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Opinião Econômica

- Publicada em 28 de Setembro de 2021 às 21:23

Grande, mas pode falhar

Cecilia Machado
Economista, professora da EPGE (Escola Brasileira de Economia e Finanças) da FGV
Economista, professora da EPGE (Escola Brasileira de Economia e Finanças) da FGV
A Evergrande ""gigante do setor imobiliário chinês que sacudiu os mercados na semana passado"" está em queda livre. A empresa, que acumula dívidas na ordem de US$ 309 bilhões, viu o valor de suas ações derreter em quase 90% desde o início ano.
Na superfície, o caso lembrou a grande crise de 2008-2009. O colapso da Lehman Brothers, banco que securitizava e negociava derivativos imobiliários, foi acompanhada por uma das maiores recessões vistas nos últimos tempos, com impactos que transbordaram para todo o sistema financeiro e para a economia real, resultando em desemprego elevado e persistente vários anos depois da crise. Para muitos, a atuação do governo americano à época foi falha. Algumas empresas seriam, por assim dizer, too big to fail (grandes demais para falhar).
Nada indica que este seja o caso da Evergrande que, diferentemente da Lehman, atua diretamente na construção e incorporação de imóveis e está pouco conectada ao setor bancário. Grande parte de sua dívida são pagamentos à fornecedores e obrigações com clientes. A exposição do setor financeiro à Evergrande é pequena, e o colapso da empresa aumenta em muito pouco o estoque de empréstimos inadimplentes dos bancos.
Não é de hoje que o governo chinês sinaliza pouca tolerância à especulação no mercado imobiliário. O aquecimento do setor já vinha sendo combatido via controle de preços, rigidez nos financiamentos e limites nas quantidades compradas. No ano passado, o governo instituiu um conjunto de regras que restringe o financiamento das empresas no setor, as três linhas vermelhas, atingindo em cheio a Evergrande, que se encontrava enormemente alavancada. O que se viu na semana passada nada mais foi que um reflexo imediato das regras que o próprio governo criou para desaquecer o setor.
Seria surpreendente que a esta altura do campeonato houvesse um resgate da Evergrande por parte do governo, dado os objetivos de Pequim para o setor. Mas há outros motivos para esperar alguma preocupação.
Cerca de 2 milhões de pessoas ainda não receberam os imóveis que compraram, e as soluções costuradas devem envolver alguma ordem de prioridade entre os credores, ou mesmo a participação das demais construtoras na finalização dos empreendimentos inacabados.
O governo chinês não deu maiores detalhes sobre como irá atuar, mas o setor imobiliário está em xeque: seja como coparticipante nas perdas, seja via aumento dos custos de captação. Um eventual calote em dívidas securitizadas da Evergrande representa um aumento nos custos de financiamento do setor como um todo, que continua sujeitas às mesmas três linhas vermelhas que deixaram a Evergrande sem saída na rolagem de suas dívidas.
O episódio sinaliza tempos difíceis para o setor imobiliário chinês, que corresponde à cerca de 30% do PIB do país. Em resposta às orientações do governo, o setor finalmente se desaqueceu: em agosto a queda nas vendas foi de 15% (relativo ao mesmo mês do ano anterior). Os impactos são variados e alimentam considerações sobre desigualdade: enquanto cidades mais ricas sentem poucos efeitos do desaquecimento imobiliário, cidades menos desenvolvidas experimentam queda que chega a ser três vezes maior. Como parte da riqueza dos chineses está em imóveis, o desaquecimento do setor e a queda dos preços impacta diretamente o valor dos ativos das famílias.
É possível que o colapso da Evergrande não seja apenas um evento isolado, e os ventos podem ser de mudanças com relação as regras de Pequim para o setor. Uma deterioração muito rápida do setor imobiliário vem acompanhado por riscos sociais que o governo chinês precisará equacionar.
 
Cecilia Machado
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