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Cinema

- Publicada em 16 de Julho de 2021 às 03:00

Pioneiros

Hélio Nascimento
Chamar A primeira vaca na América de western é certamente uma definição incompleta. O gênero, definido por Jean Louis Rieupeyrout, em livro prefaciado por André Bazin, como O cinema americano por excelência, não está inteiramente representado nesta obra da diretora Kelly Reichardt, que se passa no mesmo tempo reconstituído em vários trabalhos povoados por personagens de outro tipo, dotados daquele perfil que os transformaram em figuras de epopeia, para adotar uma referência feita pelo autor daquela introdução ao livro citado, editado no Brasil, em 1963 pela Itatiaia de Belo Horizonte. Defini-lo como obra desmistificadora também não é algo que seja marcado pela precisão. Para desconstruir algo consolidado pelo tempo é necessário partir de suas estruturas, de suas propostas, de seus heróis, de seus vilões, de suas paisagens, de seus conflitos básicos. O western, que muitos definem sem o adjetivo utilizado por Rieupeyrout e aceito por Bazin, não é marcado pela presença de figuras coadjuvantes no desenvolvimento do processo histórico e sim por personagens representativos de um ritual destinado a impor leis da civilização, sempre em luta com a rebeldia e a reação diante dos códigos destinados a disciplinar indivíduos e organizar a sociedade.
Chamar A primeira vaca na América de western é certamente uma definição incompleta. O gênero, definido por Jean Louis Rieupeyrout, em livro prefaciado por André Bazin, como O cinema americano por excelência, não está inteiramente representado nesta obra da diretora Kelly Reichardt, que se passa no mesmo tempo reconstituído em vários trabalhos povoados por personagens de outro tipo, dotados daquele perfil que os transformaram em figuras de epopeia, para adotar uma referência feita pelo autor daquela introdução ao livro citado, editado no Brasil, em 1963 pela Itatiaia de Belo Horizonte. Defini-lo como obra desmistificadora também não é algo que seja marcado pela precisão. Para desconstruir algo consolidado pelo tempo é necessário partir de suas estruturas, de suas propostas, de seus heróis, de seus vilões, de suas paisagens, de seus conflitos básicos. O western, que muitos definem sem o adjetivo utilizado por Rieupeyrout e aceito por Bazin, não é marcado pela presença de figuras coadjuvantes no desenvolvimento do processo histórico e sim por personagens representativos de um ritual destinado a impor leis da civilização, sempre em luta com a rebeldia e a reação diante dos códigos destinados a disciplinar indivíduos e organizar a sociedade.
O western, como gênero, parece esgotado, pois há 30 anos, desde que Clint Eastwood realizou Os imperdoáveis, nada foi feito capaz de merecer atenção. Mas aquela obra-prima, esta sim desmitificadora, recolocava na tela os temas clássicos e em tal procedimento mostrava que valores hoje cultuados tiveram origem nas sombras e nos tumultos de uma tempestade. A trajetória de um assassino, controlado pela civilização, que retorna movido por impulsos primitivos que sepultarão uma lei impulsionada pela irracionalidade, é a clara exposição de problemas que acompanham e certamente estarão sempre fazendo parte da natureza humana.
O western, claro, não é apenas isso. O maior deles, Rastros de ódio, de John Ford, soube explorar o tema do racismo de forma a se distanciar de todo e qualquer maniqueísmo. Na sua pureza e nas variações permitidas e estimuladas por suas características o western permanecerá como uma forma de cinema que enriqueceu e enobreceu a nossa arte. O já citado filme de Eastwood e também obras como O pequeno grande homem, de Arthur Penn, e McCabe and Mrs. Miller, de Robert Altman, foram trabalhos quem exerceram papel importante, ao deslocarem a atenção do espectador para personagens e cenários antes não focalizados. Os que conhecem o filme de Altman terão certamente o direito de nele ver um precursor de The first cow. Não importa saber se Kelly Reichardt viu ou não aquele filme. O importante é constatar que essa forma de aproximação de figuras e cenários antes não privilegiados pela câmera não é certamente uma originalidade. Também parece não ser justo esquecer os westerns dirigido pelo italiano Sergio Leone, principalmente o último dele, Era uma vez no Oeste, quase sempre colocado entre os melhores. Todos esses filmes - e muitos outros também dedicados a inovar o gênero - sempre partiram daquelas propostas que definiram tal forma de cinema.
Reichardt começa de outro ponto. Não é por acaso que seu filme tem um prólogo que registra a descoberta, nos dias de hoje, de dois esqueletos encobertos pelo tempo. É um verdadeiro achado arqueológico. Não deixa de ser uma abertura surpreendente. Mas que define, por antecipação, o destino dos dois personagens principais, que não são propriamente figuras tradicionais do western. São pioneiros, é verdade, mas estão no fundo do palco da peça e de lá retirados pela encenadora. Um é o cozinheiro de um grupo de caçadores e o outro um estrangeiro fugitivo. O primeiro é limitado pela timidez e nunca conseguirá sair de seu papel. Quando ele empunha a vassoura e começa a varrer a tentar colocar um pouco de ordem na cabana do chinês, enquanto este corta a lenha, a encenadora define os dois personagens. Estão muito distantes das figuras do western e definem o filme como um trabalho interessado em nos lembrar que há um manto a esconder figuras que não mereceram a atenção da história, mas fizeram parte de um processo.
 
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