A cinematografia polonesa, que tem como referência nomes como Andrzej Wajda, Andrzej Munk, Jersy Kawalerowicz e mesmo Roman Polanski, que realizou apenas um longa-metragem em seu país antes de enriquecer o acervo cinematográfico de outras nações, retorna como figura de destaque ao palco do cinema mundial com o diretor Jan Komasa, realizador de Rede de ódio, mais um filme prejudicado pelas circunstâncias atuais, podendo ser visto apenas em telas que estão substituindo o cinema. O mais recente trabalho de Polanski, o notável J’accuse, teve a carreira interrompida após alguns dias de exibição e agora aguarda a retomada ou então espaço em telas que pelo menos permitirão o conhecimento de uma das maiores obras recentemente produzidas. Se no passado o cinema polonês foi corajoso e ousado ao abordar temas proibidos entre outros países do Leste Europeu, principalmente em Cinzas e diamantes, que tinha como protagonista um adversário armado do regime, tratado de forma a ressaltar a tragédia de um país dividido, o que agora estamos vendo é outra vez uma sociedade dominada por conflitos e ameaçada por correntes que adotam a simplificação pensando resolver situações complexas. Para expor este drama, Komasa coloca em cena um protagonista que, em vez de simbolizar inquietações e desespero, resume no comportamento não apenas ambição e arrivismo, pois também explicita por suas ações as várias faces do mal e a forma como a grande ameaça se infiltra e se expande pelas mais diversas formas através das quais se organiza uma sociedade.
Desde a primeira sequência, o filme não apenas revela o caráter de seu personagem principal, registrando também que o ritual seguido pelos dois professores, encarregados de comunicar ao aluno plagiador que sua expulsão é irrevogável não é um escudo protetor, até porque uma certa vaidade permite que seja aberto espaço para uma ação que utilizará vários disfarces para atingir seu objetivo. É através desses disfarces, encenados de formas diferentes, que Komasa coloca em cena o tema principal de sua obra. A forma de expressão é sempre realista, mesmo que em algumas passagens a montagem altere o tempo da ação, como na cena do aniversário, por exemplo, e que a utilização de jogos eletrônicos sirva para evidenciar a fantasia como elemento dominante. É através do realismo que o cineasta exponha de forma clara a grande ameaça. O agente demolidor de reputações e utilizador de instrumentos modernos de comunicação para construir a escada que o elevará a um posto de comando implacável e autoritário, surge em cenários diversos e em formas diferentes. Ele pode ser um jovem estudante que procura a família que o ajudou a fim de restabelecer contatos humanos, algo que também pode significar a busca de algo perdido. E junto com ele o espectador logo perceberá como também é falso o comportamento daquela família. De certa forma, estamos diante da segunda expulsão.
O protagonista resume e simboliza assim o ser humano disposto a tudo a fim de exercer a vingança e se impor diante do mundo. Ele utiliza para tanto várias formas. Pode ser um dançarino em casas de diversões noturnas e também um frequentador de recitais de música de câmara. É um integrante da campanha de um candidato liberal, ao mesmo tempo que trabalha para a destruição de sua imagem, ao atuar numa empresa que tem como cliente o adversário conservador e direitista. É igualmente organizador e vítima de um extremo ato de violência. O filme de Komasa expõe assim os diversos elementos que compõe um cenário sombrio e ameaçador. É o nosso tempo que o filme focaliza. Sem resumos artificiais e sem as sempre detestáveis palavras de ordem, o filme acumula méritos em sua narrativa. Mesmo que o roteiro de Mateusz Pacewicz tenha algumas falhas –um político não poderia ser tão facilmente enganado como a candidato alvo da campanha difamatória- Rede de ódio é um desses filmes que integram o grupo dos que têm mantido o cinema como instrumento indispensável para o processo de entendimento de um mundo e de uma época.