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Opinião Econômica

- Publicada em 18 de Janeiro de 2022 às 20:14

A cultura da inadimplência

Cecilia Machado
Economista, professora da EPGE (Escola Brasileira de Economia e Finanças) da FGV
Economista, professora da EPGE (Escola Brasileira de Economia e Finanças) da FGV
Aprovado na Câmara ao fim de 2021, porém vetado pelo presidente no início de 2022, o refinanciamento das dívidas dos pequenos empresários - batizado de Relp (Programa de Reescalonamento do Pagamento de Débitos no Âmbito do Simples Nacional), mas conhecido como o novo Refis do Simples- deve ganhar protagonismo assim que o recesso parlamentar terminar.
Pela justificativa oficial, o veto é decorrente de o benefício fiscal implicar renúncia de receita, o que fere as regras fiscais. O programa, entretanto, tem apoio unânime dos congressistas, e a própria Presidência já trabalha com publicação de um decreto, uma espécie de solução provisória que prorroga o prazo de regularização das dívidas, enquanto o veto não for derrubado pelo Congresso.
Por ele, as pequenas empresas do Simples, os microempreendedores individuais e empresas em recuperação judicial poderão renegociar suas dívidas tributárias, com descontos sobre juros, multas e encargos proporcionais à queda de faturamento durante a pandemia.
Pode-se debater se a Covid-19 é condição extraordinária para justificar a leniência do fisco, mas esse é apenas mais um entre inúmeros outros programas ditos "excepcionais" de parcelamento de débitos tributários.
Ao longo das últimas duas décadas, foram criados cerca de 40 programas semelhantes com expressivas reduções nas multas e encargos e prazos de pagamento extremamente longos. Entre eles, o Parcelamento Especial (2003), o Parcelamento Excepcional (2006), o Programa Refis da Crise (2008), a Primeira, Segunda, Terceira e Quarta Reabertura do Refis da Crise (2013-2014), o Programa de Regularização Tributária (2017), o Programa Especial de Regularização Tributária (2017), o Parcelamento Especial para Débitos do Simples Nacional (2018) e o Programa de Regularização Tributária Rural (2018).
Sem contar as renegociações setoriais, como com as instituições de ensino superior e as entidades desportivas e beneficentes, e as renegociações com os entes federados, como o Parcelamento Especial para Débitos Previdenciários de Estados e Municípios (2018).
A enorme lista mostra que existe um padrão recorrente na forma como os débitos tributários com a União são tratados pela classe política, que insiste na renegociação como a melhor forma de reaver uma dívida. Argumenta-se que o custo da renegociação não é elevado e que ela aumenta a arrecadação de dívidas que jamais seriam pagas. O argumento é falso.
Cerca de metade dos optantes pelos parcelamentos especiais torna-se inadimplente, de acordo com estudo da Receita Federal de 2017. Outra parte acaba por incluir a dívida parcelada em outro programa superveniente, o que faz com que muitos contribuintes incorporem a cultura de não pagamento na expectativa de um novo programa de parcelamento com condições especiais. Poucos são capazes de liquidar o montante devido.
No caso específico dos contribuintes do Simples Nacional - que já contam com um regime de tributação diferenciado de R$ 82 bilhões de isenção em impostos -, o mesmo relatório indica que apenas 0,52% dos parcelamentos foram liquidados, enquanto 49% foram encerrados por inadimplência.
A renegociação recorrente das dívidas tributárias perpetua um padrão: quem deve sempre é perdoado, e, por isso, eventuais punições à inadimplência não são levadas a sério. Não surpreende que ano após ano todo a classe empresarial peça e aguarde por um novo Refis.
O culpado sempre é a crise econômica. Mas, na verdade, o não pagamento é resposta ótima do empresariado, que leva em consideração que as renegociações são, em geral, muito mais favoráveis do que o pagamento em dia.
Falta um entendimento básico à classe política de que planos de renegociação de dívidas geram incentivos ao não pagamento, e, por conseguinte, a uma interminável pressão por novas renegociações. A constante edição de programas dessa natureza estimula a cultura da inadimplência, lesa os cofres públicos e direciona recursos para políticas pouco eficazes.
No Brasil, quem honra os seus compromissos e quita seus impostos em dia é um péssimo empresário, pois atua contra o interesse do próprio negócio ao ignorar os futuros programas de parcelamento especial. Bom mesmo é ser mau pagador.
Cecilia Machado
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