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Cinema

- Publicada em 07 de Junho de 2018 às 16:50

Prisão sem grades

No ano de 2016, o cineasta tunisiano Mohamed Bem Attia via seu primeiro filme receber dois prêmios no Festival de Berlim: o referente à melhor estreia na direção e o dedicado ao melhor ator, recebido por Majd Mastoura. É este filme que agora está sendo exibido no mercado brasileiro. Aqui, ele recebeu o título de A amante, o que não é, certamente, uma impropriedade. Mas, por vezes, é necessário prestar atenção especial ao título original do filme exibido, a fim de que o espectador se aproxime de forma mais adequada às intenções do realizador. Bem Attia, ao escolher o título de seu primeiro longa-metragem, fez referência direta ao nome do personagem principal, Hedi, pois é ele que representa no filme a grande vítima, o condenado a cumprir pena numa cela de espaço ilimitado, administrada por um carcereiro invisível, que o vigia constantemente, que tem vários rostos e nem sempre está sintetizado em algum personagem, pois faz parte da personalidade do protagonista. O filme, um trabalho admirável, é uma notável primeira obra pela forma precisa e contundente como recria o ritual destinado a moldar indivíduos fáceis de serem controlados, incapazes de um ato de rebeldia, devidamente submetidos às regras do jogo, para lembrar um filme de Jean Renoir, provavelmente uma das admirações e um modelo para o cineasta de A amante.
No ano de 2016, o cineasta tunisiano Mohamed Bem Attia via seu primeiro filme receber dois prêmios no Festival de Berlim: o referente à melhor estreia na direção e o dedicado ao melhor ator, recebido por Majd Mastoura. É este filme que agora está sendo exibido no mercado brasileiro. Aqui, ele recebeu o título de A amante, o que não é, certamente, uma impropriedade. Mas, por vezes, é necessário prestar atenção especial ao título original do filme exibido, a fim de que o espectador se aproxime de forma mais adequada às intenções do realizador. Bem Attia, ao escolher o título de seu primeiro longa-metragem, fez referência direta ao nome do personagem principal, Hedi, pois é ele que representa no filme a grande vítima, o condenado a cumprir pena numa cela de espaço ilimitado, administrada por um carcereiro invisível, que o vigia constantemente, que tem vários rostos e nem sempre está sintetizado em algum personagem, pois faz parte da personalidade do protagonista. O filme, um trabalho admirável, é uma notável primeira obra pela forma precisa e contundente como recria o ritual destinado a moldar indivíduos fáceis de serem controlados, incapazes de um ato de rebeldia, devidamente submetidos às regras do jogo, para lembrar um filme de Jean Renoir, provavelmente uma das admirações e um modelo para o cineasta de A amante.
O filme de Bem Attia - que, com este primeiro trabalho, já se coloca entre aqueles cuja carreira deverá ser seguida com toda a atenção - é desses que exibem, desde a primeira sequência, aquelas virtudes que revelam um verdadeiro cineasta. O protagonista trabalha em uma indústria que enfrenta problemas ainda não resolvidos pelos novos valores impostos pela chamada Primavera Árabe, que pode não ter solucionado todos os problemas resultantes de regimes autoritários, mas que, na Tunísia, a se julgar por esse filme, abriu espaço para que o cinema tratasse diretamente de certos temas de forma clara e sem interferência da sempre nefasta censura às artes. Através de uma direção de atores que pode ser vista como exemplar, o cineasta já nos apresenta, nas primeiras cenas, um personagem incapaz de qualquer forma de reação diante de imposições. Mas não estamos diante de um panfleto, esta arma velha e enferrujada que certos realizadores pensam, em outras paisagens, ser instrumento revolucionário e inovador. Ao focalizar o cárcere em que vive seu personagem, o diretor não se limita a focalizar as atividades profissionais do protagonista. Ele aprofunda o tema, à medida em que aumenta o espaço da prisão ocupada pelo protagonista.
O algoz não é apenas o chefe insensível, que manda seu subordinado para uma missão em outra cidade, às vésperas do casamento. O protagonista, homem de poucas palavras e de voz e atitude marcadas pelo medo, há muito tempo que foi moldado para ser um instrumento fácil de ser manejado. É o que veremos quando entra em cena a figura materna, o primeiro instrumento civilizador, a representar no filme de Bem Attia as imposições de ordem e disciplina, que, como acontece no filme, podem se transformar em meios puramente opressores quando valores essenciais são esquecidos. A mulher que o personagem encontra no hotel onde se hospeda em missão profissional representa o erotismo antes severamente reprimido. O mar, a natureza e a sensualidade libertada surgem como um caminho a ser percorrido, uma rota de fuga, um ato de revolta. Mas nada de ingenuidades e vazios discursos libertários. O peso da repressão é muito grande, e é enorme o volume a ser removido. O valor maior do filme é esta capacidade de resumir num personagem e seu comportamento, sem nenhuma interferência artificial, o dilema enfrentado por indivíduos em conflito com as forças que o controlam e diante das quais a atitude de rebeldia pode se transformar em algo suficientemente doloroso para ser enfrentado por figuras sufocadas. O cineasta sabe criar um ambiente habitado pelas mais diversas formas de distorção de valores, ou então voltadas para o extermínio de manifestações da natureza. E, ao registrar atos de rebeldia, ele coloca na tela a configuração de uma revolta que não se completa e que permanece enjaulada, mas sempre uma ameaça aos rituais de controle e submissão.
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