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Cinema

- Publicada em 01 de Fevereiro de 2019 às 01:00

Reino desunido

Hélio Nascimento
Há algo de estranho, sem dúvida, abalando o cinema. Uma empresa consagrada em realizar filme de ficção, documentários e séries para serem vistas em telas domésticas, quando não em aparelhos que cabem na palma da mão, resolve produzir, em parceria com outra organização, um filme realizado por um dos melhores diretores da atualidade e depois praticamente impede que o filme, realizado nas dimensões dos 70 milímetros, que capta um espaço duas vezes maior do que o comum, seja exibido regularmente no lugar apropriado, uma tela de cinema, permitindo que apenas sejam realizadas poucas sessões especiais. O Festival de Cannes não aceitou tal interferência. Mas o de Veneza aceitou o produto e até o premiou. Agora, a Academia de Hollywood, que deveria ser uma defensora intransigente do cinema, o aceita em várias categorias, entre elas, a principal. Enquanto isso, a crítica permanece em silêncio, não percebendo a ameaça que isso representa. A coisa se complica ainda mais se levarmos em consideração que o cineasta envolvido no caso sabe perfeitamente que seu filme é para ser visto em tela grande. Aliás, críticos que tiveram a oportunidade de ver Roma na tela certa e também no formato doméstico constataram que algumas cenas não podem ser devidamente entendidas em telas pequenas, pelo quase desaparecimento de detalhes importantes. Se empresas que atuam na produção de trabalhos para serem exibidos em pequenos espaços desejarem produzir também para o cinema, serão certamente bem-vindas. O que surpreende é a passividade com que sua arrogância em impedir a exibição regular em cinemas está sendo aceita e até, de alguma forma, aplaudida.
Há algo de estranho, sem dúvida, abalando o cinema. Uma empresa consagrada em realizar filme de ficção, documentários e séries para serem vistas em telas domésticas, quando não em aparelhos que cabem na palma da mão, resolve produzir, em parceria com outra organização, um filme realizado por um dos melhores diretores da atualidade e depois praticamente impede que o filme, realizado nas dimensões dos 70 milímetros, que capta um espaço duas vezes maior do que o comum, seja exibido regularmente no lugar apropriado, uma tela de cinema, permitindo que apenas sejam realizadas poucas sessões especiais. O Festival de Cannes não aceitou tal interferência. Mas o de Veneza aceitou o produto e até o premiou. Agora, a Academia de Hollywood, que deveria ser uma defensora intransigente do cinema, o aceita em várias categorias, entre elas, a principal. Enquanto isso, a crítica permanece em silêncio, não percebendo a ameaça que isso representa. A coisa se complica ainda mais se levarmos em consideração que o cineasta envolvido no caso sabe perfeitamente que seu filme é para ser visto em tela grande. Aliás, críticos que tiveram a oportunidade de ver Roma na tela certa e também no formato doméstico constataram que algumas cenas não podem ser devidamente entendidas em telas pequenas, pelo quase desaparecimento de detalhes importantes. Se empresas que atuam na produção de trabalhos para serem exibidos em pequenos espaços desejarem produzir também para o cinema, serão certamente bem-vindas. O que surpreende é a passividade com que sua arrogância em impedir a exibição regular em cinemas está sendo aceita e até, de alguma forma, aplaudida.
Jean-Luc Goddard, em O desprezo, cita um dos Irmãos Lumière, que afirmou que "o cinema é uma invenção sem futuro". Olhando o que atualmente acontece - e sempre lembrando que há muitos resistentes em atividade -, é grande a tentação em concordar com aquela previsão. A arte que tanto contribuiu para que toda uma fase da história fosse melhor compreendida, enfrenta atualmente, ataques provenientes tanto da mediocridade como de interesses que nada têm a ver com uma visão atenta da realidade. Há alguns anos, uma revista norte-americana realizou uma enquete com economistas de todo o mundo a fim de selecionar obras cuja leitura fosse essencial para que o século XX fosse melhor analisado. Curiosamente, na lista, apareceu um romance, Os Thibault, de Roger Martin du Gard. Além disso, dois filmes foram citados: Tempos modernos, de Charles Chaplin, e A grande ilusão, de Jean Renoir. Os entrevistados não eram críticos literários ou cinematográficos, o que certamente comprova a importância e o valor do cinema e sua influência em outras áreas do pensamento. Mas, atualmente, o que se vê é o cinema cada vez mais reduzido a uma forma de entretenimento superficial e escapista, uma atividade que pouco tem a ver com uma ação inovadora e enriquecedora. Mas, como há exceções, é importante não se deixar dominar pelo pessimismo e o desalento.
Yorgos Lanthimos, o realizador de A favorita, é daqueles que atuam num espaço dominado pela caricatura e o artificialismo. Ele é do grupo ao qual pertencem diretores como o australiano Baz Luhrman e o norte-americano Wes Anderson, cujo prestígio prova que sua desimportância é reveladora de toda uma época. São cineastas que acreditam que aspectos exteriores são o que de mais valioso existe para o cinema. Lanthimos é também um daqueles que não rejeita e até emprega grosserias, como a da cena da carruagem, no trecho em que a personagem é atirada na lama, nas imagens dos tiros em aves, e certamente pensa que está usando irreverências criativas em tais momentos. E cai no ridículo nas cenas de dança na corte. Ele cita, em entrevistas, influências de Bergman, Kubrick e Forman. Seu reino é palco, no entanto, de uma luta pelo poder vista de forma superficial. E a ideia de revelar a agressividade humana encoberta por rituais e impulsionada pelo erotismo reprimido é apenas um desfile grotesco. E a utilização de compositores que surgiriam um século depois da ação não esconde as limitações e o primarismo da realização. Prêmios virão, o que certamente aumentará a impressão de que a ausência de critérios é a marca de um tempo, sinal de uma crise cada dia maior e mais forte.
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