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Espaço Vital

- Publicada em 16 de Novembro de 2020 às 21:32

Confusões no gravador


MONTAGEM DE GERSON KAUER/EV SOBRE IMAGEM FREEPIK/DIVULGAÇÃO/JC
Por Carlos Alberto Bencke, advogado
Por Carlos Alberto Bencke, advogado
O caso do estupro da jovem Mariana Ferrer - que virou celeuma nacional pelos atropelos verbais durante a audiência judicial, em Florianópolis - trouxe à baila um anterior acontecimento envolvendo um jovem magistrado. Este - então recentemente concursado e recém chegado na comarca de entrância inicial - deparou-se com a ação penal de um suposto estupro. Envolvia o filho do mais rico empresário da cidade e uma linda modelo da Capital. O fato teria ocorrido numa festa na casa da família.
Lida a denúncia, examinadas as provas, nada parecia conduzir para a condenação do sedizente estuprador. Este, aliás, estava muito bem representado por um caríssimo advogado da Capital. Mas o juiz recebeu a denúncia e marcou o interrogatório.
No dia da audiência, o novel magistrado - que era muito discreto nas suas aparições sociais na cidade - entrou no fórum vestido de forma muito comum. Pela sua idade, ele conhecia bem as expressões usadas pela juventude local. Num banco do corredor, vislumbrou sentado um jovem à espera de seu advogado. Havia um lugar vago ao lado.
O magistrado não teve dúvidas. Sentou-se e puxou assunto.
- E aiê, meu? Tudo bem?
- Ãhan - respondeu laconicamente o acusado do estupro.
- Qual é teu problema? Eu tô ferrado por levar uns bagulhos numa festinha de gente rica aqui na cidade. Rolou cada coisa naquela festa... foi massa!
- Eu tava nessa festa, cara. E me ferrei. Tô aqui acusado por estupro de uma modelo que tava lá.
- Quem? A Maria? Conheço ela. É linda. Pô, cara, tu faturou aquele monumento?
Como todo homem canalha para quem não é suficiente desfrutar da relação íntima - mas tem de contar para os amigos... - o jovem falastrão não aguentou e vangloriou-se, sempre pensando que estivesse falando com um cafajeste do seu nível.
- Sim, faturei. Ela não queria e eu tive que botar uns bagulhos na bebida dela. Mas valeu a pena. Linda, gostosa e, cara... era virgem! Botei camisinha.
O interlocutor depois de ouvir isso, disse que iria sair para "dar um tapa" num baseado lá fora.
Quando o acusado entrou na sala de audiências com seu caríssimo advogado, levou um susto enorme, ao ver seu momentâneo vizinho de sala de espera, sentado no lugar mais alto da sala. À direita estava o promotor.
Aberta a audiência, o juiz ligou o gravador do antigo celular e a conversa ecoou na sala. O advogado, sem acreditar, tentou protestar, mas seu apavorado cliente já havia confirmado que era ele o participante da conversa. E contou toda a história. Foi condenado. Houve recurso de apelação. E o juiz ficou sob investigação na Corregedoria pela forma inusitada do interrogatório.
Oportunamente, num outro Romance Forense, talvez eu possa contar o desfecho. Antecipo que duas teses estiveram em confronto. Uma: tratou-se de estupro, crime hediondo e o Direito precisa ser efetivo. Outra: não valeu a confissão, devendo aplicar-se o direito garantista de o cidadão não fazer prova contra si mesmo.
Entrementes, ecoaram várias semanas, nos corredores da comarca, versos e música de Tom Jobim - imortalizados na voz de Gal Costa - em Anos Dourados: "Não lembro / Parece dezembro / De um ano dourado / Parece bolero, te quero, te quero / Dizer que não quero / Teus beijos nunca mais / Te ligo ofegante / E digo confusões no gravador..."
 

