Corrigir texto

Se você encontrou algum erro nesta notícia, por favor preencha o formulário abaixo e clique em enviar. Este formulário destina-se somente à comunicação de erros.

Cinema

- Publicada em 22 de Outubro de 2021 às 03:00

Um crime e três versões

Hélio Nascimento
Aos 83 anos, Ridley Scott está lançando simultaneamente seus dois mais recentes filmes: O último duelo e Casa Gucci. De certa forma esses dois lançamentos realçam uma das marcas da filmografia do cineasta, aquela que lhe tem permitido olhar para o passado e para o futuro, para a realidade e para a fantasia. Alguns cinemas que estão exibindo o primeiro mostram, também, o trailer do segundo. Uma coincidência a ser ressaltada é que a carreira do cineasta, iniciada em 1977, tem como primeiro trabalho uma obra desenrolada no passado, os anos que se seguiram ao império napoleônico, intitulada Os duelistas. Não apenas pelo título a aproximação entre os dois filmes é evidente, tanto pela minuciosa reconstituição de época como pela notável habilidade do cineasta em encenar trechos nas quais a agressividade humana é realçada de forma a colocá-la no centro da trama desenvolvida, como algo a comandar ações e utilizada de forma a materializar em cena toda a brutalidade gerada por forças sufocadas por normas destinadas a mante sólidos princípios erguidos pela civilização. Qualquer filme sempre se completa pela encenação, nela estão os valores e os defeitos de qualquer obra. Mas um filme também tem como suporte valioso o roteiro. No caso de O último duelo, é necessário ressaltar que o filme volta a reunir os atores Matt Damon e Ben Affleck, que haviam escrito o roteiro de O gênio indomável, dirigido por Gus van Sant, em 1997. Eles, embora amigos até hoje, não haviam voltado a escrever juntos novamente. Trabalharam agora em livro escrito por Eric Jager, que por sua vez focalizou um fato verídico, ocorrido na Idade Média. De forma inteligente eles recorreram a uma mulher, a roteirista Nicole Holofcener, para escrever a terceira parte do filme, além de solicitar sua colaboração nos dois primeiros capítulos deste relato que tem um estupro como centro e uma visão de mundo no qual a mulher é vista como um objeto, um tema não estranho para o realizador de Thelma e Louise, filme por ele dirigido em 1991.
Aos 83 anos, Ridley Scott está lançando simultaneamente seus dois mais recentes filmes: O último duelo e Casa Gucci. De certa forma esses dois lançamentos realçam uma das marcas da filmografia do cineasta, aquela que lhe tem permitido olhar para o passado e para o futuro, para a realidade e para a fantasia. Alguns cinemas que estão exibindo o primeiro mostram, também, o trailer do segundo. Uma coincidência a ser ressaltada é que a carreira do cineasta, iniciada em 1977, tem como primeiro trabalho uma obra desenrolada no passado, os anos que se seguiram ao império napoleônico, intitulada Os duelistas. Não apenas pelo título a aproximação entre os dois filmes é evidente, tanto pela minuciosa reconstituição de época como pela notável habilidade do cineasta em encenar trechos nas quais a agressividade humana é realçada de forma a colocá-la no centro da trama desenvolvida, como algo a comandar ações e utilizada de forma a materializar em cena toda a brutalidade gerada por forças sufocadas por normas destinadas a mante sólidos princípios erguidos pela civilização. Qualquer filme sempre se completa pela encenação, nela estão os valores e os defeitos de qualquer obra. Mas um filme também tem como suporte valioso o roteiro. No caso de O último duelo, é necessário ressaltar que o filme volta a reunir os atores Matt Damon e Ben Affleck, que haviam escrito o roteiro de O gênio indomável, dirigido por Gus van Sant, em 1997. Eles, embora amigos até hoje, não haviam voltado a escrever juntos novamente. Trabalharam agora em livro escrito por Eric Jager, que por sua vez focalizou um fato verídico, ocorrido na Idade Média. De forma inteligente eles recorreram a uma mulher, a roteirista Nicole Holofcener, para escrever a terceira parte do filme, além de solicitar sua colaboração nos dois primeiros capítulos deste relato que tem um estupro como centro e uma visão de mundo no qual a mulher é vista como um objeto, um tema não estranho para o realizador de Thelma e Louise, filme por ele dirigido em 1991.
O inédito no relato é que, embora três visões sejam encenadas, não há qualquer dúvida sobre o acontecido. O que parece ter interessado mais o realizador e seus roteiristas são detalhes de comportamento e omissões que são corrigidas pelos outros relatos. Assim, o que parece ser algo civilizado por parte do cavaleiro Jean de Carrouges é desmentido pelo depoimento de sua esposa Marguerite. Quanto ao escudeiro Jacques Le Gris, a atração que ele pensa exercer é na verdade algo superficial e repassado de ironia. E só na terceira parte o papel da mãe adquire a importância, algo que tem a intensidade da mesma figura no clássico Os pássaros, de Hitchcock. Mas agora Scott e os roteiristas não utilizam metáfora para revelar a intensidade da aversão e do conflito. Grande diretor de intérpretes, Scott se esmera na maneira como coloca na tela esse rancor. Assim, a protagonista, que não está presente no título, mas é a personagem principal, vítima de uma violência que parece não se ter desligado do maior primitivismo, algo expresso nas cenas do avanço do potro e no momento do estupro.
Scott também ministra uma bela lição de como realizar um filme desenrolado em outra época e falar do presente. O cavaleiro não luta pela honra da mulher, mas pela sua própria reputação. A verdadeira personalidade do escudeiro é revelada nas orgias. Por outro lado, as cicatrizes no cavaleiro expõem a rudeza de uma época. E os conflitos pela posse de terras não estão ausentes. Nada parece mudar. Porém, para concordar com aqueles que a propósito do filme têm citado o clássico Rashomon, dirigido por Akira Kurosawa em 1950, é necessário lembrar que aquela obra também era concluída com uma cena na qual a presença de uma criança era o tema principal. Agora, encerrando o filme de forma a saudar a figura de Marguerite, o realizador também realça a passagem do tempo e acena para o futuro. É uma bela maneira de encerrar um filme notável, um dos melhores do cineasta. E também mais um a flagrar a brutalidade oculta que por vezes se revela e se transforma em grande ameaça, como em Alien, outro expressivo momento na carreira do diretor.
Conteúdo Publicitário
Leia também
Comentários CORRIGIR TEXTO