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Mercado Digital

- Publicada em 22 de Fevereiro de 2021 às 13:40

Cultura do cancelamento: protegidos pelas telas, nos tornamos juízes, avalia neurocientista

Rodrigues diz que mundo real e virtual podem coexistir, e que nós podemos coabitá-lo

Rodrigues diz que mundo real e virtual podem coexistir, e que nós podemos coabitá-lo


Arquivo Pessoal/Divulgação/JC/
Nos últimos tempos, a cultura do cancelamento tomou conta da internet. Um comportamento considerado inadequado, uma fala preconceituosa ou alguma posição com a qual a maioria da comunidade não concorda e, pronto, figuras públicas como artistas, influenciadores digitais e políticos estão cancelados, ou seja, passam a ser boicotados e criticados. Esse mesmo comportamento é o que estamos vendo dentro do Big Brother Brasil 2021 que, desde que começou, tem causado polêmicas e discussões que já extrapolaram as telas. E com um detalhe curioso. Parte dos participantes, o chamado gabinete do ódio, causou revolta de quem acompanha o programa aqui fora por estar cancelando outros do elenco. Mas, aqui fora, os canceladores de lá é que estão sendo cancelados. A cantora Karol Conká, apontadas como uma das vilãs do programa pelo público, perdeu seguidores nas redes sociais e teve participações em eventos suspensas. O comediante gaúcho Nego Di, foi eliminado essa semana com mais 98% de rejeição. Pela internet, olhamos, julgamos e acusamos pessoas pelas suas atitudes. Nos tornamos mais rígidos no julgamento dos demais quando nos sentimos protegidos pelas telas? O que isso diz isso sobre nós mesmos? Neste bate papo, Fabiano de Abreu Rodrigues, neurocientista, doutor em Psicologia da Saúde pela Université Libre des Sciences de l'Homme de Paris e mestre em psicanálise pelo Instituto e Faculdade Gaio, Unesco, aborda esse cenário e também fala sobre como a vida virtual está interferindo na realidade. “Quando criticamos o outro, nos posicionamos em um patamar superior. Quando vemos o mal do outro que não gostamos, nos recompensamos por não sermos nós”, aponta.
Nos últimos tempos, a cultura do cancelamento tomou conta da internet. Um comportamento considerado inadequado, uma fala preconceituosa ou alguma posição com a qual a maioria da comunidade não concorda e, pronto, figuras públicas como artistas, influenciadores digitais e políticos estão cancelados, ou seja, passam a ser boicotados e criticados. Esse mesmo comportamento é o que estamos vendo dentro do Big Brother Brasil 2021 que, desde que começou, tem causado polêmicas e discussões que já extrapolaram as telas. E com um detalhe curioso. Parte dos participantes, o chamado gabinete do ódio, causou revolta de quem acompanha o programa aqui fora por estar cancelando outros do elenco. Mas, aqui fora, os canceladores de lá é que estão sendo cancelados. A cantora Karol Conká, apontadas como uma das vilãs do programa pelo público, perdeu seguidores nas redes sociais e teve participações em eventos suspensas. O comediante gaúcho Nego Di, foi eliminado essa semana com mais 98% de rejeição. Pela internet, olhamos, julgamos e acusamos pessoas pelas suas atitudes. Nos tornamos mais rígidos no julgamento dos demais quando nos sentimos protegidos pelas telas? O que isso diz isso sobre nós mesmos? Neste bate papo, Fabiano de Abreu Rodrigues, neurocientista, doutor em Psicologia da Saúde pela Université Libre des Sciences de l'Homme de Paris e mestre em psicanálise pelo Instituto e Faculdade Gaio, Unesco, aborda esse cenário e também fala sobre como a vida virtual está interferindo na realidade. “Quando criticamos o outro, nos posicionamos em um patamar superior. Quando vemos o mal do outro que não gostamos, nos recompensamos por não sermos nós”, aponta.
Mercado Digital – Por que as reações das pessoas aos erros dos outros parecem tão mais viscerais hoje em dia?
Fabiano de Abreu Rodrigues – Estamos em um momento diferente, de mais ansiedade e de uma necessidade por conquistas e de busca de uma atmosfera mais positiva. Quando criticamos o outro, nos posicionamos em um patamar superior. Quando vemos o mal do outro que não gostamos, nos recompensamos por não sermos nós. Também pela atmosfera negativa que vivemos, relacionada à pandemia e às memórias negativas, essa similaridade nos posiciona no mesmo sentido negativo. É como se fosse uma busca por justiça, para compensar o cenário adverso em que fomos jogados de surpresa, sem aviso prévio para o que iríamos enfrentar e durante tanto tempo. O senso de justiça social, a massa crítica e um certo sentimento de vingança exacerbado, nos leva a esse engajamento de vigiar a vida alheia, opinando sobre o certo e errado, nos tornando juízes, com o poder de absolver ou condenar. E tudo isso com a proteção da tela e do anonimato.
