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Cinema

- Publicada em 15 de Maio de 2020 às 03:00

Suspense e ironia

Hélio Nascimento
De 10 em 10 anos, a revista inglesa Sight and Sound realiza uma enquete entre diretores, historiadores e críticos de cinema de vários países com o objetivo de escolher os 10 maiores filmes de todos os tempos. Os responsáveis por aquela publicação abrem espaço para as mais diversas correntes de opinião. O resultado, portanto, é bem mais democrático do que aquelas eleições das quais participam apenas integrantes de determinada corrente.
De 10 em 10 anos, a revista inglesa Sight and Sound realiza uma enquete entre diretores, historiadores e críticos de cinema de vários países com o objetivo de escolher os 10 maiores filmes de todos os tempos. Os responsáveis por aquela publicação abrem espaço para as mais diversas correntes de opinião. O resultado, portanto, é bem mais democrático do que aquelas eleições das quais participam apenas integrantes de determinada corrente.
Na última eleição da revista londrina, realizada em 2012, foi eleito como melhor filme de todos os tempos Vertigo, de Alfred Hitchcock, que no Brasil foi exibido com o título de Um corpo que cai. Foi, de certa forma, uma surpresa. Tais listas, há muito tempo, sempre apontavam Cidadão Kane, de Orson Welles, como o maior momento da história do cinema. Outros clássicos também perderam posição e até um líder em outros períodos, O Encouraçado Potemkin, de Serguei Eisenstein, desapareceu da relação.
Na época, o diretor da revista destacou que a lista evidenciava uma mudança de conceitos entre os que fazem e os que escrevem sobre cinema. É verdade, mas seria importante destacar que desde que o cinema surgiu tais conceitos foram se modificando. É possível discutir a colocação de Vertigo em primeiro lugar, mas certamente aquela obra-prima merece ser incluída entre os mais notáveis filmes de todos os tempos. Até porque não é possível negar sua influência na filmografia de Alain Resnais, este fascinado por personagens movidos pela força da memória e a tentativa de reconstrução do passado.
Surgindo no final do século XIX, o cinema teve de enfrentar comparações com as outras artes. Ele seria apenas modesto descendente do teatro e um aproveitador dos recursos da ópera. Depois dos Irmãos Lumière e de Georges Méliès, quando as características básicas do cinema foram colocadas, os primeiros realizadores se dedicaram a filmar peças de teatro e até óperas, com cantores colocados atrás da tela. Alguns tentaram o cinema de ação, sem qualquer preocupação de conseguir aplausos de plateias dedicadas às artes precedentes.
Depois que Griffith fez suas descobertas e abriu espaço para novas experiências, Eisenstein, no já lembrado Potemkin, mostrou que era possível se aproximar das outras artes e ao mesmo tempo percorrer novos caminhos. Ele e outros de sua geração tinham Griffith em alta conta. Não há como deixar de ver naquelas obras produzidas pelo cinema soviético da década de 1920 uma forte influência de Nascimento de uma nação e Intolerância. Na mesma época, na Alemanha, F.W. Murnau e Fritz Lang também colaboraram para fazer com que o cinema fosse visto como uma nova arte. Começou a fase de separação, mas não de distanciamento, das outras formas de expressão artísticas.
No mesmo período, na Inglaterra, Hitchcock começava sua carreira, e quando iniciou sua fase norte-americana, com Rebecca, já era um realizador de prestígio. Com o tempo passou a ser visto como o mestre do suspense, um título que ele realmente merecia. Além disso, poucos cineastas realizaram em tão pouco espaço de tempo tanto filmes notáveis como ele, que entre 1954 e 1963 dirigiu A janela indiscreta, O homem que sabia demais, O homem errado, Vertigo, Intriga internacional, Psicose e Os pássaros. E da lista está ausente A sombra de uma dúvida, que ele realizou em 1943, filme que o próprio cineasta, ironicamente, lembrava que seus detratores consideravam o melhor filme que ele havia feito. Os detratores do cineasta, hoje, devem ser muito poucos, pois sua obra é daquelas que venceram o tempo e as críticas contrárias. Ele foi um dos que se afastaram das pompas vazias e por vezes ridículas que buscavam uma imitação de modelos consagrados.
Hitchcock faleceu em 29 de abril de 1980, há 40 anos, portanto. A televisão o homenageou com uma retrospectiva da qual constou seu opus derradeiro: Trama macabra, realizado em 1976. No plano final, o último de uma filmografia, a atriz focalizada olha para a câmera e pisca para a plateia. É a última ironia do diretor, que costumava sempre aparecer em seus filmes. Ele parece dizer que tudo não passou de uma encenação. É como o psiquiatra narrando o que havia acontecido na vida de Norman Bates em Psicose. A fantasia é desfeita. O suspense dá lugar à realidade. E o humor nos protege dos pesadelos.
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