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Cinema

- Publicada em 25 de Setembro de 2020 às 03:00

Entre duas guerras

Hélio Nascimento
A se julgar por este O diabo de cada dia, o diretor Antonio Campos, atualmente com 37 anos e com quatro longas-metragens na filmografia, está iniciando uma carreira, sem contar com sua assinatura em séries de televisão, que deverá ser seguida com toda a atenção. O filme, baseado num romance de Donald Ray Pollock, ele próprio comentando os acontecimentos filmados, é narrado com perfeição, mantém uma poderosa atmosfera dramática durante toda a ação e aborda a explosão de irracionalidade e violência, gerada quando as forças reprimidas por leis civilizadoras e por vezes comandadas pelo fanatismo derrubam as grades que as aprisionam e sufocam. O filme possui aquela força que confere a cada cena um toque de veracidade perturbadora, a mesma que antes foi vista em clássicos como Amargo pesadelo, de John Boorman. Sem aquela ingenuidade que costuma diluir propostas superficialmente humanistas, que costumam dar origem a uma espécie de neorromantismo maniqueísta, o filme que acompanha várias linhas que se encontram no final, procura acompanhar as forças antes reprimidas e que, mais poderosas do que as normas que tentam mantê-las sob controle, passam a atuar como revelações do oculto e agir como elementos perturbadores de uma realidade encenada por meios destinados a disfarçar sofrimentos causados pelo peso que o ser humano é obrigado a suportar, na busca de um equilíbrio nem sempre alcançado. Este conflito, por vezes expresso através de uma caricatura que nada tem de satírica, pois é reveladora de verdades ocultas, está presente em várias cenas do filme, que termina se transformando em síntese de um combate nem sempre vencido pelas forças civilizadoras.
A se julgar por este O diabo de cada dia, o diretor Antonio Campos, atualmente com 37 anos e com quatro longas-metragens na filmografia, está iniciando uma carreira, sem contar com sua assinatura em séries de televisão, que deverá ser seguida com toda a atenção. O filme, baseado num romance de Donald Ray Pollock, ele próprio comentando os acontecimentos filmados, é narrado com perfeição, mantém uma poderosa atmosfera dramática durante toda a ação e aborda a explosão de irracionalidade e violência, gerada quando as forças reprimidas por leis civilizadoras e por vezes comandadas pelo fanatismo derrubam as grades que as aprisionam e sufocam. O filme possui aquela força que confere a cada cena um toque de veracidade perturbadora, a mesma que antes foi vista em clássicos como Amargo pesadelo, de John Boorman. Sem aquela ingenuidade que costuma diluir propostas superficialmente humanistas, que costumam dar origem a uma espécie de neorromantismo maniqueísta, o filme que acompanha várias linhas que se encontram no final, procura acompanhar as forças antes reprimidas e que, mais poderosas do que as normas que tentam mantê-las sob controle, passam a atuar como revelações do oculto e agir como elementos perturbadores de uma realidade encenada por meios destinados a disfarçar sofrimentos causados pelo peso que o ser humano é obrigado a suportar, na busca de um equilíbrio nem sempre alcançado. Este conflito, por vezes expresso através de uma caricatura que nada tem de satírica, pois é reveladora de verdades ocultas, está presente em várias cenas do filme, que termina se transformando em síntese de um combate nem sempre vencido pelas forças civilizadoras.
O filme tem entre suas cenas iniciais um episódio desenrolado durante a Segunda Guerra Mundial, quando um dos principais personagens do relato, se depara com algo terrível de ser presenciado, uma imagem que marcará aquele soldado por toda a vida. A cena em questão não se limita a expor uma expressão de barbárie. Ela também expõe uma referência ao sacrifício que se constitui num dos pilares de nossa civilização. Até um certo ponto da narrativa, esta cena inicial se repetirá de várias maneiras, sempre acentuando um relacionamento pai-filho no qual por vezes a brutalidade física toma o lugar da palavra e do exemplo. O horror contemplado dá origem a um desequilíbrio emocional não contido. A ação posterior não se limita a corrigir ou limitar a barbárie. Os atos do ex-combatente também se transformam em brutalidade, não limitada pelas agressões a vizinhos e pela opressão praticada contra o filho. O sacrifício é repetido contra uma das afeições do menino, uma repetição do horror antes visto, que por sua vez dará origem a um novo ciclo de violência.
O filme de Campos, certamente beneficiado pelos temas propostos pelo original de Pollock, cujo roteiro foi escrito pelo realizador em parceria com o irmão Paulo, não se limita a seguir a trajetória de um personagem. O painel é bem amplo e abre espaço para outras vidas acompanhadas numa espécie de contraponto visual, que no final se concentra naquela que pode ser vista como a linha principal. A época é outra. A guerra do Vietnam está sendo mencionada e o adormecimento do filho é como o sinal de que o sono terá um fim e certos fantasmas serão outra vez despertados. Outros personagens reforçam a temática. Há em cena um casal de criminosos movido por desejos proibidos e um pastor descendente do celebre único filme dirigido por Charles Laughton, O mensageiro do diabo, e um pregador cujas encenações não dispensam a demagogia e o masoquismo, uma figura que parece procurar no sofrimento uma forma de punir transgressões imaginadas ou praticadas. O filme também contém cenas notáveis, entre elas o encontro do vingador com o pastor libidinoso, quando o primeiro assume o papel de um agente destinado a punir um pecador. Não por acaso, tal cena se desenrola numa igreja.
O mérito maior do filme, certamente, é expandir a ação por todos os personagens mais destacados. Não há heróis nem vilões. São todos portadores de mensagens vindas de um mundo oculto e sempre prestes a dar sua resposta aos que pretendem dominá-lo ou disfarçá-lo.
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