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Cinema

- Publicada em 01 de Outubro de 2020 às 21:55

O passado e a solidão

Hélio Nascimento
O caminho percorrido por aqueles cineastas que acreditam que a realidade, tudo que pode ser contemplado pelo olhar humano, é reveladora dos dramas, dos anseios e dos sonhos humanos, é e sempre será o percurso correto. Todos os realizadores de cinema que elegem o diálogo entre figuras reais como elemento essencial a uma narrativa cinematográfica expressam fidelidade ao elemento essencial. O interesse pelas ligações entre personagem e cenário é a expressão de um interesse inestimável pela relação entre o ser humano e o mundo em que vive.
O caminho percorrido por aqueles cineastas que acreditam que a realidade, tudo que pode ser contemplado pelo olhar humano, é reveladora dos dramas, dos anseios e dos sonhos humanos, é e sempre será o percurso correto. Todos os realizadores de cinema que elegem o diálogo entre figuras reais como elemento essencial a uma narrativa cinematográfica expressam fidelidade ao elemento essencial. O interesse pelas ligações entre personagem e cenário é a expressão de um interesse inestimável pela relação entre o ser humano e o mundo em que vive.
Se os sonhos são desejos concretizados, contemplar o espaço entre eles e o real é medir a distância que separa a harmonia almejada e as duras leis impostas pelas forças que impõe a severidade e a rudeza. Alguns se interessam pelos demônios gerados por tal processo. Outros preferem falar do que restou de humano de tal conflito. Preferem dirigir sua atenção ao que ainda não foi inteiramente sufocado pela ação destinada a apagar a harmonia e o equilíbrio. Entre os segundos está a realizadora Ana Luiza Azevedo, que neste Aos olhos de Ernesto, escrito por ela mesma e por Jorge Furtado, propõe ao espectador acompanhar o cotidiano de um personagem que vivendo numa terra estrangeira até por isso enfrenta uma existência que o distancia de um passado que ficou incompleto e que de repente volta numa espécie de segunda chance, este tema tão caro ao cinema e a qualquer ser humano disposto a corrigir imperfeições anteriores.
Desde as cenas iniciais, quando focaliza uma tentativa de venda de um apartamento e uma partida de xadrez não completada, prólogos para um ritual depois acompanhado com meticulosidade, o filme deixa claro que irá acompanhar, quase sempre em apenas um cenário, a vida de um personagem que pela viuvez e a ausência do filho terá de enfrentar o espectro da solidão e a ameaça de uma cegueira que aos poucos o vai afastando do convívio humano e torna cada vez mais difícil a execução de tarefas como tomar regularmente os comprimidos que o mantém vivo. Tudo isso é expresso através de imagens que nada distorcem e a tudo procuram valorizar pelo mais rigoroso realismo. Mas essa solidão e essa dificuldade serão amenizadas pela presença de uma jovem que passa exercer o papel substituto do filho distante. Pode ser a irmã simbólica e desejada daquele, mas sem dúvida exerce um papel destinado a amenizar o isolamento do protagonista, um fotógrafo, um selecionador de imagens, portanto, prestes a mergulhar na cegueira total. Este também é um homem culto, o que fica evidenciado pela biblioteca e pelo poema recitado numa manifestação pública da qual ele e a filha simbólica se afastam logo a seguir.
O filme de Ana Luiza é daqueles que se assemelham a obras como Gran Torino, de Clint Eastwood, e Humberto D, de Vittorio De Sica, também dedicados a personagens idosos convivendo com a nova geração. Curiosamente, a citação a De Sica é feita através de outro filme, Ladrões de bicicletas, algo que certamente não é despropositado, pois naquele clássico o filho salva o pai na antológica e comovente cena final. E na cena em que o pai simbólico protege com a coberta a filha, o momento nos lembra o olhar de Sarastro para a flauta mágica que poderá impedir o casamento de Pamina, um desejo logo reprimido pela força repressora da civilização, no epílogo do mozartiano filme de Bergman. Do cineasta sueco, talvez tenha vindo, também, a inspiração para uma das mais belas cenas de Aos olhos de Ernesto, a da carta ao filho na sequência final, quando a reconciliação e o reencontro com o passado, paralelamente se concretizam, ao som de uma das sonatas para violoncelo de Bach. Não é a mesma de Gritos e sussurros, mas como a sarabanda do outro filme também expressa esse desejo de harmonia e perfeição, tantas vezes procurado.
Outro mérito do filme de Ana Luiza é sua direção de intérpretes, que faz com que as figuras dos personagens principais se transformem em seres humanos verdadeiros, graças também a Jorge Bolani e Gabriela Poester. Esta nova produção da Casa de Cinema merecia ser vista na tela verdadeira. Mas as circunstâncias atuais não impedem que suas qualidades possam ser reveladas.
 
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