Mercado Digital – De que forma a união com outras pessoas que pensam iguala gente potencializa esse tipo de atitude?
Rodrigues – Potencializa pela sensação de apoio, de segurança e de confirmação da certeza e da razão. Isso não quer dizer que a pessoa deseje o bem do outro, mas, sim, a sua própria satisfação. Quando construímos um grupo por familiaridade ou por afinidade, nos sentimos representados e muito mais fortes. O fato de sermos um grupo faz nossa personalidade se diluir no todo, formando um eu único e mais poderoso. Essa sensação de poder e representação social é tão dominadora que cria os estereótipos e preconceitos em sociedade. O ser humano é um ser social, ser relacional. Este é um marcador genético que nos confere sentimento de pertença e importância. Isso gera prazer, ligado à ideia de dominação pelo grupo mais forte, que propaga sua ideia como verdade.
Mercado Digital – Você comentou que a vida virtual está interferindo na vida real. De que forma isso se manifesta?
Rodrigues – Agindo em defesa de si, o nosso eu cria realidades paralelas. O cérebro desenha novas rotas de fuga para resultados mais imediatos, na tentativa de liberar de forma instantânea, com menor dispêndio de energia, uma maior quantidade de hormônios que ativam a zona de recompensa do cérebro. Podemos confirmar isso assistindo ao Big Brother, ao observar o comportamento diante do isolamento das pessoas. Também vemos isso ao perceber a satisfação em postar uma foto na rede social e receber likes, algo que é diferente da sensação cotidiana fora das redes. É como se o mundo real, por ser de menor alcance, fosse menos significativo. O paradoxo do mundo real é que a realidade é distópica, enquanto o mundo virtual é utópico. Harmonizar esses dois mundos é a única saída viável. Precisamos compreender que eles podem coexistir e que nós podemos coabitá-lo, sendo flexíveis com as duas formas de se apresentar, sem nos perdermos nem nos confundirmos em nossas aparições.
Mercado Digital – O que leva as pessoas a se afastarem de quem elas são para assumirem um personagem daquilo que eles gostariam de parecer para os demais?
Rodrigues – A necessidade da recompensa. A ansiedade que vivemos nos dias atuais aumenta a necessidade de conquistas imediatas, mesmo que em doses homeopáticas. Somos movidos a novas conquistas e, quanto mais as temos, mais as queremos. Outro fator é o desejo de nos sentirmos aceitos. Uma das maiores necessidades do ser humano é o senso de pertencimento. Assim como também há uma demanda de significância, de sentir-se importante, visto, apreciado. Essa necessidade vem desde os nossos antepassados. Se fossemos excluídos de grupo/tribo, as chances de sobrevivência diminuiriam drasticamente. Em outras palavras, ser rejeitado poderia até mesmo ocasionar a morte.
Mercado Digital – Postar nas redes sociais é sempre uma necessidade narcísica?
Rodrigues – O postar na rede social é uma maneira fácil e rápida de chamar a atenção e receber a satisfação liberada pela dopamina, deixando sempre em alta a energia libidinal, investindo afetivamente em nós mesmos como objeto de desejo. A linha entre saudável e patológica está nos excesso. O equilíbrio é sempre a forma mais saudável de viver. Observe-se e gerencie seus sentimentos e comportamentos para fugir dos excessos que sempre esconderão uma falta. Narcisismo patológico esconde baixa autoestima. Ao mesmo tempo, todas as pessoas são narcisistas em certo ponto, já que elas contêm em si um ímpeto pela auto conservação. Ser narcisista é, portanto, natural, instintivo. Precisamos nos posicionar em um patamar de aceitação para sobrevivermos e também para chamar a atenção dos demais para sermos aceitos. Essa aceitação é crucial na sobrevivência. Mas, quando em excesso, nos tornamos irracionais e afastamos as pessoas, nos tornamos insuportáveis e sem sentido.
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