Professor da New York University Shangai e da Fundação Dom Cabral. É doutor em Economia pela UFRJ
Nem todo economista precisa entender de contas nacionais a fundo. Mas deveria dominar o básico para não flertar com a falsa economia: conceitos sem pé nem cabeça que servem para ofuscar as ações do governo, em vez de esclarecê-las.
Mas o governo se superou. A SPE (Secretaria de Política Econômica) resolveu criar dois monstrengos, PIB privado e PIB público, e publicou um relatório, ridículo de tão ruim, sobre o assunto. Nele, ainda argumenta que o menor PIB Público seria bom para a economia. Quanto menos gasto/investimento estatal, melhor -é o que alegam.
O PIB é medido, nas contas nacionais, sob três óticas: despesa, renda e produção. A separação do setor privado e estatal de uma forma não é a mesma que de outra. Sob nenhuma delas, PIB privado e público fazem sentido lógico. E nem internamente no relatório os conceitos são consistentes.
Pior, se alguém fosse tentar criar algo assim a sério, não sairia nada parecido com os números da secretaria, que pegou os gastos governamentais, que caíram, e os apontou como representativos do que seria o tal do PIB Público.
Mas esses gastos não se referem a nenhuma dimensão do tamanho do Estado brasileiro ou do seu efeito sobre a atividade econômica, e sim aos serviços finais prestados pelo governo.
A máquina estatal pode ficar do mesmo tamanho -já que salários não se encaixam em bens e serviços, mas, se o governo corta despesa, o tal do PIB Público cai, o que seria bom.
No mundo da SPE, se a máquina estatal inchasse cada vez mais, o PIB Público não mudaria. Entretanto, ao paralisar uma rodovia federal, voilà, o tamanho do Estado se reduziria magicamente.
Os técnicos da secretaria faltaram à primeira aula de economia do setor público: não sabem a diferença entre Estado e governo.
Os técnicos tentam vender um aumento de investimentos privados, de 2,24%, como suposta pujança do PIB do setor privado. Mas a aritmética é falha. O investimento privado caiu 40% de 2014 a 2017. Cresceu 4% em 2018.
O pífio aumento em 2019, sobre uma base muito menor, é incompatível com qualquer sinal de retomada da economia. O PIB do país em 2019 cresceu somente 1,1%, menos ainda que no governo anterior.
Investimento fraco e crescimento baixo são façanhas e tanto, porque, depois de uma crise como a nossa, o próprio ciclo econômico deveria fazer a economia crescer a taxas muito mais altas.
A razão para o relatório não tem nada a ver com a boa economia, mas com ideologia rasteira: arranjar uma desculpa para o menosprezável crescimento brasileiro, criando indicadores quase aleatórios para contar uma história impossível: a de que o desempenho do atual governo, na área que deveria ir bem, não foi desesperadamente ruim (que o digam os milhões de desempregados e os novos famintos, categoria que o governo resolveu recriar no Brasil, ao sangrar as verbas do Bolsa Família).
Não existe essa de PIB privado e PIB público. Não faz o menor sentido contábil, econômico ou mesmo racional. É propaganda. Pior, é análise conceitualmente falha, feita com dinheiro público, para enganar quem se impressiona com gráficos coloridos.
O palhaço não foi contratado pelo presidente, somos nós que temos que ler esse tipo de publicação de supostos técnicos gabaritados.
Talvez fosse melhor a SPE ser rebatizada de Secretaria do Amor, Paz, Abundância e Verdade, como no livro "1984" (ou seria 2020?), de George Orwell. Faria jus ao conteúdo das suas publicações.