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Cinema

- Publicada em 14 de Abril de 2022 às 03:00

Pretensão e superficialidade

Hélio Nascimento
O diretor Bille August, nascido em 1948, conseguiu repercussão internacional quando venceu o Festival de Cannes em 1987 com Pelle, o Conquistador, uma façanha que ele repetiu em 1952 com As melhores intenções, filme baseado em um roteiro de Ingmar Bergman. Ao adquirir fama com estas duas vitórias, tentou carreira fora da Suécia, tendo mesmo dirigido para a televisão alguns episódios de uma série americana dedicada à juventude do personagem Indiana Jones. Ele realizou também uma versão do romance A casa dos espíritos, de Isabel Allende, em 1993. Seu novo filme conserva a característica mais evidente de seu trabalho: a abordagem de temas destinados a repercussão, tratados de forma acadêmica e marcados por uma evidente superficialidade.
O diretor Bille August, nascido em 1948, conseguiu repercussão internacional quando venceu o Festival de Cannes em 1987 com Pelle, o Conquistador, uma façanha que ele repetiu em 1952 com As melhores intenções, filme baseado em um roteiro de Ingmar Bergman. Ao adquirir fama com estas duas vitórias, tentou carreira fora da Suécia, tendo mesmo dirigido para a televisão alguns episódios de uma série americana dedicada à juventude do personagem Indiana Jones. Ele realizou também uma versão do romance A casa dos espíritos, de Isabel Allende, em 1993. Seu novo filme conserva a característica mais evidente de seu trabalho: a abordagem de temas destinados a repercussão, tratados de forma acadêmica e marcados por uma evidente superficialidade.
Seu objetivo desta vez é focalizar o relacionamento da escritora Karen Blixen (1885-1962), também conhecida pelo pseudônimo de Isac Dinesen, com um jovem poeta, Thorkild Bjornie. A escritora, sempre apontada como um dos grandes nomes da literatura dinamarquesa, se tornou ainda mais conhecida quando, em 1985, Sidney Pollack realizou, baseado em um de seus livros, Entre dois amores, filme vencedor do Oscar e interpretado por Meryl Streep, Robert Redford e Klaus Maria Brandauer. A experiência africana e seu casamento desfeito, depois que ela conhece o aviador Dennis Finch Hatton, morto num acidente em 1931, é várias vezes citada em O pacto, focalizado nos anos finais da escritora, quando ela adota Bjornie como seu protegido.
O novo filme de August, embora inspirado em fatos reais, pois é baseado em memórias do poeta protegido, não deixa de exalar um certo artificialismo, por não conseguir adotar um distanciamento da personagem da Baronesa Karen, assumindo de certa forma um toque de esnobismo, acentuado pela forma como orienta a atriz Birthe Neumann. Ao contrário, portanto, do que fez Billy Wilder, no clássico Crepúsculo dos Deuses, realizado em 1950, quando era evidente um olhar irônico e crítico para a personagem de Gloria Swanson, cujas glórias passadas a faziam acreditar num domínio sobre todos, inclusive sobre o roteirista em busca de sucesso vivido por William Holden. O filme de Wilder, que por causa de sua cena inicial tem feito vários críticos citar Memórias Póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis, era ostensivamente marcado pela ironia e colocava em cena uma personagem distanciada do mundo real.
Se Holden, no filme de Wilder, era um roteirista à beira do fracasso, o escritor de O pacto, vivido por Simon Bennebjerg, está no início de sua trajetória e é fascinado pela figura e pelo talento da Baronesa. Ele, que é por ela chamado ironicamente de Magister, terá, no entanto, de enfrentar um dilema: permanecer com a família, pois é casado e tem um filho pequeno, ou seguir uma carreira que exige isolamento.
É a partir de tal ponto que o filme começa a fraquejar na proposta. A Baronesa é uma manipuladora. Na cena do baile em sua casa o cineasta não deixa dúvida. A escritora faz de seus amigos personagens de um espetáculo de marionetes, destino que está obviamente reservado para o poeta iniciante. O relacionamento entre a célebre e autoritária autora e seu protegido também pode ser visto como variação em torno do matriarcado repressor, um tema sobre o qual o grande Hitchcock teceu inúmeras variações em muitos momentos de sua obra. August se aproxima de tal tema de forma a torná-lo apenas um dado numa narrativa que se conclui de maneira bastante superficial, ao colocar na tela um quadro idílico do cotidiano. O conflito entre a imaginação e a realidade fica apenas sugerido.
No final de tudo, permanece a impressão de que August quis pintar a escritora como uma personalidade movida pela agressividade devido à doença que a acometeu, na época vista como algo capaz de causar grandes constrangimentos, e procurando destruir cenários e personagens de um mundo real. As citações a Goethe, embora indiretas, remetem a uma situação faustiana não devidamente explorada. E quanto ao poeta, este é um Édipo que se afasta de seu destino e passa a viver num mundo que nunca deveria ter abandonado. Porém certos temas exigem um novo Bergman, algo inexistente em O pacto.
 
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