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Teatro

- Publicada em 07 de Junho de 2018 às 23:45

Um balé russo que não é russo

Autodenominar-se Ballet Folclórico Nacional da Rússia é uma espécie de licença concedida pela Academia Russa à Companhia Estatal de Dança Folclórica Fayzi Gaskarov, criada por Faizi Gaskarov, em 1939, portanto, 20 anos depois da constituição desta "república", no conjunto da então União Soviética. Por sua qualidade técnica, à companhia foi permitido utilizar o termo "balé nacional" em suas excursões internacionais, inclusive esta, que abrange o Brasil. Na verdade, trata-se de um grupo regional, oriundo da República do Bascortostão, situada ao Sul dos Montes Urais, portanto, muito próximo ao território da atual China. Embora formada originalmente por tribos nômades e com influência muçulmana, a região, tomada por Ivan, o Terrível, acabou se aproximando mais da cultura de seus vizinhos. Com a dominação soviética, também sofreu influências russas, parte da política cultural desenvolvida pelo Kremlin. Tudo isso atravessa claramente o repertório do grupo a que assistimos, com um teatro com menos de 2/3 de lotação, sobretudo devido ao horário do espetáculo noturno e a crise que atravessamos.
Autodenominar-se Ballet Folclórico Nacional da Rússia é uma espécie de licença concedida pela Academia Russa à Companhia Estatal de Dança Folclórica Fayzi Gaskarov, criada por Faizi Gaskarov, em 1939, portanto, 20 anos depois da constituição desta "república", no conjunto da então União Soviética. Por sua qualidade técnica, à companhia foi permitido utilizar o termo "balé nacional" em suas excursões internacionais, inclusive esta, que abrange o Brasil. Na verdade, trata-se de um grupo regional, oriundo da República do Bascortostão, situada ao Sul dos Montes Urais, portanto, muito próximo ao território da atual China. Embora formada originalmente por tribos nômades e com influência muçulmana, a região, tomada por Ivan, o Terrível, acabou se aproximando mais da cultura de seus vizinhos. Com a dominação soviética, também sofreu influências russas, parte da política cultural desenvolvida pelo Kremlin. Tudo isso atravessa claramente o repertório do grupo a que assistimos, com um teatro com menos de 2/3 de lotação, sobretudo devido ao horário do espetáculo noturno e a crise que atravessamos.
Some-se a essa mistura, que pode ser considerada positiva, uma outra influência, esta, sim, negativa: uma modernização e ocidentalização da concepção do espetáculo, sobretudo na apresentação de sua trilha sonora, quase toda ela gravada, infelizmente, e orquestrada, o que tira a originalidade das composições. Muita gente deve ter-se surpreendido com as primeiras peças apresentadas, de forte influência chinesa, mais lentas e mais intimistas, o que certamente se refletiu em aplausos apenas educados, por parte do público. Mas quando, ao final da primeira parte, chegou-se ao "Kalinka", conhecido da plateia, a reação foi altamente positiva.
Na abertura da segunda parte, mantiveram-se obras da tradição russa, com danças cossacas, como a "Katiusha", que é uma peça oriunda dos tempos da guerra, com boa receptividade. No desenvolvimento desta segunda parte, reencontramos obras de influência chinesa, aliás, algumas muito bonitas, mas onde mais se evidencia o resultado pernicioso desta ocidentalização do espetáculo. Sem contar com um grupo musical ao vivo (e não seria tanta gente assim), as peças se descaracterizam e perdem seu sentido. Isso fica evidente quando, ao contrário, somos brindados por uma coreografia certamente oriunda dos povos nômades daquelas antigas pradarias, com suas roupas de couro, e que é interpretada com os bailarinos cantando e utilizando expressões idiomáticas nativas: a peça ganha outra dinamicidade.
No final do espetáculo, tivemos uma coreografia estilizada, aparentemente inspirada no folclore argentino (mas poderia ser mexicano, pela trilha sonora, ou pretensamente sul-rio-grandense, pelo tema que lembra vagamente a dança dos facões, que bem conhecemos): bem interpretada, do ponto de vista da técnica dos bailarinos, valeu pela boa intenção porque a coreografia é demasiadamente estilizada, lembrando aqueles velhos filmes musicais de Hollywood. Ao final, e como não poderia deixar de ser, em ano de Copa do Mundo que ocorre na Rússia, uma coreografia sobre o Brasil: um jogador de camiseta 10 e duas bailarinas, vestidas como integrantes de um grupo de frevo, aparecem no palco: fazem esforço para gingar bem, mas não possuem, evidentemente, o requebrado necessário. De qualquer modo, são simpáticas e agradaram ao público.
O resultado deste encontro, por um lado, é a curiosidade do espetáculo. Mas acho que todos ganharíamos mais se fosse dito, com maior clareza, a origem e as características do conjunto. Acho que muita gente saiu frustrada por não encontrar o que foi buscar. Para os tempos atuais, saber que existem dezenas de repúblicas federativas na Rússia e que elas possuem tradições culturais profundamente diversificadas, seria mais respeitoso. Mas os produtores russos ou brasileiros teimam em vender o genérico, ao invés de propagar a real característica do grupo, o que deixa a desejar, no resultado final. Por fim, esta ocidentalização musical é irritante e certamente prejudicará, no futuro, a recepção a estes grupos oriundos da Rússia que, tecnicamente, são extraordinários, mas que estão sendo mal vendidos no mundo todo, inclusive no Brasil.
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