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Opinião Econômica

- Publicada em 11 de Maio de 2021 às 21:34

O problema da superproteção

Helio Beltrão
Engenheiro com especialização em finanças e MBA na Universidade Columbia
Engenheiro com especialização em finanças e MBA na Universidade Columbia
Comprei um par de pantufas para minha mãe nesta semana. Uma etiqueta na sola interna incomodava. Li antes de jogar fora: "US patent nº 9.212.440" ao lado de três desenhos com setas que indicavam a área externa, o interior e a sola da pantufa. Curioso, online verifiquei do que tratava a patente improvável. Pareceu-me apenas um "método" para orientar a lã na sola interna, mas o órgão oficial de patentes americano se convenceu da originalidade da invenção.
Hoje em dia, em contraste com algumas décadas atrás, quase tudo é patenteável. Há alguns anos, a Apple travou uma guerra judicial contra Samsung, Google e o sistema Android e outros fabricantes de celular. Uma das disputas se referiu à violação da patente de "deslizar para destravar" o celular, e outra, de uso de "ícones de apps com bordas arredondadas". A Apple, aliás, conseguiu registrar a patente de desenho nº D670.286, que protege qualquer aparelho retangular com bordas arredondadas (tablets, por exemplo).
No setor de tecnologia, há um emaranhado de disputas judiciais no qual advogados ganham, mas consumidores perdem. Custos legais já representam 12% dos investimentos em pesquisa e desenvolvimento, uma espécie de imposto sobre a inovação. O sistema de patentes atual parece estar prejudicando o que pretendia originariamente incentivar: a inovação. Explico.
Quando Bill Gates e Steve Jobs começaram a empreender em suas garagens, não ligavam para patentes. Aproveitavam código e ideias de terceiros e compartilhavam as suas. Se tivessem que pagar royalties ou fossem impedidos de usar códigos de terceiros, não teríamos hoje boa parte do que temos.
A justificativa original do sistema de patentes era incentivar a criação violando o menos possível a liberdade de uso das ideias disponíveis na sociedade. Seria uma espécie de mal necessário para incentivar a criação. Estabeleceu-se um monopólio legal por 15 a 20 anos ao primeiro que registrar a invenção junto ao governo.
O custo de um monopólio por lei é conhecido por todos: menos produção e preço maior, simultaneamente. Por isso, no caso de doenças e saúde pública, há uma consequência moral bastante óbvia, que é o aumento de mortes.
Pensando dessa forma, governos de mais de 60 países já concordaram em quebrar a patente das vacinas de Covid-19. Esses governos populistas querem ter tudo ao mesmo tempo: violar contratos, mas seguir incentivando inovação futura.
Como creem no consenso de que patentes incentivam a inovação, governos de Primeiro Mundo não deveriam quebrar regras retroativamente. Tampouco surtirá efeito, pois a batalha legal será custosa e longa e vacinas não são como máscaras, com processo industrial simples.
Não parece haver uma combinação de equipamentos, matérias-primas e capacidade técnica disponíveis para acelerar a produção. Adicionalmente, os principais fabricantes têm vendido a vacina a preços de custo para países mais pobres, o que retira o incentivo a produzir, mesmo sem royalties.
Mas o problema central do sistema é que inexistem estudos que comprovem que não teríamos os medicamentos e vacinas atuais sem as patentes (caso da Suíça até 1977). De fato, segundo uma pesquisa do British Medical Journal em 2006, apenas 2 dos 15 maiores avanços da medicina foram resultado de patentes.
Nesta era de economia exponencial, as patentes se tornaram inibidoras da inovação. O setor de moda é o mais inovador, a despeito de não ser protegido por patentes.
É preciso ser mais rápido e melhor que o competidor, sempre se reinventando. A patente joga a rivalidade para uma corrida pelo registro e aos tribunais do tapetão. É preciso aproveitar a onda e reformar o sistema.
 
Helio Beltrão
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