o espetáculo avança. No entanto, quem dá o sentido final a tudo isso é o espectador, na medida em que o texto original se constitui da seleção de textos de diferentes autores, escolhidos e aproximados entre si pelos dois principais autores que, como se disse antes, respondem pela dramaturgia original.
Seja lá como for, Homem de lugar nenhum, de certo modo, propõe uma emulação de Esperando Godot, com a diferença de que, aqui, sequer se espera alguém. Neste momento, a esperança está perdida, resta gritar. E este espetáculo grita, muito alto e muito indignadamente.
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