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Opinião Econômica

- Publicada em 19 de Setembro de 2018 às 00:18

Era uma vez...

Opinião Econômica: Alexandre Schwartsman

Opinião Econômica: Alexandre Schwartsman


/Arquivo/JC
Em entrevista recente ao Pravda, perdão Valor Econômico, Armínio Fraga argumenta que a situação econômica atual é ainda pior do que a enfrentada há 16 anos, durante a eleição de 2002.
Em entrevista recente ao Pravda, perdão Valor Econômico, Armínio Fraga argumenta que a situação econômica atual é ainda pior do que a enfrentada há 16 anos, durante a eleição de 2002.
Concordo plenamente, porém, noto que, se isto for mesmo verdade, há o que explicar do ponto de vista dos preços no mercado financeiro.
É fato que o dólar anda na casa de R$ 4,15-R$ 4,20, pouco acima do observado lá atrás, mas, ajustando o valor à diferença entre a inflação brasileira e a americana, o dólar na média de outubro de 2002 seria equivalente a algo perto de R$ 6,50, bem mais caro do que agora.
Da mesma forma, o risco país (o tanto a mais de juros que o Brasil precisa pagar comparado aos EUA) anda alto, na casa de 3%-3,5% ao ano; em 2002, todavia, chegava a impensáveis 24% ao ano.
Por fim, também ajustada à inflação, a Bolsa hoje vale praticamente três vezes mais do que no pior momento daquela crise.
Em suma, pela ótica fria dos preços de mercado a coisa não parece tão feia quanto Armínio e eu (entre tantos) acreditamos.
Houve, é bom dizer, melhora em algumas fragilidades importantes.
Quase metade de tudo o que governo devia à época (algo como R$ 1,3 trilhão de R$ 3 trilhões a preços de hoje) era denominada em moeda estrangeira, principalmente dólares.
Assim, qualquer balançada no dólar, não muito diferente da que observamos recentemente, tinha efeitos negativos que realimentavam o problema: com o dólar mais caro a dívida crescia, o que aumentava a percepção acerca da nossa incapacidade para manter os pagamentos em dia, levando à fuga adicional de capitais e nova pressão sobre o dólar.
Hoje, em contraste, o governo tem mais dólares do que deve, ou seja, ganha quando o dólar sobe, quebrando o círculo vicioso anterior.
Algo parecido se passa com o setor privado: graças aos investimentos externos, o encarecimento do dólar não gera receio de que a dívida externa das empresas brasileiras em seu conjunto se torne impagável (ao contrário do que ocorre com, por exemplo, a Turquia).
Como os mecanismos de realimentação da crise via dólar e dívida não mais estão presentes, o dólar não explode, nem o risco país, e o balanço mais saudável das empresas transparece em um mercado acionário mais forte do que o daquela época.
Apesar disso, as contas públicas pioraram muito.
Em 2002 o setor público apresentava superávit primário ao redor de R$ 130 bilhões (a preços de hoje); prevê-se agora déficit de R$ 159 bilhões neste ano e R$ 139 bilhões no próximo.
O gasto federal, corrigido pela inflação, era então pouco superior a R$ 600 bilhões; hoje supera R$ 1,3 trilhão, dos quais o governo controla efetivamente menos do que 10%.
Já a dívida pública (usando a definição existente em 2002) equivalia a 65% do PIB (Produto Interno Bruto) e vinha em trajetória decrescente; hoje ultrapassa 85% do PIB e cresce desde o fim de 2013.
Naquele momento, portanto, bastou que o novo governo mantivesse a política econômica do anterior para que as coisas se acalmassem.
Hoje, porém, a tarefa é bem mais difícil: não se trata de manter o que existe, mas reformá-lo profundamente contra a ação de grupos de interesse que não aceitam serem privados de suas meias-entradas.
O mundo político, contudo, não se mostrou à altura da tarefa. Se persistirmos no erro, é até possível que os preços no mercado financeiro não voltem aos patamares de 2002, mas não tenham dúvidas de que teremos muita saudade dos preços de 2018.
Consultor, ex-diretor do Banco Central (2003-2006). É doutor pela Universidade da Califórnia em Berkeley
 
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