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Teatro

- Publicada em 28 de Setembro de 2018 às 01:00

Uma grande montagem num festival vencedor

Meu exemplar de Grande sertão: veredas é a quarta edição do romance, de 1965. Herdei-o do escritor João Gilberto Noll, falecido há pouco, de quem fui colega no Segundo Grau do Julinho, com quem preparei meu vestibular para o curso de Letras, na Ufrgs, passando ambos para aquele curso, que ele abandonou ainda no primeiro semestre; ele se tornou o grande escritor brasileiro que todos conhecemos.
Meu exemplar de Grande sertão: veredas é a quarta edição do romance, de 1965. Herdei-o do escritor João Gilberto Noll, falecido há pouco, de quem fui colega no Segundo Grau do Julinho, com quem preparei meu vestibular para o curso de Letras, na Ufrgs, passando ambos para aquele curso, que ele abandonou ainda no primeiro semestre; ele se tornou o grande escritor brasileiro que todos conhecemos.
Tentei começar a ler Grande sertão: veredas por três vezes. Não passava das 100 páginas. Na terceira, talvez mais maduro e preparado, engatei a leitura e fui me fascinando a cada página que lia. Estava literalmente envolvido pela narrativa de Guimarães Rosa. Viajava, imaginariamente, por aqueles sertões. O final do livro é memorável. A constatação final de Riobaldo Tatarana é magistral: "Amável o senhor me ouviu, minha ideia confirmou: que o Diabo não existe. Pois não? O senhor é um homem soberano, circunspecto. Amigos somos. Nonada. O diabo não há! É o que eu digo, se for... Existe é o homem humano. Travessia" (p. 460). A narrativa de Riobaldo ao visitante citadino é uma espécie de exorcismo. Mas longe de inocentá-lo de tudo o que fez (sobretudo as traições) leva-o a assumir suas responsabilidades e consequências.
A montagem de Bia Lessa para Grande sertão: veredas começa exatamente desta passagem. A concepção, direção-geral e adaptação contaram com dois grandes pesquisadores e estudiosos da literatura brasileira, Silviano Santiago e Flora Süssekind. No elenco, que é sobretudo um coletivo, se sobressai, de qualquer modo, Caio Blat, como Riobaldo, contracenando com Luiza Lemmertz, que vive Diadorim, mas a gente logo se encanta com a estupenda interpretação de Luisa Arraes, sobretudo numa passagem dramática mais ao final do espetáculo, pouco antes da revelação da verdade sobre Diadorim, em que ela, literalmente, rouba a cena.
Bia Lessa idealizou um trabalho extraordinário. A jaula - metáfora da condição humana - é uma imagem física eficiente. A trilha sonora de Egberto Gismonti é admirável. Na direção, a reiteração do movimento dos pássaros - quais carcarás ou urubus da savana brasileira, presentifica a constante presença da morte em todo o argumento. O movimento coreográfico, sobretudo na representação dos movimentos da cavalaria dos guerreiros, até as batalhas finais, nos leva aos melhores momentos da concepção cênica de um Wiliam Shakespeare de Macbeth, por exemplo, ou de Ricardo III, em que o dramaturgo explicita, para o espectador, as figuras retóricas da cena, de que se vale para representar, ora a multidão de soldados em luta, ora a floresta em movimento.
A concepção espacial de Camila Toledo, o visagismo de Dudu Castro, a paisagem sonora de Daniel Turini e de Fernando Henna, os adereços de Fernando Mello da Costa, os bonecos de Nina Braga, a concepção espacial de Paulo Mendes da Rocha, os figurinos de Sylvie Leblanc, toda essa equipe evidencia um trabalho lento e longo, denso e profundamente refletido de criação cênica para dar vitalidade à narrativa Roseana que, de certo modo, se transfere para o espaço teatral. Porto Alegre teve uma experiência sui generis porque, ao público que rodeia a jaula, distribuído em cadeiras e arquibancadas muito próximas da cena, somou-se uma grande plateia presente no largo espaço do Teatro do Sesi, que não chegou a experimentar a proximidade com a encenação, mas pode desfrutar de um largo panorama da representação que incluída, em última análise parte do público, justamente aquele disposto em redor do espaço cênico, que funcionava como uma espécie de povo de testemunha dos acontecimentos.
Este tipo de espetáculo é raro e se incorpora imediatamente à história do espetáculo cênico brasileiro, como o foram, nas décadas de 1960 e 1970, espetáculos como Galileu Galilei, do Teatro Oficina, direção de José Celso Martinez Corrêa; O balcão, de Jean Genet, no Teatro Ruth Escobar, dirigido por Victor Garcia; ou Cemitério de automóveis, de José Arrabal, também sob a direção de Victor Garcia, no Teatro 13 de Maio, um garajão adaptado especialmente para este fim, e, ainda, O último carro de João das Neves, em produção do Teatro Opinião, do Rio de Janeiro.
Os 25 anos do Porto Alegre em Cena, com este espetáculo, tiveram comemoração condigna e inesquecível.
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