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Cinema

- Publicada em 23 de Dezembro de 2021 às 21:17

Rumo ao futuro

Hélio Nascimento
Paolo Sorrentino é um felliniano assumido. Seu novo filme, A mão de Deus, não é apenas uma referência a uma falcatrua praticada por Diego Maradona na Copa do Mundo de 1986, embora tenha na veneração ao talento do jogador argentino um dos temas desenvolvidos durante a ação. Quatro anos antes aconteceu a guerra das Falklands/Malvinas, resultado da invasão das ilhas por tropas da ditadura argentina, que disputa com a chilena o título da mais sangrenta entre tantas que assolaram o continente nas décadas de sessenta e setenta, sem esquecer regimes repressivos implantados em todo o século vinte em nações sul-americanas. Aquele jogo no qual Maradona, além daquela irregularidade, marcou um gol antológico, eleito pela Fifa, após consulta a treinadores, jogadores e jornalistas como o mais notável de todas as copas, foi visto por muitos que não acompanham e nem se interessam por futebol como uma vingança argentina, numa estranha simbiose entre esquerdistas e direitistas, com os primeiros esquecendo os horrores praticados pelo regime militar argentino, algo que o filme de Sorrentino não deixa de lembrar, ressaltando o entusiasmo diante da derrota inglesa naquela partida. Embora lembrando tais fatos, Sorrentino está realmente interessado em desenvolver outros temas, embora classifique, antes do início da narrativa, Maradona como o maior de todos os tempos. Não é essa discussão que interessa no caso do filme que, seguindo luzes fellinianas procura seguir o caminho de reconstituição do passado e falar de experiências fundamentais, sem esquecer o grotesco que tanto fascinou aquele mestre.
Paolo Sorrentino é um felliniano assumido. Seu novo filme, A mão de Deus, não é apenas uma referência a uma falcatrua praticada por Diego Maradona na Copa do Mundo de 1986, embora tenha na veneração ao talento do jogador argentino um dos temas desenvolvidos durante a ação. Quatro anos antes aconteceu a guerra das Falklands/Malvinas, resultado da invasão das ilhas por tropas da ditadura argentina, que disputa com a chilena o título da mais sangrenta entre tantas que assolaram o continente nas décadas de sessenta e setenta, sem esquecer regimes repressivos implantados em todo o século vinte em nações sul-americanas. Aquele jogo no qual Maradona, além daquela irregularidade, marcou um gol antológico, eleito pela Fifa, após consulta a treinadores, jogadores e jornalistas como o mais notável de todas as copas, foi visto por muitos que não acompanham e nem se interessam por futebol como uma vingança argentina, numa estranha simbiose entre esquerdistas e direitistas, com os primeiros esquecendo os horrores praticados pelo regime militar argentino, algo que o filme de Sorrentino não deixa de lembrar, ressaltando o entusiasmo diante da derrota inglesa naquela partida. Embora lembrando tais fatos, Sorrentino está realmente interessado em desenvolver outros temas, embora classifique, antes do início da narrativa, Maradona como o maior de todos os tempos. Não é essa discussão que interessa no caso do filme que, seguindo luzes fellinianas procura seguir o caminho de reconstituição do passado e falar de experiências fundamentais, sem esquecer o grotesco que tanto fascinou aquele mestre.
Na sequência inicial, que começa de forma realista e que aos poucos vai sendo dominada pela fantasia, este processo é utilizado como forma de mostrar que a imaginação, por vezes criada por crenças e lendas, pode se transformar em instrumento destinado a esconder uma realidade indesejável. O mesmo, segundo o cineasta, também acontece com o futebol, que em alguns casos pode até unir adversários em outras áreas, mas que por vezes pode ser utilizado para encobrir o real ou contribuir para que a anestesia do público seja mais ampla e eficiente, como aconteceu no Brasil, nos primeiros anos da década de 1970, algo que o cinema brasileiro ressaltou em um de seus clássicos: Pra frente, Brasil, de Roberto Farias. No filme de Sorrentino, há uma sequência exemplar em tal sentido. É aquela na qual, durante uma discussão em torno de um drama familiar, o pai atende a um telefonema, aparentemente relacionado a outro acontecimento dramático, tal a emoção que aparece no rosto e é notada na voz do personagem. Trata-se apenas de um comunicado de um colega de serviço sobre a contratação de Maradona, algo que modifica o ambiente. Os problemas são esquecidos e a euforia domina os personagens. Cenas mais tarde, quando o protagonista toma a decisão de seguir seu destino, a alegria do povo pela conquista do campeonato nacional, não conta com participação do futuro cineasta.
Fellinianas são também as imagens de encerramento, quando o filme ergue ao mesmo tempo uma elegia e uma despedida dos elementos fantásticos. Estamos, de certa forma de volta à sequência inicial, mas agora o sono é tranquilo. Ficam no passado os traumas pelo desaparecimento dos pais e também aquelas figuras de um mundo de fantasia e que agora se despendem. Mas assim como as personagens da mãe, da baronesa e da tia, que formam uma espécie de trio formado por forças edipianas, todas permanecerão na memória e formarão a matéria-prima a ser elaborada pelo artista. Assim como no epílogo de Os boas-vidas, está nascendo um cineasta formado por experiências e pela capacidade de fazer a transposição para o mundo adulto. O cinema de Sorrentino não se afasta daquele mundo explorado pelo mestre Fellini. Desde a galeria de tipos exóticos até figuras atormentadas pelo peso imposto por leis repressoras, que podem conduzir seres humanos ao isolamento, o filme, homenageando um modelo, também tem ineditismo pela franqueza e o realismo com que aborda e desenvolve temas sempre presentes na trajetória do ser humano.
 
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