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Cinema

- Publicada em 30 de Abril de 2020 às 03:00

Cenas

Hélio Nascimento
Entre um ponto e outro, entre a abertura e o encerramento, são inúmeros os momentos que merecem integrar a antologia formada pelos trechos que, por diversos motivos e de acordo com cada espectador, formam o grupo de cenas que passam a fazer parte da memória cinematográfica de cada um. Por vezes, a subjetividade tem de ceder lugar a um julgamento objetivo, tal a contribuição de determinados fragmentos para o desenvolvimento da linguagem cinematográfica. Porém, é também inegável que uma lista organizada com o objetivo de destacar passagens que o tempo não apaga será sempre incompleta e estará sujeita a enriquecimentos.
Entre um ponto e outro, entre a abertura e o encerramento, são inúmeros os momentos que merecem integrar a antologia formada pelos trechos que, por diversos motivos e de acordo com cada espectador, formam o grupo de cenas que passam a fazer parte da memória cinematográfica de cada um. Por vezes, a subjetividade tem de ceder lugar a um julgamento objetivo, tal a contribuição de determinados fragmentos para o desenvolvimento da linguagem cinematográfica. Porém, é também inegável que uma lista organizada com o objetivo de destacar passagens que o tempo não apaga será sempre incompleta e estará sujeita a enriquecimentos.
O cinema, como se sabe, tem seu ponto de partida na célebre sessão organizada pelos Irmãos Lumière, mesmo que outros pioneiros sejam, por vezes, justamente lembrados e que tal marco possa ser contestado. Os irmãos inventores definiram, ao filmar a realidade - e não poderia ser de outra forma - o próprio cinema, mas não poderiam também evitar que o sonho e a fantasia, esses prolongamentos da realidade, exercessem papel significativo no processo. Assim, operários saindo da fábrica tinham o direito de imaginar a conquista da lua, filmada pelo mago Méliès.
Depois que Griffith provou, com Nascimento de uma nação e Intolerância que o cinema era diferente do teatro, a cena das escadarias de Odessa em O Encouraçado Potemkin, de Eisenstein, foi um momento de afirmação, uma espécie de declaração de independência das outras artes, ao mesmo tempo em que delas extraiu todas as riquezas possíveis, desde os motivos condutores wagnerianos até a força da imagem fixa da pintura e da fotografia. Esse filme é um marco e um ponto de partida, uma revelação das possibilidades de uma então nova arte. Ali estão, na mencionada cena, a opressão, o autoritarismo, a revolta e a dor da perda do filho, tudo sintetizado de forma perfeita e até hoje lembrado em vários filmes - entre eles, a bela fantasia sobre o combate a corrupção erguida por Brian De Palma em Os intocáveis, na qual tal sequência é homenageada pelo cinema norte-americano de ação.
O cinema já estava estruturado e visto como uma expressão cultural indispensável para a compreensão da realidade quando Chaplin, em Tempos modernos, mostrou o ser humano transformado em objeto, uma peça em determinada engrenagem, incapaz de deter os movimentos a ele impostos, numa sequência em que a máquina se impõe como o valor maior. A passagem do tempo e o surgimento de uma época em que certas regras seriam abandonadas e novos valores impostos é o tema da sequência da morte do oficial francês em A grande ilusão, de Renoir. A flor arrancada do caule pelo oficial alemão representa o encerramento de um ciclo: a aristocracia retirada do palco da história. Duas décadas mais tarde, Wajda, em Cinzas e diamantes, na cena em que os fogos de artifício iluminam o encontro simbólico entre pai e filho, sintetizou o drama de uma geração colocada num mundo de violência e dividido de forma irreparável.
Mas o cinema também abriu espaço para a alegria e a esperança. Em Cantando na chuva, Donen e Kelly - o segundo também intérprete e coreógrafo - criaram a mais estimulante e contagiante cena no momento em que a irreverência quase infantil se concretiza diante do policial, numa fase em que a América enfrentava o problema do macartismo.
A cena do assassinato no chuveiro em Psicose, de Hitchcock, é um trecho no qual, com a cumplicidade do compositor Bernard Herrmann, movido por sugestões de Bela Bartok, e o editor George Tomasini, lembrando que o caminho aberto por Griffith e Eisenstein é sempre uma referência, o cineasta resumiu em imagens insuperáveis a agressividade humana. O momento da ressurreição de Lázaro em A maior história de todos os tempos, de Stevens, é uma vigorosa demonstração do poder de sugestão do cinema. E, certamente, o encontro de Bach e Michelangelo, em outro momento de ressurgimento, em Gritos e sussurros, de Ingmar Bergman, é uma cena em que a expressividade do cinema se manifesta de forma a revelar de maneira definitiva o vigor da imagem, a Pietà moderna esculpida com o intuito de mostrar a resistência do humanismo.
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