Hamlet - Para onde me conduzes? Não darei mais um passo.
Fantasma - Ouve-me!
Hamlet - Isso é o que desejo.
Parafraseando Hamlet, na peça do mesmo nome, um dos maiores desejos de todo aquele que vai a Dinamarca e, especialmente, a Copenhagen, é visitar o castelo de Elsinor, ou castelo de Kronborg, como é conhecido. A localizada está situada à beira de um estreito que liga o Mar do Norte com o Mar Báltico e que, na altura desta localidade, o estreito de Oresund, não tem mais de quatro quilômetros de distância. Em dias de boa visibilidade, o que não ocorre no inverno, naturalmente, pode-se ver uma cidade desde a outra.
Saindo de Copenhagen, deve-se viajar cerca de uma hora. Pode-se ir sempre por pequenas estradas à beira-mar ou tomar uma rodovia de alta velocidade. Elsinor é uma localidade pequena, mas ali, em 1420, foi construída uma fortaleza, pelo rei Eric da Pomerânia, que passou a cobrar impostos pela passagem dos navios, o que gerou muitos problemas com a Suécia.
O forte já sofreu incêndio, que o destruiu quase completamente, salvando-se apenas a capela. Também foi tomado pelos suecos, em 1658, evidenciando que o mesmo não era tão inexpugnável quanto os dinamarqueses gostavam de pensar. Seja como for, mantido como prisão para assassinos e para escravos, a partir de 30 de novembro de 2000 o conjunto todo foi considerado Patrimônio da Humanidade pela Unesco. E para comemorar a passagem dos dois primeiros séculos da morte de William Shakespeare, passou-se a realizar, ali, encenações da peça que tornaram o lugar mundialmente famoso, primeiro, pelos próprios soldados que ali estacionavam, enquanto atores amadores. Hoje em dia, entre primavera e outono, uma companhia profissional não apenas representa a peça quanto contracena com os visitantes, jogando xadrez ou passeando pelas muralhas do castelo.
Olhando-se um mapa da cidade, verifica-se que o castelo está construído numa espécie de promontório, ao lado da cidade, ligado a ela e ao mesmo tempo independente dela, que avança sobre a estreita passagem aquática. Pode-se ir ao castelo sem se passar pela cidade, mas certamente não se vai à cidade sem se visitar o castelo.
O estacionamento de carros fica à distância. Avança-se a pé em direção às muralhas. A primeira delas nos leva a um espaço intermediário, a que se segue outra série de muralhas. Entre uma e outra, à medida em que avançamos, caixas de som estrategicamente dispostas no terreno reproduzem sons de batalha, tropel de cavalaria, gritos de batalha dos soldados se entrechocando e clarins dando sinais de ataque ou retirada. Começamos a encontrar os fantasmas de Elsinor.
Quando chegamos ao pátio interno, vislumbramos o grande quadrado da construção, com cerca de cinco andares, em medidas de hoje, fora as torres que marcam as dobras dos quadriláteros ou indicam os espaços reservados à família real, no segundo piso do edifício. Logo à esquerda do acesso a este espaço, temos a bilheteria e, em seguida, a entrada para os subterrâneos.
Descemos longas escadarias alumiadas por escassa luz de lamparinas elétricas. Imagina-se o que era no século XV e seguintes. Nas áreas subterrâneas, encontramos labirintos. Não nos perdemos porque placas antigas nos indicam o caminho a seguir. O chão é de terra. Os espaços são absolutamente vazios, aparentemente secos, mas com passagens abertas para o exterior, certamente castigam o soldado que ali dormisse ou o escravo a que ali estivesse condenado, a sofrer frios e umidades intensos.
Anda-se com cuidado, até se chegar, adiante, às casamatas guarnecidas de canhão. Vistos do exterior, desde cima, parte destes subterrâneos parecem caminhos de animais que correm até a superfície. Ali, nos anos de conflagração entre Suécia e Dinamarca, soldados zelavam noite e dia, vinte e quatro horas por dia. E os tiros não eram de saudação, como nos aniversários dos integrantes da família real, mas mortais, visando admoestar os capitães que ousassem cruzar o estreito sem pagar impostos ou tentassem atacar a fortaleza.
A mitologia dinamarquesa
Na atualidade, Elsinor parece ser famosa por causa da peça de Shakespeare. Pode-se, contudo, imaginar o contrário. Shakespeare teria localizado sua tragédia nesta corte e neste castelo justamente pela fama de que ele já gozava então. Teria o dramaturgo de Stratford-on-Avon conhecido o lugar? Não se tem qualquer evidência disso, ainda que nas cenas dramáticas multipliquem-se detalhes de cerimoniais e alusões a espaços do castelo que um bom leitor de Shakespeare pode reconhecer facilmente.
Havia muito dinheiro nesta corte, veem-se distribuídos, nas várias peças que se visita, ao longo do segundo piso, móveis fortes, pesados, de madeiras certamente trazidas de longe (da Groenlândia, - talvez? - ainda hoje território vinculado à Dinamarca, ainda que com estatuto de relativa autonomia). As paredes são forradas de tapeçarias simplesmente inimagináveis, como as gigantescas obras que adornam a sala dos reis, mas não se pode dizer que os monarcas dinamarqueses fossem dados à ostentação.
O que encontramos é de qualidade, mas com certa austeridade; de utilidade, sem esbanjamentos (por exemplo, ao contrário do conhecido castelo de Schönnenburg, em Viena): talvez das maiores comodidades é que as peças mais íntimas, como o quarto de dormir e as salas de despacho do rei ou de convivência da ranha dispõem de peças à parte onde se encontram os toiletes, sendo que os dejetos caem diretamente no andar inferior. O salão de audiências por exemplo, é enorme - sugere a distância que os embaixadores deveriam deixar entre si e o rei, quando de seus encontros - e o salão de bailes é extraordinariamente amplo: tudo conta com lareiras suficientemente amplas para garantirem o aquecimento das peças.
A capela, que escapou incólume ao incêndio, também é vetusta, mas conta com um órgão de bom tamanho. E as janelas externas de todo o edifício permitem ampla vista para o estreito, com o movimento de barcos, o que certamente deveria servir de distração às damas de então.
As representações de Hamlet se desenvolvem em diferentes espaços da construção, desde a parte externa às casamatas e às prisões subterrâneas, passando pelos longos corredores e o salão de baile. Isso significa que o espectador deve-se dispor a acompanhar a equipe, deslocando-se permanentemente de um espaço para o outro.
Certamente a visita de sonhos de todo o turista é num dia de sol esplendoroso e com um céu muito azul, contra o qual se elevariam as torres do prédio. No meu caso, visitei-o num dia de teto baixo, céu escuro, rajadas de vento e uma temperatura nada amigável: confesso, porém, que achei o cenário mais fiel àquele imaginado pela leitura da tragédia shakespereana. Em algum momentos, quando subi às muralhas, se já fosse o final do dia - quer dizer, em torno das 16 horas - poder-se-ia esperar uma antecipação da visita do fantasma do rei assassinado, a clamar por vingança e a instar os visitantes a percorrerem as dores por que passou depois de ingerir o veneno que lhe foi colocado na bebida.
Este é um passeio obrigatório para quem chegue a Copenhagen, valorizado pelo fato de nas dependências do castelo também encontrar-se uma grande Olge Danske - O Grande Dinamarquês - segundo a lenda, eternizada no texto de Hans Christian Andersen, aí descansa até o dia em que o país eventualmente for atacado e ele deva se mobilizar para defender a pátria.