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Opinião Econômica

- Publicada em 08 de Dezembro de 2021 às 03:00

Desta vez é diferente?

Cecilia Machado
Economista, professora da EPGE (Escola Brasileira de Economia e Finanças) da FGV
Economista, professora da EPGE (Escola Brasileira de Economia e Finanças) da FGV
A última vez em que tivemos uma inflação tão elevada quanto agora foi em janeiro de 2016. O IPCA acumulado em 12 meses registrou 10,71%, e de lá até agosto de 2017 foram mais 18 meses até que a marca de 2,46% fosse alcançada, o menor nível desde 1998.
Entre 2016 e 2017, vivenciamos um processo desinflacionário muito bem-sucedido, que colocou a inflação de volta ao centro da meta e ancorou as expectativas através de um conjunto de medidas fiscais e monetárias que vieram na esteira da substituição do governo e de seus quadros. Hoje, o esforço desinflacionário necessário é de igual magnitude, e talvez seja possível replicar a exitosa experiência do passado mais uma vez. Talvez. Desta vez também pode ser diferente.
Por um ângulo otimista, muitos dos choques que agora incidem sobre a nossa economia têm origem externa. Foram inúmeros problemas na oferta global, decorrentes da ruptura das cadeiras produtivas, da falta de insumos e de dificuldades logísticas para a produção e a distribuição de bens. Concomitantemente, bens passaram a ser mais demandados que serviços, em resposta à necessidade do distanciamento social.
O preço de bens comercializáveis acompanhou a rápida recuperação das economias desenvolvidas, sendo repassado para os preços domésticos por meio de um câmbio que se manteve depreciado durante o ano. E a crise energética na Europa, na China e nos EUA foi importada para o Brasil através do aumento do preço de commodities como o petróleo.
Também positiva é a perspectiva de que a potência da política monetária seja muito mais forte agora, já que tivemos o fim do crédito subsidiado do BNDES e a criação da taxa de longo prazo (TLP) que levou aos empréstimos administrados taxas de juros próximas àquelas praticadas no mercado.
Houve ainda intensa expansão do mercado de crédito privado, o que amplia a sensibilidade da economia a mudanças na taxa de juros. Por fim, a recente independência do Banco Central sedimenta a credibilidade da instituição para que o combate à inflação continue seguindo critérios estritamente técnicos e não políticos.
Mas há também riscos negativos no processo desinflacionário atual. Afinal, a experiência de 2016 foi particular no que se refere ao redirecionamento da política econômica que acompanhou a troca de governo.
No front fiscal, o novo governo estabeleceu a regra do teto em texto constitucional. O limite de gastos trouxe previsibilidade para a trajetória fiscal, garantindo a sustentabilidade da dívida pública e a estabilidade macroeconômica, com decorrente apreciação do câmbio. Na recente tramitação da PEC dos Precatórios, na Câmara e no Senado, o teto ficou completamente descaracterizado como âncora fiscal, e hoje os riscos fiscais de médio e longo prazo estão de volta à cena.
Na condução da política monetária, o novo colegiado tinha fôlego para seguir firme no combate à inflação, sem a necessidade de defender quaisquer decisões anteriores que pudessem ter levado àquela dinâmica inflacionária.
Em 2016, havia ainda condições financeiras internacionais expansionistas, chamado pelo Banco Central do Brasil à época de interregno benigno: a alta liquidez mantida pelos bancos centrais dos países desenvolvidos dava espaço para a atuação dos bancos centrais de países emergentes. No momento atual, o processo de retirada de estímulos nos países avançados já está evidente, como é o caso dos EUA.
Por fim, o cenário eleitoral para 2022 segue polarizado, e há enorme incerteza sobre as implicações do resultado das urnas na condução da política econômica. Até que sejam sanadas as dúvidas sobre a posição dos candidatos quanto à responsabilidade fiscal e às reformas necessárias, teremos dificuldades na reancoragem das expectativas de inflação.
Recentemente, alguns indicadores começaram a dar sinais de que uma trajetória declinante de inflação estaria em curso. A queda do preço de algumas commodities, como petróleo, dá sinais de esperança. Porém, o processo de desinflação é cheio de nuances, dificuldades e incertezas, e a convergência exigirá muito mais que a volta à normalidade e o fim das limitações pelo lado da oferta.
É um jogo que está longe de estar ganho, e o sucesso do passado só se repetirá com muito trabalho, esforço e perseverança.
 
Cecilia Machado
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