Economista-chefe da gestora ARX Investimentos. É mestre em economia pela PUC-Rio
A partir dos efeitos recessivos da pandemia, a teoria da estagnação secular -segundo a qual é impossível o alcance do pleno emprego e do crescimento satisfatório sem um significativo aumento do gasto público- vem ganhando cada vez mais força.
Como os juros baixos não têm sido capazes de estimular o investimento e o consumo na maioria dos países desde a crise financeira, aparentemente o que restou foi o uso extensivo da política fiscal. Infelizmente, as desejáveis políticas públicas que aumentam a produtividade da economia estão fora do debate pós-Covid.
Nada mais revelador dessa realidade do que a visão predominante sobre o impacto econômico das eleições americanas. Independentemente das questões ideológicas, o pleito é visto como definidor ou não da continuidade da recuperação.
A configuração de um governo democrata com o comando do Senado e da Câmara seria a mais provável de ter condições de evitar o chamado "abismo fiscal", ou seja, a expiração do aumento dos gastos relacionados ao combate à pandemia.
Mais importante ainda é que o novo desenho político seja eficaz para implementar uma expansão fiscal duradoura, possibilitando um forte crescimento nos próximos anos.
Assistimos à volta da concepção keynesiana, que coloca a demanda dos consumidores e os gastos do governo como os principais impulsionadores do crescimento de longo prazo.
Nos EUA, um amplo programa de investimentos públicos em infraestrutura, a concessão de subsídios para a implementação de uma matriz energética renovável e a ampliação do seguro público de saúde são vistos como dispositivos importantes para destravar a expansão pós-pandemia.
Diversos efeitos colaterais dessas políticas são subestimados. O aumento da dívida pública, por exemplo, irá suscitar em algum momento incertezas sobre sua sustentabilidade, pressionando tanto as taxas de juros longas quanto a moeda local.
Já o aumento de impostos -proposto para financiar parte dos novos gastos- trará invariavelmente distorções para alocação do capital, oferta de trabalho, decisões de consumo e poupança, além de ter reflexos negativos sobre a produtividade e o crescimento potencial de longo prazo.
No Brasil, a mesma visão predomina sobre a sustentabilidade da recuperação econômica após a expiração do auxílio emergencial. A percepção é que a recessão só não foi mais profunda em razão desse programa e que sem sua continuidade o impulso fiscal será demasiadamente contracionista.
O efeito dos juros baixos na recuperação da demanda é menosprezado. Pela primeira vez na nossa história, temos taxas de juros reais negativas e inflação controlada, consequência da aprovação e do respeito ao teto de gastos. Parte do forte consumo que temos visto tem relação com o auxílio emergencial; mas, em vários setores, como o automobilístico e o imobiliário, os juros estão fazendo a diferença.
Do lado dos investimentos, mantido o arcabouço fiscal, vários projetos passarão a ser rentáveis, principalmente diante da atual retomada na oferta de crédito. A depreciação da taxa de câmbio poderá ser outro fator de estímulo, se for resultante de uma política fiscal rígida e de uma política monetária frouxa, e não reflexo da alta do risco-país.
O nível de gasto realizado no auge da pandemia não é sustentável aqui, nos EUA -e em nenhum país do mundo. O uso extensivo da política fiscal foi justificável quando a oferta da economia precisou ser interrompida pelas medidas de isolamento social. Com o controle da doença, os avanços no seu tratamento e a proximidade de uma vacina, as economias voltarão a operar mais próximas do padrão pré-pandemia.
O "novo normal" não deve ser a estagnação secular e dependerá, em todos os países, de reformas que aumentem o crescimento de longo prazo. No Brasil, a lista é ampla: reforma tributária, administrativa, abertura comercial e concessões/privatizações. Embarcar na onda externa de estimular a demanda sem cuidar da oferta é contratar a próxima crise. Em países emergentes, tais ondas costumam ser devastadoras.