Pedido de desculpas

Entrementes, em Porto Alegre - em sentido inverso à juizite - uma raridade jurisdicional proferida pelo desembargador do Trabalho Marcelo José Ferlin d'Ambroso. Após a 8ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (TRT-4) cassar uma decisão proferida pela juíza Luciana Caringi Xavier - em prejuízo a uma trabalhadora de supermercado - o acórdão esmiúça a nulidade da sentença.
Refere que "a decisão da origem reveste-se da mais absoluta ilegalidade, ferindo de morte o direito humano de acesso à justiça, impossibilitando que a trabalhadora, de humildes condições, obtenha do Estado a proteção necessária para a reparação dos seus direitos humanos ditos violados no curso da relação de trabalho". E arremata expressando "desculpas públicas devidas pelo Poder Judiciário". (Processo nº 0021277-54.2019.5.04.0007).

O cafezinho da discórdia

No ambiente tenso da Vara Criminal da Comarca de Alegrete (RS), na quinta-feira passada, uma divergência fora da liturgia jurisdicional. Na audiência de uma ação penal que trata de um homicídio, o juiz Rafael Echevarria Braga - quando percebe a entrada, na sala, de uma servidora portando uma garrafa térmica e copos plásticos - questiona o defensor Gustavo Teixeira Segalla: "Doutor, o senhor pediu cafezinho à funcionária?".
O advogado confirma, elogiando a boa-vontade da trabalhadora terceirizada. Esta começa a dar meia-volta. O magistrado complementa: "O café não é para o público. Nós não temos esse tipo de serviço no fórum, nem verba para isso, mas a senhora pode dar (...) Qualquer prestação de serviço aqui dentro é só com ordem do diretor do foro, que sou eu".
O juiz seguiu sorvendo seu chimarrão numa cuia avantajada. E Segalla e seu colega Thiago Bataglin - que foram os destinatários do cafezinho - anunciaram que farão um depósito judicial em dobro (R$ 30,00 - correspondente ao preço comercial de duas térmicas cheias) "para não onerar o Estado". (Processo nº 0001967-20-2020.8.21.0002).

A culpa é do gato

(Da série "Ainda Não Vimos Tudo")
Uma pérola do Direito de Vizinhança. Incomodada pelos latidos que, na casa ao lado, eram produzidos por nove cães acomodados num pequeno pátio, uma vizinha obteve decisão da Justiça do Rio de Janeiro. Esta fixou em um mês o prazo para a mudança dos caninos. A astreinte é de R$ 300,00 diários, a partir do 31º dia.
A dona do bando não teve sorte na tese defensiva: "Os cães só latem quando o gato mia, ou quando alguém toca a campainha".

Ficção constitucional...

A "rádio-corredor" da OAB-RS - onde a desavença rubiácea repercutiu - fez uma jurídica difusão.
Irradiou que "volta e meia é arranhada a propalada paridade entre advocacia e magistratura, sendo então o artigo 133 da Constituição uma mera ficção". Faz sentido.

Caixa em alta

Fora da quarentena obrigatória, Sergio Moro já fez os seus três primeiros trabalhos após deixar de ser ministro da Justiça. Um deles foi para a Vale, num caso relativo a fraudes financeiras.
Pelos três pareceres, Moro recebeu R$ 750 mil.

O poder da cueca

Completou um mês no sábado o flagrante em Chico Rodrigues (DEM-RR), aquele do dinheiro na cueca amarela. A representação contra o argentário político completou igual tempo ontem. Os autos da esparrela seguem na gaveta do presidente do Conselho de Ética do Senado, Jayme Campos. Que, por mera coincidência, é também do DEM, mas mato-grossense. Enfim, é o espírito senatorial que temos.

Entrementes, a pobreza

A proporção dos extremamente pobres que podem ter acesso ao Bolsa Família (com ganho mensal de R$ 90 por mês/por pessoa) subiu pelo quinto ano consecutivo em 2019. Segundo estudo da FGV Social, a alta acumulada foi de 67%.
Justo na semana passada, o IBGE divulgou que o país tem 51,5 milhões de habitantes na pobreza e 13 milhões na extrema pobreza.