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Teatro

- Publicada em 14 de Março de 2019 às 22:05

Um inesperado texto de 1923

A temporada teatral de 2019 se inicia com um verdadeiro acontecimento que, infelizmente, talvez até por deficiência do próprio grupo, não está sendo condizentemente divulgado. Refiro-me à estreia (que ocorreu no recente Porto Verão Alegre e que agora cumpre temporada durante todo o mês no Teatro Carlos Carvalho, da Casa de Cultura Mário Quintana), da peça Milhões contra um, originalmente O doido e a morte, farsa em um ato. O primeiro elemento a atrair nossa atenção é o fato de se tratar de um texto de 1923!!! Segundo elemento: de um dramaturgo português, chamado Raúl Germano Brandão. O texto teve uma única récita, no Teatro Politeama, de Lisboa, em favor dos jornaleiros da cidade. O enredo é tão simples quanto surpreendente: um sujeito bastante rico, o sr. Milhões, entra no gabinete do governador civil e anuncia levar uma bomba prestes a explodir. Durante cerca de 50 minutos, o invasor denuncia as mazelas da sociedade de então (as mesmas de hoje, diga-se de passagem). No final, as coisas se precipitam, mas a fala final do Governador ("Ai, o grande f...da p....!") provocou a censura do espetáculo, caindo a cortina antes por exigência do ator. A peça foi publicada pela Editora Renascença Portuguesa, em 1923, junto com O gebo e a sombra (drama em quatro atos). O texto quase batizou o volume, mas depois o autor mudou de ideia.
A temporada teatral de 2019 se inicia com um verdadeiro acontecimento que, infelizmente, talvez até por deficiência do próprio grupo, não está sendo condizentemente divulgado. Refiro-me à estreia (que ocorreu no recente Porto Verão Alegre e que agora cumpre temporada durante todo o mês no Teatro Carlos Carvalho, da Casa de Cultura Mário Quintana), da peça Milhões contra um, originalmente O doido e a morte, farsa em um ato. O primeiro elemento a atrair nossa atenção é o fato de se tratar de um texto de 1923!!! Segundo elemento: de um dramaturgo português, chamado Raúl Germano Brandão. O texto teve uma única récita, no Teatro Politeama, de Lisboa, em favor dos jornaleiros da cidade. O enredo é tão simples quanto surpreendente: um sujeito bastante rico, o sr. Milhões, entra no gabinete do governador civil e anuncia levar uma bomba prestes a explodir. Durante cerca de 50 minutos, o invasor denuncia as mazelas da sociedade de então (as mesmas de hoje, diga-se de passagem). No final, as coisas se precipitam, mas a fala final do Governador ("Ai, o grande f...da p....!") provocou a censura do espetáculo, caindo a cortina antes por exigência do ator. A peça foi publicada pela Editora Renascença Portuguesa, em 1923, junto com O gebo e a sombra (drama em quatro atos). O texto quase batizou o volume, mas depois o autor mudou de ideia.
A recepção da obra de Raúl Brandão foi escassa, durante sua vida e nos primeiros anos após sua morte (1867-1930), mas tem crescido com o tempo o seu reconhecimento. Amigo de Vitorino Nemésio e Teixeira de Pascoaes, foi especialmente valorizado por José Régio e Miguel Torga. Esta peça, particularmente, é hoje considerada sua obra-prima dramática. Quebra padrões da dramaturgia de então e, ainda agora, surpreende.
O espetáculo a que assistimos, dirigido por Ricardo Zigomático, faz algumas adaptações (eu diria mínimas, graças ao acesso ao texto original que tive, através da internet). Aliás, outro elemento a chamar a atenção e a valorizar a encenação é o aspecto "familiar" da montagem - pois o sr. Milhões tornou-se a sra. Milhões, interpretada por Lisiane Medeiros. O Governador Baltazar é vivido por Carlos Azevedo, que tem atuado muito mais na área técnica dos espetáculos do que enquanto ator e que, na vida real, é marido de Lisiane. Integram a equipe técnica os dois filhos do casal, Casemiro Azevedo, que responde pela criação do projeto de iluminação (que comanda com um celular na mão, em cena) e a trilha sonora original, coordenada por Vitório O. Azevedo, também em cena. O grupo técnico se completa com Antonio Rabadan (figurinos, aliás, tão excêntricos quanto excelentes, lembrando a série Perdidos no espaço), Elison Couto (maquiagem e cabelos), Marco Fronckowiak (cenografia) e Amanda Gatti (produção executiva).
A direção de Zigomático é espirituosa, criativa e eficiente: o público encontra uma cena com cadeiras derrubadas por todo o lado. Em torno de uma pequena mesa, colocada no meio do espaço, é convidado a sentar-se em redor dela, na medida em que as cadeiras são organizadas num círculo excêntrico. A proximidade e intimidade imediatamente criadas faz com que a ameaça da bomba se estenda a todo o público que se torna, assim, de certo modo, identificado com os personagens. O diálogo é lógico, nas frases entrecruzadas, mas a situação é sempre insólita. Fico imaginando isso tudo em 1926...
O texto atualizou os temas que incluem libertação social da mulher, crítica social sobre a exploração do trabalhador e o vazio do jogo social. Levando-se em conta que desde 1924 Portugal vivia a disfarçada ditadura do Prof. Salazar, que seguiria até a Revolução dos Cravos, em 1975, é surpreendente a coragem do dramaturgo e o fato de o texto chegar a ser encenado, ainda que uma só vez, e editado...
Para nós, na segunda década do século XXI, é uma surpresa imensa, e a gente precisa agradecer efusivamente ao Grupo Oazes esta iniciativa.
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