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Teatro

- Publicada em 17 de Agosto de 2018 às 01:00

Disputas entre Molière e Racine

Uma rápida passada por São Paulo, num fim de semana de julho, propiciou-me um belo espetáculo de teatro: Molière, da dramaturga mexicana absolutamente desconhecida entre nós, apesar de sua importância, Sabrina Berman - e um encontro com a diretora Bia Lessa. Num futuro próximo, fiquei sabendo que Molière virá ao Theatro São Pedro, ainda neste ano, e que Bia Lessa estará aqui com Grande sertão: veredas, seu penúltimo trabalho, durante o Porto Alegre em Cena.
Uma rápida passada por São Paulo, num fim de semana de julho, propiciou-me um belo espetáculo de teatro: Molière, da dramaturga mexicana absolutamente desconhecida entre nós, apesar de sua importância, Sabrina Berman - e um encontro com a diretora Bia Lessa. Num futuro próximo, fiquei sabendo que Molière virá ao Theatro São Pedro, ainda neste ano, e que Bia Lessa estará aqui com Grande sertão: veredas, seu penúltimo trabalho, durante o Porto Alegre em Cena.
Mas quero falar de Molière. Havia muitíssimos motivos para eu aceitar ficar três horas numa fila (e isso que eu era prioritário, pela idade): primeiro, o tema. Trata-se de relação de amizade, transformada depois em desafeto, entre o comediógrafo Jean Baptiste-Poquelin, o Molière, protegido do rei Luiz XIV, e o tragediógrafo Jean Racine, que é acolhido por Molière e depois o trai, na busca da mesma proteção real. Na verdade, o que se estabelece é a disputa entre a comédia e a tragédia. Mais que isso, é o risco de que a arte e os artistas venham a sofrer o controle da censura - aqui representada pelo cardeal de Paris, Monsenhor Péréfixe, quando o rei se distrai, mais preocupado com a guerra do que com a arte, como fazia antes.
Outro motivo era o fato de o texto vir assinado por uma dramaturga mexicana, desconhecida para mim, embora ela hoje seja um nome mundial (nossos atrasos culturais são sempre lamentáveis...) Sabrina Berman é mexicana, nascida em 1955, e Molière é um de seus primeiros textos, pois foi estreado em 2000. Ela é considerada hoje a mais bem-sucedida dramaturga de seu país, com obras montadas nos Estados Unidos e Canadá e boa parte da Europa. Aqui, absolutamente desconhecida.
Do debate que se seguiu à peça, ficamos sabendo que Élcio Nogueira Seixas, que vive Racine, e que, ao lado de Renato Borghi, foi um dos idealizadores deste trabalho, descobriu o texto um pouco por acaso, numa longa viagem pela América Latina, em que buscava justamente encontrar dramaturgos e conhecer textos dramáticos do continente. O curioso é uma dramaturga mexicana interessar-se por um tema do classicismo francês, pois além de Molière e Racine, vamos encontrar o rei Luiz XIV (Rei Sol) e La Fontaine, tudo num clima que a crítica paulistana denominou de tropicalista, seja porque o Cardeal Péréfixe é interpretado pelo extraordinário e histórico Renato Borghi (81 anos de idade) - simplesmente estupendo - seja porque a trilha sonora é composta por obras de Caetano Veloso, com interpretações ao vivo por uma banda dirigida pelo maestro Gilson Fukushima.
Aliás, a presença de Borghi era outro atrativo pessoal: assisti-o, no teatro Oficina, em Pequenos burgueses; depois em Galileu Galilei; e, enfim, em O rei da vela, em que vivia Abelardo I, além de outro sem número de espetáculos, alguns dos quais inclusive ajudei a trazer a Porto Alegre. Ao mesmo tempo, Molière é interpretado por Matheus Nachtergaele, inesquecível desde o Auto da Compadecida, tanto a peça quanto o filme baseado na peça de Ariano Suassuna, dentre tantos outros trabalhos. Duas escolas dramáticas diversas que, no entanto, se complementam, gerando um espetáculo dinâmico, inteligente, vivo, provocador, a que muita gente presente no debate, confessou ter assistido mais que duas vezes. E isso que a encenação dura 120 minutos, ou seja, duas horas, sem intervalos! A gente cansa? Que nada. O elenco, de 14 atores e músicos, reúne pelo menos três gerações de intérpretes brasileiros, com uma cenografia bonita e leve, extremamente criativa e fácil de levar em excursão, de André Cortez; figurinos iluminados e coloridos de Karlla Girotto; iluminação movimentada de Beto Bruel e Nadja Naira. Se Matheus Nachtergaele e Renato Borghi chamaram minha atenção, não ficaram atrás Élcio Nogueira Seixas (Racine), Georgette Fadel (que vive seu irmão Gonzago), Nilton Bicudo (como o rei Luiz), Rafael Camargo (como La Fontaine) etc. Na verdade, todo o elenco é preciso, dinâmico, multiplicando-se em funções variadas, sob a direção criativa e corajosa de Diego Fortes, prêmio Shell do ano passado.
Se se cumprir a promessa da vinda do grupo a Porto Alegre, vamos ganhar um belo presente de fim de ano. Que o leitor fique atento. Eu, simplesmente, adorei.
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