Desde que começou sua carreira como diretor, em 2002, com Confissões de uma mente perigosa, George Clooney deixou clara sua opção por um cinema focalizado em figuras reais e personagens que, por sua participação no teatro da realidade, tenham algo a dizer, sem transformar os filmes em dispensáveis dissertações. Os trabalhos seguintes, principalmente Boa noite e boa sorte, em 2005, uma reconstituição da importância do papel da imprensa em situações em que valores fundamentais são ameaçados e também sobre a importância que ela poderia adquirir no espaço ocupado pela televisão, deixaram claro que o cinema contava com mais um realizador participante daquele grupo disposto a propor ao público um cinema maduro e reflexivo. Seu novo filme, Bar doce lar, confirma, pela coerência e pela forma de narrar, a presença de um realizador disposto a permanecer fiel a um cinema que recusa artificialismos e coloca o ser humano como figura central. Baseado na autobiografia do escritor J.R. Moehringer, o filme aborda a narrativa de forma a transformá-la num filme sobre uma trajetória em que o aprendizado é composto por elementos que colocam o protagonista numa estrada que o leva ao amadurecimento. O cinema, várias vezes, já abordou tal tema. Em seu novo filme, Clooney não tem a pretensão de inovar ou causar qualquer tipo de revolução narrativa. Ao contrário, mesmo dividindo a ação em dois tempos, opta por permanecer fiel aquela linguagem clássica, na qual se expressou a grandeza de mestres do passado. E sempre é importante lembrar que mesmo aqueles momentos revolucionários da história do cinema não abdicaram do personagem, sem o qual não há ficção que mereça ser acompanhada.
O tema da ausência paterna e da crise familiar é exposto desde os momentos iniciais. Do pai praticamente só resta a voz, que o protagonista ouve pelo rádio. Mas por vezes, esta figura tão importante, se desintegra diante do filho, principalmente pela agressão física a outros personagens e pela decadência exposta em palavras e atitudes. É a agressividade exposta e que tem como contraponto a figura do tio, personagem substituto e uma espécie de guia e também portador daquele afeto necessário na caminhada para o futuro. Na parte dedicada à juventude do principal personagem, o filme, cujo roteiro foi escrito por William Monahan, escapa de armadilhas e ingenuidades e focaliza outro gênero de decepção. Uma paixão vai aos poucos se desfazendo pela realidade, enquanto a luta por uma afirmação no mundo da palavra escrita vai encontrando obstáculos, por vezes difíceis de serem enfrentados. Note o espectador a maneira como o diretor filme duas cenas idênticas na forma, mas opostas no conteúdo. Numa delas o protagonista sai como vitorioso do gabinete do editor-chefe. Em outra a decepção é evidente. A ligação entre duas, filmadas da mesma forma, parece sintetizar a essência da jornada humana.
Um outro ponto a ser considerado é a maneira como são dirigidos os intérpretes. Todos estão perfeitos, distante dos excessos e de dispensáveis dramatizações. O filme, nesse sentido, é um belo exemplo. O personagem do tio tem no ator Ben Affleck um intérprete admirável, na maneira como faz viver diante do espectador o pai substituto. E Daniel Ranieri confere a seu personagem uma autenticidade que por vezes lembra aquela de Enzo Staiola, vivendo o menino Bruno, em 1945, em Ladrões de bicicleta, de Vittorio de Sica. É realmente importante constatar que o neorrealismo italiano, além de exercer grande influência no cinema iraniano, continua vivo em obras produzidas pela grande indústria cinematográfica. E também em muitas cinematografias espalhadas pelo mundo. Essa busca pelo real, esse interesse por personagens verídicos, este fascínio por situações que revelam a essência de certos fatos, todas essas opções revelam que o cinema pode ser enriquecido por inovações formais, mas não deixará de ser a reconstituição da realidade. Filmes como Bar doce lar são obstáculos colocados diante da marcha do retrocesso.