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Cinema

- Publicada em 25 de Janeiro de 2019 às 01:00

A dor e a memória

Uma aproximação criativa aos clássicos de qualquer gênero é um desafio que poucos conseguem enfrentar e superar. No que se refere ao policial, então, tudo se torna mais difícil porque não são poucos os títulos antológicos e imunes à ação do tempo, realizados por cineastas como Hitchcock, Hawks, Welles, Walsh, Wellman, Huston, Boorman, Kubrick, Dassin, Hathaway, sem esquecer os ainda em atividade Eastwood, Tarantino e os irmãos Joel e Ethan Coen. Desvendar um crime, chegar às causas e revelar todo o ritual seguido por um ato de violência é expor o oculto pelas convenções e o dominado pelas forças disciplinadoras. Não é tarefa fácil, o que não significa dizer que pouco se pode esperar dos desafiantes, mesmo que, em alguns, a pretensão suplante o talento. Uma das formas de revitalizar o gênero seria colocar em cena a complexidade das relações humanas. Descobrir na narrativa clássica espaços não explorados e abandonar as simplificações e o maniqueísmo. Todos os nomes citados procuraram assim agir e por isso têm seu lugar assegurado na história do cinema. O processo, certamente, não tem fim, e o espaço estará sempre à espera de novas cores e figuras. Se a escassez de propostas inovadoras é evidente, não é possível negar que, vez por outra, o gênero policial é abordado com inteligência e empenho renovador. É o caso deste O peso do passado, realizado por Karyn Kusama.
Uma aproximação criativa aos clássicos de qualquer gênero é um desafio que poucos conseguem enfrentar e superar. No que se refere ao policial, então, tudo se torna mais difícil porque não são poucos os títulos antológicos e imunes à ação do tempo, realizados por cineastas como Hitchcock, Hawks, Welles, Walsh, Wellman, Huston, Boorman, Kubrick, Dassin, Hathaway, sem esquecer os ainda em atividade Eastwood, Tarantino e os irmãos Joel e Ethan Coen. Desvendar um crime, chegar às causas e revelar todo o ritual seguido por um ato de violência é expor o oculto pelas convenções e o dominado pelas forças disciplinadoras. Não é tarefa fácil, o que não significa dizer que pouco se pode esperar dos desafiantes, mesmo que, em alguns, a pretensão suplante o talento. Uma das formas de revitalizar o gênero seria colocar em cena a complexidade das relações humanas. Descobrir na narrativa clássica espaços não explorados e abandonar as simplificações e o maniqueísmo. Todos os nomes citados procuraram assim agir e por isso têm seu lugar assegurado na história do cinema. O processo, certamente, não tem fim, e o espaço estará sempre à espera de novas cores e figuras. Se a escassez de propostas inovadoras é evidente, não é possível negar que, vez por outra, o gênero policial é abordado com inteligência e empenho renovador. É o caso deste O peso do passado, realizado por Karyn Kusama.
Trabalhando a partir de um roteiro escrito por Phil Hay e Matt Manfredi, a realizadora sabe criar a atmosfera adequada para cada cena e, auxiliada pela partitura de Theodore Shapiro, muito inspirado nas cenas finais, alcança momentos primorosos, sobretudo nos trechos de assaltos, um no presente, outro no passado. É que o filme se desenrola em dois tempos. Para ser mais preciso, em três, pois só no encerramento o espectador será surpreendido por uma revelação inesperada e que consegue ser original, numa época em que sequências de tal tipo se limitam a ser exercícios vazios e que pouco ou nada acrescentam ao que está sendo narrado. Agora, o que se vê não é apenas uma volta ao passado, mas a constatação das dificuldades de superação de fatos traumáticos. A dor parece insuperável, algo que a máscara de Nicole Kidman acentua de forma notável em todo o filme, um contraste com as cenas do passado, quando a juventude começa a ser contaminada pela ambição e pelo impulso em direção a uma transgressão que aparentemente poderá conduzir o par até um mundo perfeito. Esta narrativa sobre dois agentes da lei infiltrados num grupo de traficantes inova ao trazer para a tela o tema da grande tentação, aquela que costuma levar personagens reais ou imaginários ao desastre. Mas o filme não se limita a ser uma descrição sobre a luta pela posse de um tesouro. Abre espaço também para o penoso relacionamento entre duas gerações num universo deteriorado. E as cenas no grupo infiltrado pelos agentes não deixam dúvida alguma sobre tal constatação.
O rosto que revela dor e sofrimento é a evidência de um passado não esquecido e que atua no presente como uma força dominadora. A descoberta do grande valor material manchado e desvalorizado equivale a toda uma vida destruída. As garras de um monstro imaginário não libertam a protagonista, que no presente age movida pelo ódio e pela frustrada tentativa de tentar um contato verdadeiro com a filha. O espectador, portanto, não está diante de um filme interessado em repetir fórmulas e seguir caminhos desconhecidos. A detetive protagonista representa em cena uma figura que simboliza o ser humano prisioneiro de um passado que, mesmo podendo ser um patrimônio, também pode ser fonte de dor e sofrimento. No caso, ele é também um presente difícil de suportar, algo que a volta à atividade de um criminoso e assassino representa de forma clara. A investigação de um ato de violência é, de certa forma, também uma volta ao passado. Utilizando as possibilidades do gênero policial, a diretora Karyn procura fazer do filme um relato, por vezes impiedoso, de uma tentativa de recompor uma vida. Mas as marcas no rosto da protagonista evidenciam o fracasso de tal tentativa, quando o ódio domina e as causas de tudo se encontram na busca de tesouros imaginários.
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