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Cinema

- Publicada em 20 de Janeiro de 2022 às 19:17

O ataque das serpentes

Hélio Nascimento
O diretor holandês Paul Verhoeven, que obteve repercussão internacional em 1972 devido às ousadias contidas em Louca paixão, é um devoto das práticas destinadas abalar estruturas de diversos gêneros. Também aprecia viajar no tempo, reconstituindo épocas passadas, como em Conquista sangrenta, realizado em 1985, que reconstituía a passagem da Idade Média para a Renascença ou avançando para o futuro, como em Tropas estelares, realizado em 1997.
O diretor holandês Paul Verhoeven, que obteve repercussão internacional em 1972 devido às ousadias contidas em Louca paixão, é um devoto das práticas destinadas abalar estruturas de diversos gêneros. Também aprecia viajar no tempo, reconstituindo épocas passadas, como em Conquista sangrenta, realizado em 1985, que reconstituía a passagem da Idade Média para a Renascença ou avançando para o futuro, como em Tropas estelares, realizado em 1997.
O seu maior sucesso de público, Instinto selvagem, produzido em 1992, colocava em cena temas não usuais no gênero policial. Aos 83 anos de idade, com este Benedetta, que foi selecionado para ser exibido na mostra principal do Festival de Cannes, ele está obtendo um triunfo tardio e até considerado um dos mais importantes diretores em atividade.
O filme atual pode não ser totalmente aceito e até criticado por desprezar sutilezas que a narrativa cinematográfica permite, mas é trabalho que tem significado e importância. Ele tem sido classificado, por vezes, como blasfemo e provocativo, mas é bem mais do que isso.
Trata-se, antes de tudo, de um olhar sobre normas repressivas, impostas pela civilização, em conflito com instintos que submetidos a disciplinas e repressões costumam eclodir, revelando um combate quase sempre oculto e causador de desequilíbrios e mesmo violências.
O dilema gerador de obras de ficção desde os primeiros passos de nossa civilização e de ensaios e obras destinadas a lançar luz sobre eles é exposto claramente no filme de Verhoeven, com extremo realismo, mas mesmo assim não é inédito e nem ostenta o pioneirismo que muitos nele apontam.
Benedetta não é o primeiro filme a ter como palco uma instituição religiosa para falar de instintos reprimidos. Em 1961, o polonês Jerzy Kawalerowicz realizou Madre Joana dos Anjos, e, em 1972, o britânico Ken Russell, outro apreciador das provocações e das ousadias, fez com Os demônios, seu gesto de atrevimento. Russell, que realizou filmes sobre Liszt e Tchaikovsky, e uma longa série para a televisão sobre outros compositores, certamente conhecia a ópera Os demônios de Loudun, de Krzysztof Penderecki, composta a partir de uma adaptação para o teatro de um livro de Aldous Huxley, escrita por John Whiting.
Todas essas obras são baseadas em fatos reais, assim como acontece com o filme de Verhoeven, cujo roteiro foi escrito pelo próprio diretor. A ação, que transcorre no século XVII, trata de um caso no qual, em vez de ser possuída pelo demônio, como nas obras citadas, a protagonista se imagina portadora das virtudes e dos poderes de Jesus.
As contestações surgem dentro do próprio convento, mesmo depois de a protagonista alcançar o posto máximo da instituição. As cenas íntimas entre ela e uma noviça expõem o papel exercido pelas forças severamente controladas E os momentos em que a protagonista se dirige aos demais personagens como se fosse a voz de seu Mestre, aí sim pode ser percebida uma provocação, pois as cenas se assemelham a momentos semelhantes a obras como O exorcista, de Wiliam Friedkin, por exemplo.
Quando entra em cena a figura do núncio o filme se torna mais explícito, na condenação da tortura e dos preconceitos. Tal figura, portadora da peste e da desumanidade, parece saída do universo de Umberto Eco e do filme de Jean-Jacques Annaud baseado em O nome da rosa.
Trata-se do inquisidor que não pertence a determinada época e que, assumindo formas e funções diversas, costuma aparecer de tempos em tempos para espalhar o terror, antes de ter sua trajetória interrompida pela mesma violência de que é portador.
O filme torna também clara que a repressão imposta por tal personagem a ele próprio é igualmente uma força poderosa e causadora de práticas abomináveis. O filme é também meticuloso na reconstituição de época, inclusive com uma encenação teatral religiosa e a utilização, na faixa sonora, de peças de Hildegard von Bingen (1098-1170), santa da Igreja e compositora. E no último plano, repassado de sugestões bíblicas, a caminhada para um cenário dominado perlo fogo, o realizador acentua as complexidades do tema abordado e concretiza na tela uma imagem de esperança.
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