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Cinema

- Publicada em 29 de Março de 2019 às 03:00

O espelho

Hélio Nascimento
O diretor Jordan Peele reafirma com seu novo filme, Nós, suas qualidades de narrador. Não há qualquer dúvida de que o cineasta é um dos que ocupam a primeira linha do atual cinema norte-americano. O fato de esta vanguarda estar distanciada da geração que a precedeu não impede a constatação de que estamos diante de um realizador que ostenta virtudes tanto evidentes quanto inegáveis. E, para evitar qualquer acusação de saudosismo, é preciso salientar, por exemplo, que Peele é melhor do que Spike Lee, na medida em que se afasta do discurso simplificador e aprecia se aproximar de quadros marcados por indagações e complexidades. E não é qualquer um capaz de criar aquele plano noturno, várias vezes repetido numa determinada sequência, que mostra os visitantes parados diante da casa da família de protagonistas, uma imagem digna dos melhores filmes de terror. O filme também evidencia o gosto do cineasta por citações e sua capacidade de evocar e homenagear os clássicos, citando-os de forma a enriquecer a narrativa e os utilizando para aprofundar certas observações. Nós não é um filme perfeito, mas, sem dúvida, merece ser visto com toda a atenção, pois entre seus méritos está o de deixar claro os instrumentos básicos do cinema, sua força em utilizar imagens e situações para colocar na tela os sinais mais reveladores dos dramas que explicitam crises geradas por engrenagens nem sempre voltadas para a plena realização humana e impulsionadoras de distorções.
O diretor Jordan Peele reafirma com seu novo filme, Nós, suas qualidades de narrador. Não há qualquer dúvida de que o cineasta é um dos que ocupam a primeira linha do atual cinema norte-americano. O fato de esta vanguarda estar distanciada da geração que a precedeu não impede a constatação de que estamos diante de um realizador que ostenta virtudes tanto evidentes quanto inegáveis. E, para evitar qualquer acusação de saudosismo, é preciso salientar, por exemplo, que Peele é melhor do que Spike Lee, na medida em que se afasta do discurso simplificador e aprecia se aproximar de quadros marcados por indagações e complexidades. E não é qualquer um capaz de criar aquele plano noturno, várias vezes repetido numa determinada sequência, que mostra os visitantes parados diante da casa da família de protagonistas, uma imagem digna dos melhores filmes de terror. O filme também evidencia o gosto do cineasta por citações e sua capacidade de evocar e homenagear os clássicos, citando-os de forma a enriquecer a narrativa e os utilizando para aprofundar certas observações. Nós não é um filme perfeito, mas, sem dúvida, merece ser visto com toda a atenção, pois entre seus méritos está o de deixar claro os instrumentos básicos do cinema, sua força em utilizar imagens e situações para colocar na tela os sinais mais reveladores dos dramas que explicitam crises geradas por engrenagens nem sempre voltadas para a plena realização humana e impulsionadoras de distorções.
É notável a maneira como Peele se aproxima dos clássicos. Na primeira cena da praia há um momento de tensão que é uma hábil citação de Tubarão, de Steven Spielberg, algo que se confirma ao aparecer o nome daquele filme na camisa do menino. Aliás, nos créditos, entre os nomes aos quais o cineasta agradece está o do realizador de Jaws. O próprio tema do filme, do qual Peele é também o autor do roteiro, é uma variação em torno de Vampiros de almas, um dos maiores títulos do gênero, realizado por Don Siegel, um dos cineastas - o outro é Sergio Leone - ao qual Clint Eastwood dedicou Os imperdoáveis. O filme de Siegel, utilizando o disfarce da fantasia, captava a paranoia macarthista, assim como agora o de Peele se aproxima de conflitos e medos gerados por distorções e imperfeições das estruturas sociais. O diretor, que, no filme anterior, realizava uma espécie de variação em torno do tema de Adivinhe quem vem para jantar, de Stanley Kramer, retirando as marcas das hipocrisias e revelando verdades ocultas, permite que o espectador constate evidentes aproximações de Violência gratuita, de Michael Haneke, na medida em que outra vez é possível contemplar o choque entre formas estéticas superiores com a agressividade humana mais ameaçadora, com as perguntas e respostas sobre obras musicais substituídas por forças destruidoras da aparente harmonia familiar. Agora vemos sonhos, embalados pela música do Quebra-Nozes, desfeitos pela agressividade liberta das correntes civilizadoras.
O que impede que o filme de Peele seja maior são certos recursos a uma violência de filme de terror de segunda categoria, quando a sugestão dá lugar a detalhes desnecessários. Será sempre difícil, talvez impossível, alguém repetir Stanley Kubrick em O iluminado, com aquele machado de Jack Nicholson destruindo a barreira entre agressividade e civilização, mas certamente alguns momentos o diretor de Nós poderia impedir repetições que terminam por diminuir, e por vezes anular completamente, a procurada dramaticidade de certas cenas. Ao optar por seguir, por vezes, os caminhos de alguns filmes recentes, medíocres, demagógicos e apenas caricaturas do terror cinematográfico, Peele perde a oportunidade de realizar um filme que poderia estar entre os melhores do gênero. A verdadeira e maior lição, aquela de Alfred Hitchcock em Psicose, a de que o terror e a fantasia são gerados na realidade e desfeitos pela elaboração, não é aqui sempre seguida. Mas quando o realizador utiliza recursos como o do espelho no prólogo, uma citação de A dama de Shanghai, de Orson Welles, o filme se aproxima da perfeição. De qualquer forma, Nós prova que o gênero ainda pode ser explorado com inteligência e criatividade, sobretudo quando não são esquecidas as lições do passado.
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