Corrigir texto

Se você encontrou algum erro nesta notícia, por favor preencha o formulário abaixo e clique em enviar. Este formulário destina-se somente à comunicação de erros.

Cinema

- Publicada em 08 de Março de 2019 às 01:00

Memória e esquecimento

Produzido pelos irmãos Almodóvar, Pedro e Augustin, o documentário O silêncio dos outros, realizado por Almudena Carracedo e Robert Bahar, tem por tema as feridas de difícil e, por vezes, impossível cicatrização causadas por ditaduras. A dupla, formada por uma realizadora espanhola e um cineasta norte-americano, procura, principalmente através de depoimentos, expor os métodos e a desumanidade que marcaram o regime chefiado por Francisco Franco. Os dois realizadores deixaram em segundo plano a Guerra Civil Espanhola, uma espécie de prelúdio da Segunda Guerra Mundial, na medida em que serviu de campo de experiência para o nazismo, ao mesmo tempo em que atraiu combatentes de todo mundo, que formaram as Brigadas Internacionais, preferindo dar ênfase ao terror imposto pelos falangistas após a vitória em 1939. Franco comandou uma rebelião contra a República, iniciada em 1936, que encontrou forte resistência e só três anos depois conseguiu se impor. A República também foi defendida por militares da então URSS, na época padecendo dos males do stalinismo. Antes da chamada Guerra Fria, portanto, um conflito entre os que se intitulavam defensores do Ocidente e os seguidores do regime soviético, aconteceu em território espanhol. Só que todo esse drama é bem mais complicado, pois durante o conflito mundial, iniciado em 1939, as potências ocidentais formaram uma frente única ao lado dos soviéticos, a fim de combater a aberração nazista. Numa cena de seu documentário, Carracedo e Bahar entrevistaram alguns jovens que muito pouco parecem saber sobre o passado recente de seu país e pouco interesse mostram pelo que aconteceu durante o regime franquista. Não apenas por essa cena, o documentário trata do tema da memória e do esquecimento, algo que faz lembrar o cinema de Alain Resnais, cineasta que não ficou indiferente ao que aconteceu na Espanha, já que em sua filmografia figura A guerra acabou. Outros cineastas se interessaram por aquela guerra, alguns filmando os acontecimentos na época, como o holandês Joris Ivens, o realizador de Terra espanhola; outros o abordando em termos ficcionais, como Fred Zinnemann, em A voz do sangue; sem esquecer André Malraux, cuja única experiência cinematográfica, A esperança, foi realizada na época.
Produzido pelos irmãos Almodóvar, Pedro e Augustin, o documentário O silêncio dos outros, realizado por Almudena Carracedo e Robert Bahar, tem por tema as feridas de difícil e, por vezes, impossível cicatrização causadas por ditaduras. A dupla, formada por uma realizadora espanhola e um cineasta norte-americano, procura, principalmente através de depoimentos, expor os métodos e a desumanidade que marcaram o regime chefiado por Francisco Franco. Os dois realizadores deixaram em segundo plano a Guerra Civil Espanhola, uma espécie de prelúdio da Segunda Guerra Mundial, na medida em que serviu de campo de experiência para o nazismo, ao mesmo tempo em que atraiu combatentes de todo mundo, que formaram as Brigadas Internacionais, preferindo dar ênfase ao terror imposto pelos falangistas após a vitória em 1939. Franco comandou uma rebelião contra a República, iniciada em 1936, que encontrou forte resistência e só três anos depois conseguiu se impor. A República também foi defendida por militares da então URSS, na época padecendo dos males do stalinismo. Antes da chamada Guerra Fria, portanto, um conflito entre os que se intitulavam defensores do Ocidente e os seguidores do regime soviético, aconteceu em território espanhol. Só que todo esse drama é bem mais complicado, pois durante o conflito mundial, iniciado em 1939, as potências ocidentais formaram uma frente única ao lado dos soviéticos, a fim de combater a aberração nazista. Numa cena de seu documentário, Carracedo e Bahar entrevistaram alguns jovens que muito pouco parecem saber sobre o passado recente de seu país e pouco interesse mostram pelo que aconteceu durante o regime franquista. Não apenas por essa cena, o documentário trata do tema da memória e do esquecimento, algo que faz lembrar o cinema de Alain Resnais, cineasta que não ficou indiferente ao que aconteceu na Espanha, já que em sua filmografia figura A guerra acabou. Outros cineastas se interessaram por aquela guerra, alguns filmando os acontecimentos na época, como o holandês Joris Ivens, o realizador de Terra espanhola; outros o abordando em termos ficcionais, como Fred Zinnemann, em A voz do sangue; sem esquecer André Malraux, cuja única experiência cinematográfica, A esperança, foi realizada na época.
O interesse maior da dupla de cineastas se concentra no tema da tortura. No seu ensaio sobre as brutalidades praticadas por seus compatriotas na Argélia, Jean-Paul Sartre escreveu: "A tortura não é desumana; é simplesmente um crime ignóbil, crapuloso, cometido por homens e que os demais homens podem e devem reprimir". Em termos de definição, não é necessário qualquer acréscimo. O silêncio dos outros começa com um depoimento comovente e, ao mesmo tempo, revelador, na medida em que coloca o espectador diante do cenário atual, no qual traços de modernidade ocultam manchas do passado. A primeira depoente também diz algo a ser ressaltado e que pode ser traduzido como uma constatação de que a agressividade humana não tem limites e não se concentra apenas em determinados espaços políticos. Mas é na focalização das figuras que representam as vítimas do franquismo, algumas delas atingidas por disparos logo após a inauguração, que essa agressividade é definida em termos cinematográficos, na medida em que a imagem é que a revela.
A questão da anistia é outro tema que o filme faz questão de ressaltar. São utilizadas imagens de Augusto Pinochet em Londres, quando, atendendo a um pedido da Justiça espanhola, o ditador chileno foi detido pelas autoridades do Reino Unido. Tal paralelismo tem o objetivo de acentuar que o esquecimento não deveria beneficiar criminosos. É citado, também, o caso da Alemanha que, como se sabe, não perdoa nem mesmo nonagenários cuja culpa no Holocausto tenha sido provada. Mas falta ao filme a abordagem do empenho no rumo da democratização e uma referência aos "heróis da retirada", aqueles que ouviram os clarins de novos tempos. E falta, também, a constatação de que "a história é como a matéria e nela nada se cria nem se destrói: só se transforma", como constata Xavier Cercas em Anatomia de um instante, o grande livro sobre a tentativa de golpe contra o processo de abertura na Espanha.
Conteúdo Publicitário
Leia também
Comentários CORRIGIR TEXTO